Arrojadamente pós-moderno
Uma hora de conversa revelou-se curta para
conhecer o percurso de Alexandre Gonçalves. Partiu-se com a nítida
sensação que muito ficou por descobrir, no entanto, os 60
minutos foram suficientes para perceber a pessoa inovadora que Alexandre
Gonçalves é.
Excêntrico nas ideias,
inovador nas atitudes, revolucionário nas acções,
singular nas particularidades, original na maneira de ser, com uma memória
acentuadíssima das experiências que viveu, foi o que o bloco
de notas conseguiu registar.
Alexandre Gonçalves tem 29 anos e é natural de Vilar Formoso.
As raízes de uma infância passada na província são
evidentes e hoje revelam-se no trabalho que desenvolve na Beira Interior
em termos de animação e organização de eventos.
Fez as malas com 13 anos para vir estudar para Lisboa, entrou na faculdade
com 16, rumou a Paris com 19 e quando voltou resolveu desenvolver, na
sua terra natal, um Festival de Artes.
Depois da passagem por três cursos universitários, completou
um: Gestão das Actividades Culturais, mas o título de "animador
cultural" não lhe assenta bem. É mais do que isso.
Dividido entre Lisboa e a Beira Interior, fundou a Hora Zero - Comunicação
que lhe permite colocar em prática as ideias mais originais. Apesar
de se cansar rapidamente das coisas, ele próprio o diz, fôlego
não lhe falta para projectar e organizar eventos que certamente
irão deixar as suas marcas, tal como o seu criador as deixa, aos
privilegiados que o conhecem.
Como é que foi o
seu percurso académico?
Entrei muito jovem para a faculdade, tinha 16 anos. Como faço
anos em Maio, entrei para a escola primária com cinco anos e por
isso acabei por andar sempre um ano adiantado. A minha mãe, como
era professora primária, não me queria deixar ir para o
liceu porque me achava muito novo. Eu fiz um berreiro e a ela teve que
ceder. Ainda sou daqueles que fizeram o exame de quarta classe, que guardo
religiosamente. Depois fiz o percurso normal. Vim com 13 anos para Lisboa
para fazer a antiga Área C de Economia.
Mas Economia não é a área em
que trabalha. Como é que foi lá parar?
Por uma questão de opção pessoal.
E porque Lisboa se vivia no norte do país?
Foi uma opção de vida. Não por minha consciência,
mas por consciência da minha mãe, inteligente diga-se de
passagem, naturalmente com todos os medos de uma mãe que deixa
o filho vir sozinho para a capital.
Veio sozinho?
Sim. Vim viver para um lar de filhos de professores primários.
Como é que foi a chegada a Lisboa?
Como qualquer pessoa que vive no campo, na província, a chegada
a Lisboa é surpreendente e ainda mais para um miúdo de treze
anos como eu era na altura. O primeiro impacto foi extremamente doloroso
porque, de certa forma, sempre fui uma pessoa um pouco protegida pela
família.
No entanto, aquele foi o ano de todos os encantos e vivo apaixonado pela
cidade desde essa altura, apesar dos primeiros meses terem sido muito
complicados.
Depois da experiência em Lisboa ingressa na
Universidade do Minho. Como é que decide voltar a estudar no norte
do país?
A ideia inicial era continuar os estudos em Lisboa, mas como me candidatei
a Relações Internacionais, e a média naquela altura
em Lisboa era altíssima, concorri à Universidade do Minho,
em Braga. Ao mesmo tempo, concorreram a Braga todas as pessoas que pensaram
como eu, e acabei por entrar por uma décima. O difícil foi
perceber depois que entrava à vontade em Lisboa.
Como foi a vida académica em Braga?
Os anos passados na Universidade do Minho foram uma experiência
bonita porque, não só apanhei a universidade num percurso
de crescimento, como a própria cidade encontrava-se numa fase de
transformação. Braga na altura adquiria o rótulo
de cidade da vanguarda nacional, fúria da vida nocturna.
Em termos de ambiente académico a universidade tinha um ambiente
muito bonito. A minha entrada no mundo académico começa
ai, em 1989. Como só terminei uma licenciatura, de Gestão
das Actividades Culturais, em 2001, eu costumo dizer que quando os meus
descendentes me perguntarem o que é que eu fiz na década
de noventa vou responder: andei na universidade.
Apesar da infância ter sido passada no interior
do país houve aquele choque típico de quem chega de Lisboa
para uma cidade menos desenvolvida?
Naturalmente. Na chegada a Braga percebi imediatamente que não
ia gostar nada da cidade, e a minha figura em termos da cidade talvez
tenha sido um pouco arrojada na maneira como eu pensava as coisas.
