Ana Loya
Administradora e directora-geral da Ray Human Capital
Em 1969, o Prof. Laurence Johnston Peter, publicaria um livro com um princípio que viria a ser muito discutido mas que, seguramente, todos já pudemos observar. Ele dizia que “num sistema hierárquico, todo o funcionário tende a ser promovido até ao seu nível de incompetência” , o que viria a ser conhecido como o princípio de Peter. Então o que é que se valoriza para seleccionar e para promover?
Há cerca de 20 anos lembro-me de ter assistido a um seminário sobre recursos humanos onde o palestrante indicava os principais métodos de selecção de pessoal. Algures a meio da lista falava do QI. Como a maior parte de nós éramos de ciências humanas, imediatamente pensamos no quociente de inteligência — passaríamos décadas a ouvir dizer “coeficiente de inteligência”... — mas o que o formador queria dizer sobre QI era “Quem indica”.
Na altura achei que seria obviamente um sinónimo de ‘cunha'. Chocou-me que estivesse a meio da tabela, entre capacidades, experiência e média. O mérito e a ‘cunha' fazem parte da história dos homens. Hoje em dia, os modelos de gestão mais avançados investem claramente nos seus recursos humanos. As empresas para que trabalho pensam assim. Recrutam profissionalmente, desenvolvem as pessoas e remuneram com clareza, tentando, tanto quanto possível, manter a equidade interna e ser competitivas. Algumas são grandes empresas. Outras médias ou pequenas. Muitas multinacionais. Algumas portuguesas. Todos têm presente a importância do activo humano.
As empresas investem com o mesmo objectivo que tinha Taylor: colocar e manter a pessoa certa no lugar. Só que hoje em dia há muito mais variáveis identificadas além das aptidões e das características funcionais: há os interesses, os valores, os projectos, a inteligência emocional, a cultura da empresa, as competências, etc. Tenta-se promover os melhores. É na definição ou operacionalização de “Melhor” que pode haver uma elevada subjectividade e onde as características pessoais do decisor interferem.
O melhor laboratório para se observar a dicotomia entre a promoção por mérito e por QI, poderá ser encontrado nos sistemas públicos e políticos. Os “Melhores” são sempre os que reúnem sobretudo uma síndroma de confiança para quem os escolhe. Às vezes por confiança para com Quem os Indica... Na minha profissão já devo ter entrevistado milhares de quadros. A maior parte deles tem conseguido encontrar eco para as suas capacidades nas empresas por onde têm passado. Outros, ainda não.
Alguns — poucos — tiveram a sorte de ingressar logo numa empresa considerada «benchmark». Ao fim de pouco tempo a empresa percebe que a pessoa está aquém do que se pretende e diz ao colaborador. A pessoa coloca-se de novo no mercado. Como vem de uma boa empresa, outra boa empresa acha uma boa oportunidade admiti-la. E admite! Ao fim de pouco tempo descobre o que já se esperava. E a história repete-se durante mais algumas empresas, até alguém, à laia de “o rei vai nu” conseguir pôr a limpo o erro de «casting» da primeira empresa.
Tal como qualquer português conheço pessoas que ocupam lugares de responsabilidade e que, a olho nu, se percebe que algo ali não enquadra. Talvez esteja ali por mérito e seja o exemplo vivo do princípio de Peter. Talvez esteja ali por cunha. Essa decisão e essa análise cabem a quem decide, sob pena de, a curto prazo, também eles poderem ter ultrapassado o seu nível de incompetência.