Ana Loya
Administradora e directora-geral da Ray Human Capital
Falar da crise é algo a que nos vamos habituando. Falar da presente crise é ainda estranho, apesar de sabermos que falamos e fazemos crónicas sobre “mortes anunciadas”. Os modelos em que a economia mundial assenta são modelos que, a um comum mortal distante dos meios financeiros, se apresentam como paradigmas virtuais, abstractos e difíceis de compreender. Difíceis porque as transacções que se fazem, não se fazem. Decidem-se, parecem, mas efectivamente não se transaccionam “coisas”.
Porque somos adultos e já longe da fase de pensamento concreto, foi-nos excessivamente fácil habituar ao conceito abstracto de transaccionar “nada” como se fosse “muito”. A História ensina. Estas bolhas rebentam. E começaram a rebentar. O primeiro sinal, com a falência de algo infalível, desconcertou as mentes mais analíticas e conhecedoras do tema. O problema é que a decisão final de como tudo vai decorrer e acabar encontra-se na mão e na decisão dos biliões de anónimos que, quando perceberem que afinal algo se está passar, poderão comportar-se anonimamente de um modo totalmente imprevisível e, qualquer análise será mais reactiva que preventiva. Já não é o efeito borboleta. É outro efeito ainda sem nome. Com adjectivos ligados à globalização mas, claramente, a precisar de nomenclatura própria.
Acresce a isto a variável mais importante e determinante: a componente humana. Ou seja, por muito científica que a Economia possa ser, o comportamento humano é que vai determinar o que acontecerá. E quando desaparece a confiança surge o medo. O medo é um instinto animal que partilhamos com outros seres vivos que, sendo irracionais, são mais previsíveis que nós. A intensidade do medo vai determinar qual a abrangência da crise, qual a sua duração e quais as suas consequências. Na minha opinião, desde 2001 que se avizinhava este momento. Já nessa altura houve despedimentos significativos e muitos vidas desfeitas. Penso que desta vez se passará algo muito semelhante, com desempregados de elevada qualificação e com níveis de custo de vida acima da média.
As implicações sociais e humanas serão de relevo. Para o bem e para o mal, Portugal está na periferia dos grandes acontecimentos nos mercados financeiros. Temos vivido um período de deslocalizações de estruturas de empresas para outros países, ficando, em Portugal, um residual de recursos humanos que, a não ser que as empresas saiam definitivamente de Portugal, não deverão ter grandes alterações.
Quanto ao Sector Financeiro e à banca em particular no nosso país, vamos aguardando. Há desfechos que já conhecemos, embora desconheçamos o timing e há outros que nos vão cair em cima como mosca na sopa. Pessoalmente, parece-me quase seguro que os bancos com uma forte rede de retalho se irão ressentir menos. O mundo está cada vez mais interligado pelo que falar sobre o que se passará em Portugal sem saber o que se passará no resto mundo, são análises tão ocas como as que temos ouvidos ultimamente.
No momento em que se publicarem estes comentários já se saberá quem é o Presidente dos Estados Unidos. Sobre isso, todos temos opinião. As análises são muito cuidadas e revelam grande expertise. Creio que mesmo que muitos portugueses terão chegarão atrasados ou ensonados no dia seguinte aos seus trabalhos, porque assistiram, em directo, pela noite dentro às eleições americanas... quando passarem estas análises voltarão as da crise. Parece que o ideograma chinês para “crise” é o mesmo que para “oportunidade”. Mas a China está tão diferente que é bem possível que seja necessário criar um novo grafismo para identificar aquilo que hoje, insistimos em denominar “crise” e que, afinal, talvez não seja tão transitório.