Ruben Eiras
NUMA época de instabilidade laboral, o Governo vai
avançar com contratos de trabalho de longa duração,
até 20 anos, para reter os jovens nas Forças Armadas (FA).
Quem o afirma é Paulo Portas, ministro da Defesa, em entrevista
ao EXPRESSO, via "e-mail". A medida está inserida na
política de profissionalização das FA, a qual ainda
contempla um plano de certificação das competências
adquiridas pelos militares, no sentido de elevar a sua qualificação.
EXPRESSO - Qual é o objectivo que presidiu à profissionalização
as Forças Armadas?
PAULO PORTAS - Com a profissionalização das Forças
Armadas o Governo espera que a Marinha, o Exército e a Força
Aérea tenham como suporte fundamental homens e mulheres que,
voluntariamente ou por exigências do superior interesse nacional,
estejam aptos a intervir em novos e variados tipos de missões;
sejam capazes de operar os mais sofisticados sistemas de armamentos
e equipamentos, adaptados a diversos ambientes geográficos e
preparados para operar em conjunto com militares de diferentes países,
enquadrados em estruturas multinacionais.
Espera, ainda, proporcionar aos jovens uma forma de vida diferente,
garantindo-lhes a possibilidade de obter uma formação
que constitua uma mais-valia para o mercado de trabalho e, através
do reconhecimento e certificação das competências
adquiridas, os alicerces da construção de um projecto
pessoal de futuro.
EXP. - Que consequências concretas terá esta política
no desempenho das FA?
P. P. - As consequências far-se-ão notar na maior
capacidade de resposta do nosso país em situações
de crise e na melhoria do desempenho da nossa participação
activa em forças conjuntas e combinadas, para preservação
da paz, prevenindo a resolução de conflitos que afectem
a estabilidade.
EXP. - E a nível da gestão dos recursos humanos?
P. P. - As forças serão constituídas por
um número de efectivos mais reduzido e de maior prontidão
operacional, sendo os seus membros equipados e armados em termos que
propiciem interoperabilidade entre os seus pares aliados, exigindo-se
por isso todo um sistema de formação e treino concordantes
com a obtenção das necessárias competências,
bem com a criação das adequadas infra-estruturas.
EXP. - A profissionalização das FA não implicará
uma inflação no seu montante salarial?
P. P. - No que respeita aos encargos salariais, o grande "salto"
já foi dado, com a equiparação dos vencimentos
dos militares nos regimes de contrato e de voluntariado aos dos correspondentes
postos dos militares dos quadros permanentes, aprovada em 2003.
.
EXP. - E como esperam reter os jovens na profissão militar?
P. P. - Reter os jovens contratados nas fileiras, no máximo
período de tempo permitido por lei, é um dos imperativos
das Forças Armadas. Obviamente que são exigidos os padrões
aceitáveis de qualidade na prestação do serviço
em cada situação, existindo mecanismos de acesso aos quadros
permanentes e correspondente ascensão na carreira contemplando
os mais aptos.
Complementarmente, e consoante as competências adquiridas por
cada jovem, a lei contempla regimes de contrato, chamados de longa duração,
podendo ir até 20 anos de serviço efectivo, os quais serão
regulados em diploma próprio.
Por outro lado, a Lei de Programação Militar contempla
o rearmamento e reequipamento a fixar em termos similares ao das Forças
Aliadas, ao mesmo tempo que contempla o financiamento a atribuir à
modernização de infra-estruturas necessárias à
formação, ao treino, ao alojamento e à execução
dos serviços das FA, factos que no decurso da sua materialização
virão contribuir para o aumento do grau de satisfação
dos jovens e para a melhoria dos níveis da sua retenção
no serviço efectivo.
EXP. - Existem medidas concretas para fomentar a retenção
dos jovens pilotos na Força Aérea? e da Marinha (escassez
de candidaturas)?
