Ruben Eiras
PARA Portugal conseguir progredir mais depressa, as elites
precisam de abandonar a mentalidade imediatista e provinciana e abraçar
a visão de médio prazo, os métodos de planeamento
e incorporar o espírito científico. Este é o diagnóstico
do estado da liderança política, social e económica
do país elaborada por João Salgueiro, presidente da Sedes,
em entrevista ao EXPRESSO, na inauguração de uma nova secção
dedicada à temática da competência das elites portuguesas.
EXPRESSO - A viabilidade de Portugal como país
competitivo no seio da UE está ou não comprometida pela
qualidade das suas elites?
JOÃO SALGUEIRO - Portugal tem deixado arrastar situações
prejudicais além do que era desejável. Temos uma série
de complexos na análise do país que acaba por dificultar
a resolução dos problemas. Mas a realidade nunca é
estática.
Há casos de países que pareciam impossíveis e que
surpreenderam - a Irlanda, por exemplo, esteve estagnada por mais de duas
décadas. Quando entramos na CEE, até parecia que estava
a ficar para trás. De repente disparou. O Japão e a Coreia
do Sul, a seguir à 2ª Guerra Mundial, pareciam casos impossíveis
e, no entanto, tiveram um desenvolvimento muito rápido. Tiveram
uma visão de médio prazo e trabalharam com afinco para concretizá-la.
EXP. - Então as nossas elites têm mantido o país
num estado letárgico?
J. S. - É difícil imaginar como é que um povo
e uma classe dirigente passam anos a preocupar-se só com o imediato
sem pensarem nas consequências. Nós temos tido a capacidade
de ir adiando as soluções. A história recente do
país tem sido uma sucessão de travagens e relançamentos
artificiais, que não nos deixa grande expectativa para o futuro.
Quando tudo vai bem, iludimo-nos, porque o que estamos a ver é
um alívio passageiro e não um sucesso duradouro.
Depois, quando entramos numa época de crise, temos que pensar no
imediato e não no longo prazo. Há muito tempo que é
necessária uma ruptura e a cada dia que passa é cada vez
mais urgente. Há anos que se fala de reformas estruturais e toda
a gente sabe que a situação dos sectores onde o Estado tem
uma intervenção directa é muito má. Procura-se
sempre adiar.
EXP. - Mas que características da elite criam esta situação?
Ainda são as mesmas que Eça de Queiroz identificou nos seus
romances?
J. S. - Eça de Queiroz poderia ajudar-nos, porque diagnosticou
muito bem o provincianismo nacional, que persiste até hoje. É
um provincianismo que se perfila por uma série de comportamentos
e atitudes ineficazes. O que falta muito à nossa classe dirigente
é ver a anos de distância. É a importância do
futuro que nos leva a ter comportamentos menos agradáveis no presente.
Se temos um horizonte muito curto, os nossos comportamentos vão
ser pautados pelo imediatismo.
Uma empresa ou um país que se comporta desta forma tira muito menos
partido das circunstâncias presentes. Uma pessoa que durante a semana
pensa sobre qual a melhor maneira de se divertir e é incapaz de
perceber que tem de prestar contas daí a uns meses, obviamente
que só se está a tirar partido da realidade imediata. Há
muitas empresas e políticos que procedem desta forma: nas épocas
fáceis tiram partido das circunstâncias e não preparam
o futuro.
EXP. - E qual é a solução para inverter este panorama?
J. S. - Temos que ter uma liderança com uma visão
alargada nos dois sentidos: ver por onde caminhamos e para onde estamos
a caminhar. É interessante que antes do 25 de Abril havia a possibilidade
de planear de seis a 12 anos, a Constituição prevê
o planeamento, mas nunca se fez um plano a sério depois do 25 de
Abril. Fez-se uma tentativa num dos governos de Mário Soares, não
resultou e nunca mais se tentou.
O país não tem um quadro de médio prazo - como existe
nos grandes grupos multinacionais, com vários cenários -
para construir no presente o que se quer amanhã. Por exemplo, se
for perguntar qual é o planeamento e os horizontes para os próximos
anos no sector estatal, ninguém faz ideia. Há sistemas informáticos
de ministérios que são incompatíveis uns com os outros.
Isto é inconcebível!
EXP. - Quando é que acha que poderá surgir uma geração
de elite de "ruptura"?
J. S. - Nós precisamos de uma revolução cultural.
Ela pode ser feita por uma nova geração, mas não
é necessário que seja assim. A reforma religiosa não
foi realizada por jovens, mas sim por homens de meia-idade. A Holanda
fez uma grande mutação cultural, porque na 2ª Guerra
Mundial uma grande parte da classe dirigente esteve detida nos campos
de concentração e teve muito tempo para reflectir sobre
o assunto... (sorri com ironia)
EXP. - Acha que a elite portuguesa tem que ir para um campo de concentração?
(risos)
J. S. - Acho que não vai ser preciso tanto... Mas uma coisa
que devia ser obrigatória é que os dirigentes ou os candidatos
a dirigentes deviam ir passar uns meses aos países do Extremo-Oriente
para ver o que está a acontecer. Houve tempos em que era necessário
ir aos EUA, mas agora é o Extremo-Oriente. Dada a dimensão
demográfica que aqueles países têm, são laboratórios
de mudança social, económica e política muito importantes.
