Algo vai bem no Reino da Dinamarca
(20-10-2006)
Armindo Monteiro
Presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE)
O conceito «flexisegurança» («flexicurity», em inglês) traduz o esforço para conciliar a protecção do trabalhador com um nível de flexibilidade do mercado de trabalho que permita às empresas obter ganhos consistentes de competitividade e produtividade. À primeira vista, parece ser a quadratura do círculo. Mas, na verdade, há exemplos bem sucedidos de «flexisegurança», como o sistema dinamarquês.
Na Dinamarca, o objectivo prioritário é a protecção das pessoas e não a preservação, a todo o transe, do posto de trabalho. Nesta espécie de back to basics assume-se, com absoluto realismo, que um posto de trabalho está dependente dos avanços tecnológicos, da evolução industrial e/ou dos serviços, das exigências de qualificação e, claro, da competência e profissionalismo dos trabalhadores.
Logo, uma empresa pode despedir ou recrutar trabalhadores, no âmbito de um processo de reestruturação interna destinado a incrementar a sua competitividade. Por seu turno, os trabalhadores beneficiam de uma generosa «almofada» social em caso de perda de emprego. É-lhes atribuído um elevado subsídio de “procura de novo emprego” e não um “subsidio de desemprego” (não se trata de uma mera alteração semântica), beneficiando também de políticas activas de reinserção no mercado de trabalho e de (re)qualificação profissional.
Graças a tudo isto, o sistema dinamarquês garante flexibilidade na admissão e demissão de trabalhadores, elevada mobilidade laboral, ampla rede de protecção social, maior responsabilidade de empresários e trabalhadores, consenso entre parceiros sociais, melhores condições para a actividade empresarial, crescimento económico sustentado e finanças públicas saudáveis. Não por acaso, a Dinamarca surge nos lugares cimeiros mundiais no que diz respeito a qualidade de vida, competitividade económica e bem-estar social. Constitui, por isso, um bom exemplo.
Ressalvo, no entanto, que o modelo dinamarquês de protecção social não é reproduzível em países pobres e com problemas de finanças públicas, como é o caso de Portugal. Na actual conjuntura e conhecendo os diferentes estádios de desenvolvimento, parece-me obviamente irrealista pensar em subir as prestações sociais para níveis semelhantes aos da Dinamarca. Há ainda todo um trabalho a fazer para sanear as contas públicas, reestruturar o tecido produtivo e elevar a competitividade empresarial. Creio, porém, que é possível um meio-termo, orientando o nosso sistema de segurança social e de regulação do mercado de emprego, já não para a salvaguarda dos postos de trabalho, mas sobretudo para a protecção do indivíduo, a promoção da reintegração profissional e a qualificação do capital humano.
Mas a aplicação da «flexisegurança» dinamarquesa deve ser entendida no contexto europeu, uma vez que não é só Portugal que – mercê dos desafios económicos impostos pela globalização, da passagem de uma sociedade industrial para uma sociedade do conhecimento e do envelhecimento populacional – se debate com problemas de sustentabilidade do seu sistema de segurança social. Dos quatro modelos sociais identificados na Europa (e não um como, vulgar e erradamente, é dito), apenas o nórdico e o anglo-saxónico parecem ser capazes de responder à vertiginosa transformação do mundo. Já os modelos continental e mediterrânico estão, aparentemente, a soçobrar perante as dificuldades do presente, sem que os respectivos governos dêem mostras cabais de querer, ou poder, inverter a situação.
Ora, se a Alemanha, a França ou a Itália, por exemplo, continuarem a manifestar incapacidade para garantir a sustentabilidade dos seus sistemas, então é a própria União Europeia enquanto espaço de bem-estar social e competitividade económica que está em causa. Apesar das políticas sociais tout court fugirem à esfera comunitária, não é curial que os países nórdicos, anglo-saxónicos e até do leste europeu sigam por um caminho e a «velha Europa», como lhe chamou Donald Rumsfeld, enverede por outro.
Não obstante a proverbial resistência da França, a União Europeia deve apontar uma via reformista que possa ser seguida, com inevitáveis e bem-vindas nuances nacionais, pelos vários Estados-membros. Se assim não acontecer, a Europa arrisca-se não só a claudicar no capítulo económico, designadamente perante países emergentes como a China e a Índia, como a deixar de ser uma referência em termos de coesão e justiça social. Não vale de nada aos Estados-membros da UE apregoarem a superioridade moral dos valores europeus – liberdade, democracia, respeito pela dignidade do Homem, protecção social direito ao trabalho… – se, na era da globalização, não tiverem meios para os tornar efectivos para a respectiva população.
Vão-se os anéis e nem sequer ficam os dedos, se o autismo em torno da rigidez do mercado laboral persistir no espaço europeu.