Em alternativa ao teatro constitucional, que era o teatro universitário
do Minho, criei um teatro que se chamava "Umbigo - Grupo de Teatro
do Minho", com o apoio do reitor. Foi uma experiência muito
engraçada porque o grupo não tinha características
obviamente profissionais, nem sequer tinha capacidade em termos financeiros
ou apoios que nos fossem concedidos para constituir condições
de trabalho para contratar profissionais, mas criou uma dinâmica
muito engraçada em relação à cidade e em relação
à própria vida académica. Nós fazíamos
trabalhos de intervenção, pequenas performances, recitais
de poesia em lugares muito pouco convencionais como os corredores da faculdade
ou no meio dos jardins,
grandes surpresas que impressionavam quem
assistia.
Essas actuações estavam agendadas!?
Sim, sim. Era tudo agendado e com uma programação apresentada
à reitoria que aprovava ou não. Só assim é
que o grupo podia funcionar e manter-se a relação com a
instituição.
O grupo desempenhou um papel muito importante não só dentro
da universidade pública mas também na Universidade Católica,
porque nós ensaiávamos na CAB (Centro Académico de
Braga), que era um espaço que pertencia a essa universidade privada.
Como é que foi a experiência do "Umbigo"?
O "Umbigo" correu muito bem até ao ponto em que eu me
canso. A certa altura alcançamos uma grande dimensão pública
devido, a situações bizarras que desenvolvíamos em
termos de animação nocturna. Hoje tenho a noção
perfeita de que os espectáculos eram extremamente arrojados.
Mas que tipo de espectáculos é que
faziam em termos de animação nocturna?
Trabalhávamos essencialmente com o Pachá de Ofir, uma discoteca
em Esposende. Criávamos festas de grande dimensão em exclusivo
para a casa. Como a discoteca oferecia condições fantásticas
era fascinante trabalhar nela pela sua dimensão, pelo que podíamos
realizar em termos de exteriores, pelos meios técnicos bastante
bons, etc. Eram espectáculos completamente vocacionados para uma
vertente comercial, e era isso que sustinha o grupo em termos financeiros,
dando-nos uma visibilidade bastante grandiosa para aquele meio pequeno
que era Braga.
Era tudo projectado por si?
Era. Havia as colaborações das pessoas que trabalhavam comigo,
mas essencialmente as ideias partiam de mim.
Ainda em termos académicos, não acabou
o curso de Relações Internacionais?
Não. Quando cheguei ao segundo ano de Relações Internacionais,
cansei-me. Depois passei para o curso de Comunicação Social,
mas cansei também no segundo ano. Depois, por questões pessoais
mudei-me para Paris, onde vivi durante um ano.
Que idade tinha na altura?
Tinha 19 anos.
Trabalhou em Paris?
Ia fazendo coisas. Fazia montras, trabalhava em bares, conheci pessoas
engraçadas, trabalhei inclusivamente nos ateliers do Paco Rabanne.
Como é que isso surgiu?
Tive a oportunidade de o conhecer pessoalmente no Pachá de Ofir.
Ele estava a passar férias cá em Portugal e foi por acaso
que nos cruzamos. Quando cheguei a Paris foi uma das pessoas que contactei
e me ajudou.
Viver em Paris durante um ano deve ser uma experiência
enriquecedora.
Paris foi uma passagem. Ao fim ao cabo, em termos de permanência,
representam seis, sete meses da minha vida.
O que é que resolveu fazer a seguir?
No regresso de Paris, em 1994, quando vinha no avião, disse para
mim próprio: voltar a Braga não volto, o que é que
eu vou fazer agora? Vou fazer um festival na minha terra! E foi isso que
fiz. Organizei um festival que se chamou Festival Motivos, em Vilar Formoso
uma freguesia de Almeida.
Em que é que se baseava o festival?
Agarrando no programa das aldeias históricas portuguesas, o festival
pretendia dimensionar a região da Beira Interior. A ideia original
era fazer um festival que se repetisse de dois em dois anos e pudesse
ser flutuante e repartido entre as dez aldeias que faziam parte do programa.
O projecto pretendia ser preenchido por nomes de renome nacional nas mais
variadas artes preformativas.
Quais foram as áreas privilegiadas?
Não houve áreas privilegiadas. O festival teve dança,
teatro, música, ceias mediavais, mostra de cães, de cavalos
lusitanos, pintura, conferências, colóquios
Foi um
projecto demasiado ambicioso e, apesar de ter sido um sucesso em termos
de reconhecimento público, não o foi em termos financeiros.
Isso comprometeu as edições seguintes?
Não houve edições seguintes. O festival morreu no
primeiro ano.
Qual é a sua relação actual
com a Beira Interior?
Tenho um papel activo na comunidade. Apesar de viver e trabalhar essencialmente
em Lisboa, em termos da minha empresa, surgem clientes que são
de lá, da Beira Interior. Trabalho na Guarda, Castelo Branco, Covilhã,
Fundão, Viseu,
Tudo em termos de animação?
Sim, mas não só. Produções comerciais, produção
de eventos. Há marcas que têm reconhecimento internacional
com quem trabalho em exclusivo na Beira Interior. A Peugeut é uma
delas. Trabalho com um dos concessionários maiores do país
em termos da marca Peugeut, que tem oferecido às populações
espectáculos de mérito.
