Este país não é para velhos!*
(20-03-2008)
Carla Marisa Magalhães *
ebcarla@fgv.br
“Tenho 35 anos, sou licenciada em… e estou desempregada há mais de dois anos. Recentemente, numa atitude de desespero, comecei a mentir na idade quando me candidatava a empregos e verifiquei que deste modo conseguia ir a mais entrevistas. Porém, quando na presença do entrevistador digo a minha idade verdadeira, acabo por voltar à estaca zero e, curiosamente, não é por ter mentido, mas sim por causa da minha idade… Numa entrevista na empresa X, chegaram mesmo a dizer, que preferem contratar pessoas mais novas e sem filhos e, de preferência, que não tivessem grandes compromissos familiares (casadas, entenda-se)… Será que recorrendo ao argumento da Responsabilidade Social não terei mais hipóteses de obter um emprego?”
“Tenho 46 anos e trabalho na empresa Y [uma conhecida multinacional]. Há uns dias fui abordado pela Direcção da empresa, no sentido de chegarmos a um acordo para eu me vir embora. Eles estão mesmo dispostos a pagar acima do que a lei exige, tendo como moeda de troca o meu silêncio. Esta semana soube que a empresa está a proceder de forma análoga com muitos funcionários que já passaram a barreira dos 45 anos, incluindo mesmo alguns cargos de chefia. É uma autêntica caça às bruxas, ou melhor, aos “velhos”. Querem sangue novo, literalmente! E isto, vindo de uma empresa que se diz socialmente responsável!”
Estes são apenas dois dos muitos depoimentos que tenho recebido sobre o tema da discriminação etária em termos profissionais, os quais, curiosamente, têm vindo a crescer bastante nos últimos tempos, sendo mesmo o tema mais explorado de todos, no âmbito dos feedbacks que me chegam, razão pela qual resolvi “espicaçar” novamente este assunto, à semelhança do que já havia feito num artigo anterior (“Responsabilidade Social versus discriminação laboral – o fantasma da idade!”). Deste modo, entendo ser pertinente trazer novamente à luz do dia um problema que afecta cada vez mais portugueses (nomeadamente os que se encontram abaixo dos 25 e acima dos 35 anos), mas ao qual nem por isso é dada a devida atenção, talvez por se tratar de um problema não tão visível, quando comparado com outras formas de discriminação. E se verificarmos que dentro desta discriminação cabem todas as outras, o problema é ainda maior.
Mas, porque será que a questão da idade assusta tanto os nossos empresários e patrões? Não serão movidos por um ímpeto oportunista que dá preferência aos que parecem ter mais disponibilidade para serem explorados? Não serão movidos por um preconceito injustificado que lhes diz que pessoas mais novas ou mais velhas não são tão capazes nem tão competentes ou motivadas como as pessoas com a “idade certa”?
Não serão mais importantes a vitalidade, a vontade de trabalhar, o sistema de valores, o empenho, a motivação ou a experiência (incluindo a de vida) do que simplesmente a idade? Será que não compreendem que a produtividade está muito para além da idade e dos seus respectivos anexos? Afinal de contas, o ser humano tem capacidade de aprender e de se adaptar a novos contextos rapidamente. E não podemos também esquecer que a esperança média de vida tem vindo a aumentar, o que faz com que as pessoas preservem as suas capacidades por mais tempo.
Porém, o mercado de trabalho parece não estar a saber acompanhar esta tendência, isto é, não está a acompanhar a evolução das sociedades modernas, contrariando também a própria lei, a qual proíbe esta forma de discriminação, embora estipule algumas excepções. De acordo com o Artigo 6º da Directiva 2000/78/CE do Conselho da União Europeia, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional, “os Estados-Membros podem prever que as diferenças de tratamento com base na idade não constituam discriminação se forem objectiva e razoavelmente justificadas, no quadro do direito nacional, por um objectivo legítimo, incluindo objectivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e formação profissional, e desde que os meios para realizar esse objectivo sejam apropriados e necessários. Essas diferenças de tratamento podem incluir, designadamente:
a)O estabelecimento de condições especiais de acesso ao emprego e à formação profissional, de emprego e trabalho, nomeadamente condições de despedimento e remuneração, para os jovens, os trabalhadores mais velhos e os que têm pessoas a cargo, a fim de favorecer a sua inserção profissional ou garantir a sua protecção;
b)A fixação de condições mínimas de idade, experiência profissional ou antiguidade no emprego para o acesso ao emprego ou a determinadas regalias associadas ao emprego;
c)A fixação de uma idade máxima de contratação, com base na formação exigida para o posto de trabalho em questão ou na necessidade de um período razoável de emprego antes da reforma.”
Também em Portugal, cujo Código do Trabalho (Artigo 22º) consagra aquela Directiva, a lei estipula que a discriminação etária não ocorre “sempre que, em virtude da natureza das actividades profissionais em causa ou do contexto da sua execução, esse factor constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da actividade profissional, devendo o objectivo ser legítimo e o requisito proporcional.”
Estas excepções à lei, se não forem bem fundamentadas e fiscalizadas, podem legitimar a própria prática da discriminação. Com efeito, no nosso país a prática e a lei nem sempre convivem lado a lado, sendo esse tipo de discriminação difícil de comprovar, uma vez que é algo fácil de contornar. E a prova disso é que nem com estas leis deixamos de assistir à discriminação etária, quer no acesso ao emprego, quer na sua manutenção. E se nos centrarmos no facto das pessoas até aos 25 anos serem consideradas muito novas (devido à eventual falta de experiência e imaturidade) e após os 35 anos já começarem a ser consideradas “velhas” (devido à eventual dificuldade de adaptação e inovação), verificamos que, de acordo com o actual paradigma, as pessoas dispõem de apenas cerca de 10 anos para serem consideradas profissionalmente capazes, já que antes dos 25 ou depois dos 35 a empregabilidade complica-se (em termos de acesso para quem antecede os 25 ou ronda os 35 e de manutenção para quem ultrapassa os 45).
E isto é particularmente frustrante para os que se encontram acima dos 35 anos, na medida em que entre essa idade e a idade considerada “activa” ainda decorrem cerca de 30 anos. Deste modo, verificamos que aquilo que os nossos empresários e patrões fazem quando se baseiam no argumento da idade, nada mais é do que reduzir o ser humano a uma classe etária que fica muito aquém da realidade, humilhando e desvalorizando todos aqueles que são capazes, mas que não exibem nos seus BI a “idade certa”.
Enfim, é caso para dizer: Este país não é para velhos! Mas também não é para novos!
*Carla Marisa Magalhães (marisamagalhaes@clix.pt) é investigadora e consultora na área da Responsabilidade Social e doutoranda em Ciências Empresariais, na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, em parceria com a Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro.