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Responsabilidade Social não é...



01.01.2000



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Responsabilidade Social não é...*
(20-01-2008)

Carla Marisa Magalhães *
ebcarla@fgv.br


No seguimento do artigo redigido em Agosto do ano passado e dos inúmeros pedidos de esclarecimentos que me têm chegado acerca daquilo que é e não é a RS, entendi ser pertinente e oportuno escrever também sobre o que considero não ser RS.
Na verdade, existem ainda muitas acções que são confundidas com acções socialmente responsáveis (mesmo quando assumidas de um modo isolado), fazendo com que o conceito seja constantemente utilizado de forma abusiva e/ou ingénua. Deste modo, para que não haja forma das empresas se centrarem em acções que, deliberadamente ou não, provocam equívocos em termos da sua gestão interna e externa, eis algumas dicas que poderão ajudar a ultrapassar essa questão.

Assim, RS não é:

1 – Mecenato!

Embora o mecenato possa integrar um plano socialmente responsável, quando visto isoladamente não pode ser considerado RS, pois doar não é responsabilizar, que é uma das características que está na base de um programa de RS.

2 – Filantropia!

Tal como o mecenato, também a filantropia assenta no princípio da doação, o que mais uma vez contraria o espírito de responsabilização inerente à RS. Mas a filantropia, embora por si só não seja RS, pode fazer parte de programas dessa natureza.

3 – Ética!

É habitual confundir-se Ética com RS. No entanto, embora ambos os conceitos estejam amplamente relacionados, divergem na sua génese, já que a Ética é a parte não visível da RS e esta representa a materialização de valores subjacentes aos princípios éticos. No entanto, convém salientar que ser ético não implica necessariamente ser socialmente responsável; já o contrário não é verdade, na medida em que não existe RS sem Ética.

4 – Voluntariado fora do horário de trabalho ou dentro do horário de trabalho, mas de forma não remunerada!

O voluntariado é uma prática fortemente incentivada dentro dos meandros da RS. Porém, as empresas que incentivam os seus funcionários a fazê-lo devem ter consciência de que se o mesmo for realizado fora do horário de trabalho ou dentro desse horário, mas de forma não remunerada (isto é, com descontos salariais relativos ao período dedicado às acções voluntárias), não se trata de RS mas sim de Responsabilidade Individual do próprio funcionário que pratica o acto voluntário.

5 – Cumprir a lei!

Também aqui existe uma tendência para se confundir RS com cumprimento da lei. Contudo, não podemos esquecer que a RS é um conceito que tem na sua natureza um espírito voluntário, que implica que as acções que estão na sua base possuam um cariz espontâneo, que deve ir para além daquilo a que a lei obriga. Isto significa que cumprir a lei não é suficiente para uma empresa ser considerada socialmente responsável, mas é necessário, já que não existe RS sem o cumprimento da lei.

6 – Promover acções de apoio à comunidade e ao Meio Ambiente, negligenciando o contexto interno, isto é, o corpo funcional da empresa!

Na medida em que as acções socialmente responsáveis se dividem em internas e externas, as empresas são incentivadas a actuar aos dois níveis. No entanto, quando tal não é viável ou realista dentro das circunstâncias em que se encontra a empresa, esta deve dar prioridade ao seu contexto interno sem, é claro, violar a lei no que diz respeito ao seu relacionamento com o contexto externo (comunidade e Meio Ambiente). Empresas que se empenham em desenvolver projectos sociais junto da comunidade, mas desrespeitam certos direitos dos seus funcionários (por exemplo, investem em projectos comunitários mas, simultaneamente, despedem e/ou sobrecarregam o seu corpo funcional), nada mais estão a fazer do que a investir na sua própria imagem, promovendo-se aos olhos do cidadão e/ou consumidor mais desatento ou desinformado acerca da realidade interna da organização.

7 – Criar um Código de Ética!

Embora a criação dos Códigos de Ética esteja muito em voga e seja aconselhável no sentido das empresas adoptarem e incutirem nos seus funcionários determinados padrões de conduta, se esses códigos não passarem do papel de nada servem. Apenas ajudam a criar um falso “aparato” à volta dos valores da empresa e daquilo que ela realmente representa em termos éticos. Assim sendo, se a RS é um conceito amplamente prático, defender ideias sem as colocar em prática não é RS.

8 – Coleccionar certificados, normas e prémios!

As empresas que estão normalizadas e/ou certificadas no âmbito de normas relacionadas com a RS, não são necessariamente socialmente responsáveis. Em primeiro lugar, muitas normas levam em consideração apenas determinados aspectos, em detrimento de outros, cujo incumprimento implica muitas vezes uma conduta anti-RS. Em segundo lugar, as auditorias que são (ou deveriam ser) efectuadas periodicamente, no sentido de assegurar o respeito pelos preceitos normativos, nem sempre são realizadas de forma correcta (deixando muitas vezes à margem alguns stakeholders fulcrais para o processo) e nem sempre são realizadas de forma isenta ou imparcial, sobretudo se são de origem interna.

Logo, as normas e certificações podem contribuir para que empresas que não são socialmente responsáveis sejam consideradas como o sendo. Do mesmo modo, os prémios reflectem uma determinada conduta, num determinado período de tempo e em relação a um determinado aspecto, não sendo portanto indicadores de uma tendência permanente da empresa em relação à RS. Premiar o que é bem feito está correcto e recomenda-se (sobretudo num país mais habituado a criticar o mau do que a elogiar o bom), mas não devemos confundir a atribuição de um prémio dentro da área da RS com a prática efectiva desta. Por fim, convém salientar que a RS é um conceito inesgotável que apela à criatividade e espontaneidade das organizações, o que significa que um rótulo, uma norma, um certificado, um prémio ou um selo devem ser vistos como o começo e não como o fim do processo.

Assim, estes são apenas alguns dos aspectos sobre os quais as organizações e a sociedade de um modo geral devem reflectir quando utilizam o conceito de RS, pois só dessa forma poderemos transformar aquilo que a RS não é naquilo que ela realmente é!

*Carla Marisa Magalhães (marisamagalhaes@clix.pt) é investigadora e consultora na área da Responsabilidade Social e doutoranda em Ciências Empresariais, na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, em parceria com a Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro.






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