O que é que o motivou a trabalhar lá?
Tem a ver com as raízes, obviamente, mas também porque eu
acho que ser português é um desafio e ser um português
da beira interior é um desafio ainda maior.
Na Beira Interior está tudo por fazer. De alguma forma acho que
o meu trabalho, seja ele qual for, é mais útil lá
do que cá. Posso dar muito mais às pessoas, posso dar muito
mais às coisas e a minha satisfação será sempre
duas vezes maior.
O desafio é esse; produzir mais naquela região, que tem
um potencial bastante grande, e afastarmo-nos da dimensão pequenina
que temos, porque ao nosso lado estão os espanhóis que não
pensam pequenino em nada.
E a Hora Zero - Comunicação como é
que surge?
A Hora Zero surge de uma necessidade pessoal em desenvolver projectos
que me agradam e me satisfaçam. Como trabalho com uma estrutura
reduzida, com uma única pessoa que está sempre ligada a
mim, há uma amplitude bastante grande. Nessa estrutura simplificada
os gastos são reduzidos e a partir daí tu podes ir alargando
as tuas necessidades em função do produto ou do objecto
que tens que tratar. Eu tanto faço coisas para cinco escudos como
para cinco contos. Esse tem sido o meu sistema em termos de Hora Zero.
Mas em termos de experiência profissional
em produção de eventos de dimensões mais abrangentes
onde é que a adquiriu?
Enquanto fiz o curso de Gestão das Actividades Culturais, trabalhei
com uma produtora que se chama o Circulo a Vapor. Com o Circulo a Vapor
fiz a produção da festa de encerramento do Festival Gay
e Lésbico de Lisboa, há 2 anos, e por estratégia
decidi procurar uma bebida que patrocinasse o evento que não fosse
uma bebida tradicional neste meio. Fui procurar Chivas Regal Whisky, que
é uma bebida clássica e por ai podia trazer também
alguma provocação ao evento. A directora de marketing da
Chivas Regal aprovou a ideia e deu o apoio ao evento, isto em 2000.
No ano passado, quando finalizei o meu curso candidatei-me a uma pós-graduação
em Barcelona e, no mesmo dia em que sei que entrei em Barcelona, tenho
um telefonema da directora de marketing da Chivas a convidar-me para dirigir
a produção das acções noite da bebida e a
fazer o trabalho de embaixador da marca.
O que ela me propunha não era um trabalho de relações
públicas na perspectiva de comercial. O meu papel foi transportar
Chivas para os grupos de opinião. Coloca-lo na moda, no teatro,
na música, na dança, nos mais diferentes campos e incutir
às pessoas o hábito de beber whisky velho.
Este ano com a Chivas suponho que o tenha ajudado
e aberto imensos contactos para a Hora Zero?
Eu acho que eu é que dei muitos contactos à Chivas. Como
sempre estive muito ligado à noite, aos espectáculos, aos
artistas, eu é que ofereci isso a eles. Aí não posso
ser modesto. Eu acho que Chivas ganhou comigo.
Com Chivas percebi o que é trabalhar com uma multinacional, ter
a experiência do que é uma relação directa
com um departamento de marketing, muito estruturado, numa perspectiva
muito comercial, onde o que interessa são as vendas. Mas em relação
aos objectivos portugueses, o programa foi seleccionado por mim. Depois
foi transportado para a equipa de marketing que deu a sua aprovação
e depois, ao longo do ano, fomos ajustando pormenores e confirmando objectivos.
É difícil conciliar a Chivas com a
Hora Zero? Os trabalhos não acabam por se misturar?
Hum
não! O convite da Chivas surgiu como uma proposta de
uma ano. Foi cumprido, totalmente cumprido. Eu finalizei a minha ligação
directa com a Chivas em Junho.
A Hora Zero surgiu em Novembro do ano passado exactamente porque eu na
Chevas nunca fui um funcionário, mas sim um fornecedor. A Hora
Zero, como já disse, permite-me fazer uma série de projectos
do mais variado possível. Neste momento estamos a desenvolver um
projecto de promoção para a Culturgest, continuo a manter
a relação com outras empresas na área da produção
de eventos, continuo com a minha relação na beira interior,
que é o que mais gozo me dá.
Projectos futuros?
O mais imediato é continuar a formação académica
fazendo o mestrado. O desejo de fazer o mestrado prende-se com alguma
segurança pois, tendo o mestrado feito, posso continuar a "brincar"
e se um dia me apetecer, mudar-me para o campo e dar aulas ou fazer outra
coisa qualquer. Cuidar das galinhas, dos coelhos ou dos porcos
E isso não o iria cansar?
Não. Eu sou muito cosmopolita, adoro a cidade e adoro as grandes
cidades, mas eu não me importo nada de viver no campo desde que
possa estar numa cidade a qualquer momento e sempre que me apetecer.
AH