P. P. - No caso da retenção dos jovens pilotos,
entendendo-se aqui como dificuldades na sua retenção nas
fileiras, estamos perante um falso problema. Na verdade, os jovens pilotos
o que querem é voar. Mesmo um comandante de esquadra, neste caso
um "veterano jovem" com o posto de major, o que pretende é
situar-se no cenário operacional.
EXP. - E, no caso da Marinha, qual é a linha de acção
para ultrapassar a escassez de candidaturas?
P. P. - A escassez de candidaturas acontece apenas, pontualmente,
na Escola Naval. A situação encontra-se levantada e as
medidas correctivas, em grande parte no âmbito do "marketing",
estão a ser implementadas.
EXP. - No quadro de profissionalização das FA, e tendo
em conta o enfoque da política atlantista do Governo, que medidas
concretas estão planeadas para o reforço das forças
militares marítimas?
P. P. - A substituição dos meios navais de acordo
com as exigências da componente naval do Dispositivo de Forças,
encontra-se explicitada na Lei de Programação Militar.
Genericamente, aqueles meios ainda que obedecendo a requisitos técnicos
modernos e de sofisticação similar ao de outras marinhas
aliadas, são manobrados por guarnições de menores
efectivos. Em consequência, são exigidos àqueles
efectivos padrões de desempenho mais e de aplicação
polivalente, o que determina formação mais exigente e
demorada.
No caso particular da projecção de força e correspondendo
ao estipulado no Conceito Estratégico de Defesa Nacional, a Marinha
passará a dispor de meio adequado à diversidade das situações,
permitindo o embarque de fuzileiros incluindo os armamentos, transporte
e demais equipamento determinados para a missão, quer se esteja
perante uma operação de resgate e evacuação
de cidadãos portugueses radicados em zonas de crise, quer se
esteja perante uma situação de catástrofe em território
nacional ou estrangeiro, quer se esteja perante uma acção
de guerra.
EXP. - Uma política de profissionalização das FA
exige um gestão prospectiva dos recursos humanos e de formação.
Já foi elaborado algum?
P. P. - O redimensionamento dos efectivos militares resultará
da reestruturação dos ramos das Forças Armadas
e das alterações ao dispositivo, cujos estudos ainda decorrem.
Quanto à formação, têm sido dados passos
significativos na racionalização do esforço despendido
pelos ramos nesta área.
A formação ministrada nas Forças Armadas incorpora
como instrumentos de intervenção estratégica, por
um lado, a acreditação das entidades formadoras e, por
outro, a certificação de competências escolares
e profissionais, no sentido de aumentar as qualificações
dos militares dos regimes de voluntariado e de contrato - cerca de 40%
possuem um nível de escolaridade inferior ao 9.º ano.
O objectivo é adequar as qualificações às
exigências funcionais fomentando a sua eficiência e eficácia
e criar condições para que estas sejam objecto de certificação
e potenciem a empregabilidade, de forma a que seja possível a
fácil integração dos profissionais militares no
mercado de trabalho findo o tempo de permanência nas fileiras.
EXP. - No plano de profissionalização das FA, está
previsto o "outsourcing" de alguns serviços militares,
à semelhança do que já acontece nos EUA e no Reino
Unido? Não seria esta uma forma de Portugal criar mais um nicho
de emprego qualificado, melhorar o seu desempenho nos serviços
militares prestados em missões internacionais, reforçando
assim o cariz de especialização das FA?
P. P. - No âmbito da profissionalização,
o imperativo de redimensionamento dos efectivos corresponde também
a uma racionalização no emprego de todos os recursos humanos
afectos à Defesa, pelo que algumas das funções
de natureza não-operacional passarão, muito provavelmente,
a ser desenvolvidas quer por empresas de prestação de
serviços, quer por pessoal civil ou militarizado.
Aliás, o recurso ao "outsourcing" é já
utilizado pelos ramos das Forças Armadas, e será certamente
mais utilizado no futuro.