Quebrar uma longa tradição de desconfiança
(19-01-2006)
Armindo Monteiro
Presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE)
Durante o Estado Novo, o modelo corporativo, o condicionalismo industrial e a própria rigidez social que a ditadura fomentou criaram o estereótipo do empresário/patrão autocrático, plenipotenciário e bajulador do regime – o que, como bem sabemos, nem sempre correspondia à verdade. A imagem melhorou ligeiramente com o marcelismo, período em que surgiu uma geração de investidores e tecnocratas mais moderna e empreendedora. Ainda assim, o estigma sobre os que se moviam no mundo dos negócios permaneceu bem vivo.
Com a revolução de 25 de Abril de 1974 e o conturbado processo político que se lhe seguiu, os empresários sofrem novo abalo na sua imagem pública. Agora eram os «capitalistas» dos monopólios do antigo regime, os «exploradores» da massa trabalhadora, os «reaccionários» que planeavam a contra-revolução, os «fascistas» que queriam fugir com o dinheiro para o Brasil… A ortodoxia revolucionária procurou, desta forma, desmantelar o tecido económico herdado do anterior regime, não poupando os seus principais agentes.
Só com o governo da AD e, sobretudo, com a revisão constitucional de 1982 (que extinguiu o Conselho da Revolução) se desvaneceram os últimos resquícios revolucionários, permitindo a emergência, ainda que tímida, de uma nova geração de empresários. Contudo, os espartilhos – muitos deles constitucionais – à actividade empresarial eram ainda significativos, com a agravante da economia portuguesa estar, em meados dos anos 80, a cumprir programas de estabilização impostos pelo FMI. O empresário continuava, por conseguinte, a ser desvalorizado social e politicamente, na medida em que as prioridades do País não coincidiam com os anseios de quem geria, ou pretendia gerir, empresas.
O panorama melhora substancialmente a partir da adesão à CEE, em 1986, e com o processo de privatizações iniciado no final dos anos 80. A actividade empresarial ganha então um novo ímpeto, mas nem por isso os seus agentes lograram conquistar uma clara imagem de idoneidade. Isto porque a competitividade das empresas assentava, em grande parte, na mão-de-obra barata, que, por seu turno, espelhava um Portugal socialmente atraso. E o ónus desse subdesenvolvimento recaiu, muitas vezes injustamente, sobre os empresários.
Nos anos 90, uma nova geração de empresários desponta em Portugal, desta feita já não motivada por razões de sucessão ou tradição familiar, como antes acontecia, mas sim traduzindo uma genuína vontade empreendedora. A ANJE contribuiu, aliás, para essa dinâmica empresarial inusitada em Portugal. Mas, pela mesma altura, ocorre o boom bolsista que, criando a ilusão do dinheiro fácil, viria a colar nos investidores o rótulo de yuppies sem escrúpulos.
Depois desta breve retrospectiva, verificamos que hoje a classe empresarial continua a gerar desconfiança entre a comunidade. Para tanto têm contribuído a deslocalização de empresas sem acautelar as consequências sociais, a economia informal, a precariedade das condições de trabalho ou o desleixo ambiental. Mas um outro fenómeno importante emergiu nos últimos anos, podendo ser considerado um efeito secundário do movimento empreendedor: o excesso de voluntarismo de alguns empresários.
Temo que a criação de empresas seja, actualmente, um fenómeno de moda. Entre os mais jovens, há uma vontade irreprimível de abraçar um negócio, sem pensar muito bem nas implicações sociais inerentes. Além disso, como a taxa de mortalidade nas empresas recém-criadas é elevada, verifica-se uma espécie de «fuga para a frente» de alguns empresários, que sucessivamente saem de um negócio para entrar noutro e noutro e noutro e noutro… Trata-se de um carrossel interminável que, nas suas várias voltas, vai lesando o Estado, a comunidade e alguns cidadãos em particular.
Para ultrapassar o difícil momento que a economia portuguesa está a viver, é fundamental o investimento privado na criação de empresas. Mas com regras e de forma responsável. Se não, «é pior a emenda que o soneto». Ou seja, os custos económicos provocados por empresários irresponsáveis ou imprevidentes serão maiores do que uma actividade empresarial reduzida.
Por outro lado, e em particular numa altura em que as relações económicas à escala global são marcadas (ou desvirtuadas) por gritantes diferenças na protecção social entre Estados, importa vincar a ideia de que o desrespeito pelos direitos laborais, pelas obrigações fiscais, pelas regras da concorrência ou pelos ecossistemas naturais é uma via para o insucesso. De facto, os comportamentos éticos e responsáveis não tolhem a actividade empresarial. Pelo contrário: valorizam-na! Logo, são um factor de competitividade.
Harmonizar a actividade empresarial com valores e princípios de responsabilidade social é, por conseguinte, fundamental não só para reforçar a competitividade das nossas empresas como também para contrariar a longa tradição de desconfiança da comunidade em relação aos empresários. Esta é, portanto, uma noção que todos os que se abalançam no mundo dos negócios devem ter bem presente.