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01.01.2000



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A teoria nos Cursos de Comunicação

Autor: Alexandra Figueiredo


A dissociação entre a teoria e a prática é uma realidade grave que afecta os alunos dos cursos de Comunicação Social e Jornalismo.
Assim, existe um abismo imenso entre a teoria dos cursos e o mundo do trabalho.
Os estágios, que deveriam ser uma ponte para o primeiro emprego, acabam por se transformar numa questão espinhosa porque as entidades empregadoras decidem fazer estágios sucessivos não remunerados. Saiba tudo sobre a teoria que invade os cursos de Comunicação Social.

A Explicação do modelo teórico

A educação em Portugal é baseada num modelo institucional e conservador.
Existe uma instrumentalização estrutural das instituições que pode ser explicada sociologicamente. O problema é que esta estrutura é tão rígida que determina a perpetuação do passado mais do que a dinâmica tão necessária para o futuro e evolução.
É claro que tudo isto leva a uma dualidade: Existe uma permanência cultural estável e tranquila e, por outro lado, uma instabilidade determinada pela necessidade do progresso tecnológico.

A tradição académica remonta à Idade Média e, desde esse tempo, que as áreas teóricas têm sido privilegiadas, mesmo com toda a sua predominância especulativa e filosófica.
Parece que ainda hoje se discute "o sexo dos anjos" e o pior é que na maior parte das vezes não se chega a conclusão nenhuma. Claro que se das discussões nascer alguma luz, os benefícios podem apaziguar os efeitos negativos da especulação teórica, mas tem de haver mais que isto.

Neste momento não existe a aversão clerical, da universidade medieval pelas ciências experimentais... mas parece que a herança permaneceu até hoje.
Até mesmo o desenvolvimento tecnológico que a Revolução Industrial impôs teve dificuldade em se implementar, apesar de toda a importância económica que teve.
Por causa disto, algumas sociedades deram origem a uma universidade técnica desligada da tradicional. Mas não foi a maioria.

A permanência da perspectiva teórica e especulativa em detrimento do tecnicismo do sistema educativo, tem empenado a evolução das estruturas curriculares e a adequação às estruturas da sociedade, e tem mesmo condicionado a evolução científica.
É caso para dizer que as redes de comunicação online dominam o mundo mas a universidade parece, em muitos casos, preferir os "museus".
É evidente a necessidade de um re-direccionamento dos cursos de comunicação para diminuir o distanciamento da universidade da realidade dos nossos dias.
Seria ideal se a visão predominantemente voltada para o passado fosse reformulada e se abrisse a porta no sentido da evolução tecnológica.


O Abismo entre a teoria e a prática

É caso para perguntar porquê que a universidade não consegue criar jornalistas como cria médicos ou professores? E porquê é que a prática do jornalismo só se desenvolve nas redacções?
A resposta a estas perguntas reside no facto dos cursos de comunicação e jornalismo serem demasiado teóricos.
Se é certo que nos últimos anos as universidades se muniram de estúdios de rádio e televisão, também é verdade que algumas os alugam a empresas ficando os alunos impossibilitados de usufruir dessas estruturas.

Felizmente nem sempre é assim. Algumas universidades conseguem implementar uma componente prática. No entanto, face à realidade do nosso mercado de emprego, conclui-se que esta não é suficiente.

Para lutar contra o entrave da falta de prática aconselha-se que os estudantes sejam também trabalhadores, na própria área é claro! Não há melhor maneira para desenvolver competências e conhecimentos fulcrais senão ao longo da vida académica. No final do curso, verá que a preparação é muito maior.
A dissociação cognitiva entre teoria e prática tem origem num comportamento passivo ou reactivo dos media e da sociedade.
O abismo entre o saber e o fazer é produto também de uma falta de vontade política.
A forma de ensino é muito virada para a memorização. Muitas vezes decora-se matérias que dali por alguns dias se esquecem porque não foram realmente aprendidas.

É muito mais produtivo aprender menos coisas mas com gosto, do que ser um papagaio e falar-se de matérias que muitas vezes nem se entenderam de facto.
Claro que a falta de prática, não é infelizmente, exclusiva dos cursos de Comunicação Social e Jornalismo, o que deveria ser uma razão acrescida para mudar esta triste e incomodativa realidade.

Além disto, cada vez mais existe a necessidade de um alargamento de competências a cada profissão o que exige a formação de indivíduos com maior capacidade criativa e espírito crítico e inovador.