EXP. - Mas a história portuguesa está repleta de "estrangeirados"
que regressam, querem reformar o país e depois são triturados
pelo "sistema"...
J. S. - O "sistema" é muito desgastante porque
as pessoas colaboram com ele. Criou-se uma teia de interesses para manter
o que está e não para reconstruir o futuro. Não é
um problema de pessoas, mas sim do sistema onde estamos metidos. Não
é normal que o país saiba durante anos que existe corrupção
e não faça nada para eliminar as suas causas. Não
é para castigar os corruptos, mas sim para travar as suas causas.
Há muitos anos que se vêem os sintomas disto e não
se toma nenhuma medida.
EXP. - Porque é que não existe essa coragem de enfrentar
os problemas? É por causa dessa teia de interesses?
J. S. - Sim, e ainda temos uma outra herança cultural negativa,
de um grande divórcio entre os portugueses e o Estado. São
séculos de história em que era arriscado opor-se-lhe. Isso
criou uma atitude de dependência do Estado, que desresponsabiliza
as pessoas. É por isso que quando os portugueses vão para
o estrangeiro, como imigrantes e bolseiros, alcançam um excelente
desempenho. Porque têm que contar consigo próprios e não
com nenhum apoio estatal. Mudam porque estão fora deste sistema
entravante.
EXP. - Mas voltando à questão das características
da elite, que outras contribuem para o seu perfil "provinciano"?
J. S. - Outra atitude cultural, que também tem a ver com
o passado, é estarmos muito habituados a trabalhar dentro de fronteiras
portuguesas. Como potência colonial, possuíamos um espaço
muito grande sobre administração portuguesa, mesmo na fase
africana.
Trabalhamos muito nesse espaço e preocupamo-nos pouco em trabalhar
com o exterior a essas fronteiras. Também ainda não fizemos
esta revolução cultural. Devíamos ter aproveitado,
antes da descolonização, a entrada na EFTA para mudar este
comportamento, mas não o fizemos. Além disso, temos pouco
espírito científico. A ideia de que temos de olhar primeiro
para os factos para depois termos opiniões não passa muito
pela cabeça dos portugueses. Isto também é muito
negativo.
Nós podemos escolher uma solução completamente nova,
mas depois isso tem sempre muitos custos. O que devemos ver é as
soluções já testadas pelos outros e ver que caminho
queremos escolher. Construir ignorando o que os outros já fizeram,
e as suas consequências, é atraso mental.
EXP. - Pois, cada novo ministro tenta deixar a sua marca histórica...
J. S. - Muda-se o nome dos ministérios, o papel timbrado,
o logotipo, fabricam-se decretos em quantidades industriais... mas isso
não altera a realidade. As novas gerações têm
gasto muito tempo a discutir as propinas, quando isso é assunto
completamente marginal ao futuro deles. A qualidade do ensino é
questão central. E ainda mais da qualidade da sociedade portuguesa
no seu conjunto.
EXP. - Acha que as novas gerações estão a replicar
estes maus hábitos?
J. S. - Estão a dar continuidade, com uma superfície
mais moderna. Mas no fundo os comportamentos básicos são
os mesmos...
EXP. - Isso é preocupante...
J. S. - Mas a culpa não é inteiramente das gerações
mais novas. Não se revoltaram contra este ambiente de mediocridade,
quando deviam fazê-lo. Estão a revoltar-se contra o incómodo,
quando isso não lhes vai trazer nenhum futuro. Por exemplo, na
educação, pagar mais propinas é um incómodo,
mas a mediocridade é a baixa qualidade de ensino. E não
se revoltam contra isto. Mas a culpa não é inteiramente
dos jovens.
Desde tenra idade que os portugueses são educados num clima de
imediatismo e facilitismo. Os comportamentos formam-se nos dois ou três
primeiros anos de idade. Se as pessoas são formadas nestas idades
com este tipo de mentalidade, só com uma grande revolução
de mentalidade cultural é que se podem libertar disto.
Normalmente a adolescência dá para estas revoluções
culturais, mas infelizmente não o temos feito a este nível.
Os movimentos modernizadores foram realizados pelas novas gerações,
que puseram em causa a herança do passado, mas também os
comportamentos que os tornaram possíveis.
EXP. - E que condições são necessárias para
criar essa elite de "ruptura"?
J. S. - Precisamos de mais ambição e confiança
em nós próprios. Muitas vezes as pessoas não se esforçam
porque não acreditam que se possa conseguir nada de válido.
Uma pessoa que não está convencida de que pode ganhar um
campeonato, não se dá ao esforço necessário.
Quem acredita que pode ter essa possibilidade, dá-se a sacrifícios
imensos.
Os nossos maratonistas para conseguirem o seu palmarés tiveram
que trabalhar e sacrificar-se muito. E o treino é duríssimo.
Durante a competição, muitos dizem que a vontade de desistir
é grande, mas tiveram que se habituar a isso para conseguir o sucesso.
É verdade que no momento a situação em Portugal é
muito insatisfatória, mas isto não quer dizer que estejamos
condenados a esta realidade. Estou optimista que surgirão elites,
que conseguirão ver a 10 anos de distância, ter mais ambição,
mais confiança em si próprios.