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Opinião - Da Irlanda à Finlândia: os riscos do estatismo



01.01.2000



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Da Irlanda à Finlândia: os riscos do estatismo
(10-03-2006)

Armindo Monteiro
Presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários


Durante o fugaz consulado de Durão Barroso, o modelo económico irlandês era tido como fonte de inspiração da estratégia governativa. O Executivo de centro-direita parecia determinado em seguir a política de desenvolvimento do «tigre celta», embora as diferenças entre a Irlanda e o nosso país fossem, em alguns casos, gritantes. Ontem como hoje, Portugal não apresentava níveis de escolaridade global ou de qualificação do factor trabalho tão elevados como os dos irlandeses e, muito menos, beneficiava da universalidade da língua inglesa e da diáspora nos EUA para captar investimento directo norte-americano.

Ainda assim, parecia ser uma boa ideia direccionar a economia portuguesa para os sectores de grande valor acrescentado, designadamente o das Tecnologias de Comunicação e Informação, como fez a Irlanda. Por outro lado, Portugal nada teria a perder se adoptasse as medidas de liberalização e desregulação económica que fizeram do «tigre celta» uma verdadeira sociedade de empreendedores (em 2004, por exemplo, a Irlanda registou uma subida da Taxa de Actividade Empreendedora de 7,7%). Neste sentido, o modelo económico irlandês era, à partida, digno de benchmarking por parte dos nossos decisores políticos.

Actualmente, o Governo de José Sócrates não esconde o seu apreço pelo modelo económico finlandês, como a recente visita do primeiro-ministro a Helsínquia veio reiterar. Ora, esta preferência esbarra, tal como no caso irlandês, com o atraso de Portugal nos capítulos da educação e da qualificação profissional, com todas as implicações que isso tem ao nível da produtividade laboral, da capacidade para inovar e da utilização das novas tecnologias. Ou seja, há ainda um enorme fosso a separar a realidade finlandesa da portuguesa.

Porém, Portugal tem tudo a ganhar se começar a encarar, ainda que com décadas de atraso, a qualidade do sistema educativo e a formação do factor trabalho como activos que não desvalorizam e que funcionam, a montante, como aguilhões do desenvolvimento económico. Acresce que, como já foi abundantemente enfatizado, o nosso país deve, à semelhança da Finlândia, apostar na inovação empresarial, na investigação científica, no progresso tecnológico e na internacionalização das empresas, sob pena de, face à pequenez do seu mercado e à sua situação geográfica periférica, perder o comboio da competitividade à escala do globo.

Posto isto, importa ressalvar que a cópia pura e simples de modelos económicos normalmente resvala para a fancaria. O decalque de estratégias alheias pode muito facilmente conflituar com as condições económicas, políticas, sociais e culturais do país que as pretende adoptar. E, no caso finlandês, esse risco existe sobretudo ao nível das funções do Estado na economia, que, como sabemos, são no país nórdico mais latas do que na maioria das nações europeias, já para não falar dos EUA.

Neste contexto, convém lembrar que o Estado em Portugal tem uma histórica tendência para o dirigismo. Foi assim quer durante o antigo regime – que adoptou um sistema corporativista e introduziu mecanismos como o proteccionismo industrial ou, mais tarde, os planos de fomento marcelistas –, quer depois de restabelecida a democracia, com as nacionalizações do PREC, os acordos com o FMI, os fundos estruturais da Comunidade Europeia… Enfim, há toda uma tradição antiliberal de actuação do Estado que levanta legítimas dúvidas sobre a sua idoneidade enquanto agente activo no tecido empresarial.

Por outro lado, é preciso não esquecer o estado em que se encontra o Estado, passe o trocadilho. Despesismo, excesso de funcionários, burocracia, má qualidade dos serviços, rigidez organizativa, pouca credibilidade junto dos cidadãos e atraso tecnológico são alguns dos muitos escolhos que tolhem a actividade da administração pública portuguesa, com a agravante de nenhum deles poder ser removido a curto prazo. Se a tudo isto juntarmos o facto de no nosso país as empresas públicas servirem muitas vezes para alimentar clientelas políticas, para desvirtuar as regras da concorrência ou para financiar défices, então temos uma descrição muito pouco edificante da máquina estatal.

Serve esta análise para dizer que um eventual benchmarking das práticas de excelência da Finlândia não pode, em contramão com a História e particularidades do nosso país, funcionar como um pretexto para uma maior intervenção do Estado na economia. Isso seria desbaratar todo o trabalho já feito de sustentabilidade das finanças públicas, de liberalização do mercado, de emagrecimento do Estado e de despolitização dos organismos públicos. Tratar-se-ia, portanto, de uma regressão histórica e até ideológica de que Portugal não se pode dar ao luxo.

Neste sentido, as principais preocupações dos decisores políticos devem centrar-se, por ora, na promoção de condições favoráveis à criação e expansão de empresas, tanto mais que é ao tecido produtivo, e não ao Estado, que compete gerar riqueza para o país e emprego para a população. Até porque, sendo obviamente uma tarefa gigantesca, a reforma da administração pública demorará algum tempo a estar concretizada, o que não é compaginável com a urgente reestruturação económica de Portugal.

Por outras palavras, a economia nacional não tem margem de manobra para aguardar por uma administração pública flexível, eficiente e parcimoniosa como todos desejamos.





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