Existe a necessidade de acompanhar os novos valores que se impõem à sociedade e não é com um ensino, que voluntariamente ou não, cria papagaios, que se consegue alguma coisa. As pessoas têm de saber pensar, decorar não interessa!
Há ainda que ter em atenção a formação dos professores que deverá ser constante, isto porque, se assim não for, estes vão sentir-se impotentes e inferiorizados face a algumas situações relacionadas com as novas tecnologias que os alunos tão bem dominam.



O real e o virtual: ponte entre a universidade e o primeiro emprego

No congresso de jornalistas subordinado ao tema "Jornalismo Real, Jornalismo virtual", a abordagem principal foram as novas tecnologias, mas este tema prestou-se a outras interpretações e muitos jornalistas decidiram falar sobre o abismo entre a teoria dos cursos e a necessidade de prática para entrar no mundo do trabalho, mais precisamente no 1º emprego. Assim, pode chamar-se ao real o mundo do trabalho, e ao virtual o curso universitário.
Algumas citações retiradas do livro Documentos, Teses e Conclusões 3º Congresso dos Jornalistas Portugueses vão fundamentar esta afirmação:

"Ninguém duvida que os alunos de jornalismo que saem das universidades portuguesas hoje em dia estão munidos com ferramentas mais poderosas do que aqueles que se iniciaram na profissão há anos, antes da existência de cursos específicos de comunicação… No entanto a capacidade crítica falta à grande maioria" (Nuno Rocha, Terceiro Congresso dos Jornalistas Portugueses, pág. 64).

Nuno Rocha, o autor desta citação, é jornalista há já trinta anos.
É inevitável pegar-se nas palavras deste jornalista para estabelecer relações entre o curso e o estágio.
Segundo ele, a capacidade crítica falta à maioria dos alunos por falta de contacto com a realidade do seu meio.
A universidade dota o aluno de ferramentas poderosas, quando fornece doses maciças de cultura geral em diversas áreas do conhecimento, contudo o aluno precisa de aprofundar a sua capacidade crítica para saber fazer face às situações reais com as quais se depara ao entrar no mundo do trabalho.
Uma redacção não é uma sala de aula, e por muita vontade que haja da parte dos profissionais em ajudar, o recém licenciado terá de resolver os seus problemas da melhor maneira possível.
Na Universidade somos confrontados com falta de meios, faltam estúdios de rádio e televisão pelas Universidades que proliferam ao longo de todo o país.
Independentemente destes factores, os alunos têm sorte ou azar quando confrontados com o seu primeiro estágio ou com o seu primeiro emprego.
Em alguns casos a adaptação é boa, e se a equipa de profissionais do local de trabalho for receptiva e der apoio ao recém licenciado, tudo correrá bem, mas se isso não acontecer ser-lhe-á muito mais difícil conseguir ultrapassar as dificuldades que traz com ele porque herdou do seu curso.
Nuno Rocha concretiza a ideia de que teoria e prática devem complementar-se num curso superior, que deve realmente existir uma ponte entre o curso e o estágio ou o primeiro emprego:

"Entendemos que o caminho para uma melhor informação passa pela formação universitária, que fornece elementos, como as noções de ética profissional, de direito da comunicação, de ciência política e economia e de tantas outras áreas da vida social, que de outra forma eram impossíveis para o jornalista no dia a dia do seu trabalho conseguir absorver.
Mas que estas noções sejam completadas com a prática diária, para que os formandos adquiram experiência, desenlace e capacidade de resolver as dificuldades na obtenção das notícias." (Nuno Rocha, Ob Cit.)

Entenda-se assim, que a prática é um instrumento fundamental na obtenção do sucesso profissional de um recém licenciado.
É um facto que se sentem lacunas quando se começa a trabalhar, porque são muito poucas as cadeiras em que existe componente prática.
Apesar de tudo, denota-se utilidade nas noções teóricas aprendidas no decorrer do percurso académico, mas para que a ponte entre o mundo académico e o mundo do trabalho seja totalmente real e funcional, há ainda um longo caminho a percorrer, que passa pela reformulação dos cursos de Comunicação Social e Jornalismo e também pela iniciativa de organização de mais congressos, que tanta falta fazem para moverem a classe em busca dos seus ideais mais nobres.
E na linha do mesmo propósito expõem-se alguns conselhos de Nuno Rocha, em jeito conclusivo:

"Entendemos que uma melhor comunicação passará obrigatoriamente por uma forte aposta na preparação dos estudantes universitários, proporcionando-lhes os rudimentos teóricos mas levando-os a raciocinar sem paixões e a praticar e a desenvolver o faro jornalístico" (Nuno Rocha, Ob Cit.)

Veremos se os próximos licenciados em comunicação social e jornalismo vão poder usufruir de um currículo com a mesma riqueza de conteúdo mas mais devoto e motivado ao exercício prático.

 




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