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Opinião - O que fazer com o dinheiro do QREN?



01.01.2000



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O que fazer com o dinheiro do QREN?
(22-03-2007)

Armindo Monteiro
Presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE)


Em Portugal existe o velho hábito de atirar dinheiro para cima dos problemas esperando, quase que por milagre, que as soluções surjam instantaneamente. Assim se delapidaram recursos importantes em reformas ditas estruturais (Saúde, Educação, Administração Pública, Justiça, Economia…), que se sucederam umas atrás das outras e até entraram em contradição entre si. E foi igualmente com esta leviandade que, como bem sabemos, se desbaratou uma parte significativa dos fundos comunitários.


Parece uma fatalidade esta nossa inépcia para gerir com proficiência e parcimónia os recursos do país e, sobretudo, os recursos que recebemos do exterior. Não querendo recuar ao tempo do ouro do Brasil ou das especiarias da Índia, lembro que, entre 2000 e 2006, Bruxelas disponibilizou a Portugal cerca de 20,5 mil milhões de euros, no âmbito do Quadro Comunitário de Apoio III. Apesar da taxa de execução ter atingido os 73,6% e do nosso país poder ainda, até ao final de 2008, executar os 5,4 milhões de euros remanescentes, é consensual a ideia de que o QCA III foi uma oportunidade perdida.

Hoje, assistimos ao regozijo geral perante os prometidos 21,5 mil milhões de euros do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) para 2007-2013. Neste sentido, a pergunta volta a ganhar pertinência: como vai Portugal gerir o caudal de fundos proveniente, uma vez mais, do exterior? É que, tratando-se muito provavelmente do derradeiro apoio financeiro de Bruxelas, é inadmissível que as verbas consignadas pelo QREN não sejam alvo de uma aplicação criteriosa nos objectivos e exigente nos resultados.

Da análise do projecto QREN, embora me subsistam dúvidas sobre o modelo de governação, retiro conclusões na generalidade positivas sobre as bases orientadoras, os princípios estratégicos, e os programas operacionais que enformam o novo quadro de referência. No essencial, concordo com as linhas programáticas do QREN, em particular as que se prendem mais directamente com a promoção do empreendedorismo, o reforço da competitividade, a aposta na qualificação e o desenvolvimento da inovação, ciência e tecnologia no tecido empresarial.

Ao nível macroeconómico, congratulo-me, antes de mais, com a intenção expressa no QREN de reformar a Administração Pública, reduzir o peso do Estado na economia, simplificar o sistema fiscal e melhorar a qualidade da despesa pública corrente e de investimento. Penso, aliás, que, sem este trabalho de base, o desenvolvimento futuro do país estará irremediavelmente comprometido.

Considero igualmente positiva a redução dos programas operacionais, com vista a uma maior eficiência na gestão estratégica dos fundos, à diminuição da burocracia e à escolha das melhores opções de investimento. Creio, no entanto, que para evitar os erros do passado recente deveria ser constituída uma comissão de acompanhamento do QREN, composta por membros dos partidos políticos com assento parlamentar e por elementos da sociedade civil, designadamente representantes das confederações empresariais. Desta forma, o Governo afastaria a suspeição de controlo político do QREN, ganharia massa crítica na gestão do mesmo e todo o processo teria a transparência exigida num regime democrático como o nosso.

No âmbito do QREN, alerto também para a necessidade de um novo enquadramento dos sistemas de incentivo para jovens empresários, à luz do paradigma imposto pela sociedade em rede e do conhecimento, dos desafios da economia global e da conjuntura macroeconómica que o país está a viver. Apesar dos mecanismos de discriminação positiva dos jovens empresários plasmados nos actuais sistemas de incentivo, designadamente através de uma majoração ao investimento, não me canso de sublinhar a importância de desenhar programas de apoio especificamente dirigidos aos que pretendem iniciar a sua actividade empresarial.

No domínio da criação de empresas por jovens, existem várias particularidades que não se encontram contempladas nos actuais sistemas de incentivo e que, muitas vezes, se afiguram determinantes para o surgimento de negócios emergentes e inovadores. Falo, concretamente, da necessidade do financiamento abarcar despesas elegíveis imputáveis desde a formulação da ideia empresarial à sua concretização efectiva, passando ainda pela elaboração do respectivo plano de negócios.

Estas e outras «key issues» (para usar a terminologia do Governo) devem ser debatidas, de forma aberta e frontal, pela sociedade portuguesa e, em particular, pelos seus agentes económicos, para que o QREN constitua, efectivamente, um instrumento de reforço da competitividade do nosso tecido produtivo. Esperemos, pois, que o pragmatismo e o bom senso prevaleçam, de tal modo que a tendência portuguesa para malbaratar recursos financeiros não seja, de facto, uma fatalidade e que Portugal volte a ser apontado como o «bom aluno» da Europa.





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