Mário Costa
Presidente do Grupo Select/Vedior
Em meados do século XIX, reagindo contra os malefícios da revolução industrial, numa atitude sobretudo moralista, ainda que estética (ambas não dissociadas), intelectuais como John Ruskin e William Morris recusam o ecletismo e as novas tecnologias, nomeadamente a emergente tecnologia do ferro, aplicados ao campo das artes. Movimentos como o Domestic Revival e o Arts & Crafts dão seguimento a esta inquietação procurando a manualidade na feitura de objectos que os novos meios de produção tornavam banais, postiços e desumanos.
Imediatamente se sentiu o anacronismo desta tentativa, dado que uma proposta que se pretendia abrangente e democrática, depressa se verificou elitista pela impossibilidade do cidadão comum aceder aos seus produtos. Estávamos já perante uma proposta cultural e civilizacionalmente deslocada.
Na mesma linha, mas com uma maior finura na percepção do espírito do seu tempo, Eric Gill, reconhecendo a incompatibilidade entre dois mundos — aquele em que cabem os ‘ofícios' e o mundo industrial — alerta para a urgência da não contaminação entre um e outro e para a necessidade de cada um se manifestar de acordo com as suas regras próprias. Residiu a sua contradição em não conseguir vislumbrar que esta incompatibilidade acabaria por conduzir à destruição do mundo dos ‘ofícios' (por ele considerado “indestrutível”), que relegado para um campo periférico, ausente no plano cultural, manteve presença apenas como elemento de interesse museológico. Tem contudo o mérito de nos apontar a diferença essencial entre estes dois mundos: é que os nossos métodos “são de tal modo que impossibilitam o trabalhador comum de se tornar artista, ou seja, um trabalhador responsável, um homem responsável, não somente por fazer o que lhe dizem, mas igualmente responsável pela qualidade intelectual daquilo que os seus actos produzem (...)”.
Também Antero de Quental afirma com lucidez este dualismo: “As nações modernas estão condenadas a não fazerem poesia, mas ciência. Quem domina já não é a musa heróica da epopeia; é a economia política, Calíope dum mundo novo, se não tão belo, pelo menos mais justo e lógico que o antigo. (...) Qual é, com efeito, o espírito da Idade Moderna? É o espírito de trabalho e de indústria (...)”. O conferencista opta claramente pela justiça.
Não será o fim trágico do poeta que em Coimbra improvisava, “de olhos para o alto, no Largo da Feira, — magnífico fundo! —, junto à escadaria da Sé-Nova” a demonstração mais evidente da desilusão e falência do ‘mundo novo'? Adivinhamos possível que actividades alheadas dum plano existencial imediato possam enformar uma cultura a ponto de se tornarem relevantes como alternativa no âmbito do mercado do trabalho?