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Arrojadamente pós-moderno



01.01.2000



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Arrojadamente pós-moderno

Uma hora de conversa revelou-se curta para conhecer o percurso de Alexandre Gonçalves. Partiu-se com a nítida sensação que muito ficou por descobrir, no entanto, os 60 minutos foram suficientes para perceber a pessoa inovadora que Alexandre Gonçalves é.



Excêntrico nas ideias, inovador nas atitudes, revolucionário nas acções, singular nas particularidades, original na maneira de ser, com uma memória acentuadíssima das experiências que viveu, foi o que o bloco de notas conseguiu registar.
Alexandre Gonçalves tem 29 anos e é natural de Vilar Formoso. As raízes de uma infância passada na província são evidentes e hoje revelam-se no trabalho que desenvolve na Beira Interior em termos de animação e organização de eventos.
Fez as malas com 13 anos para vir estudar para Lisboa, entrou na faculdade com 16, rumou a Paris com 19 e quando voltou resolveu desenvolver, na sua terra natal, um Festival de Artes.
Depois da passagem por três cursos universitários, completou um: Gestão das Actividades Culturais, mas o título de "animador cultural" não lhe assenta bem. É mais do que isso.
Dividido entre Lisboa e a Beira Interior, fundou a Hora Zero - Comunicação que lhe permite colocar em prática as ideias mais originais. Apesar de se cansar rapidamente das coisas, ele próprio o diz, fôlego não lhe falta para projectar e organizar eventos que certamente irão deixar as suas marcas, tal como o seu criador as deixa, aos privilegiados que o conhecem.

Como é que foi o seu percurso académico?
Entrei muito jovem para a faculdade, tinha 16 anos. Como faço anos em Maio, entrei para a escola primária com cinco anos e por isso acabei por andar sempre um ano adiantado. A minha mãe, como era professora primária, não me queria deixar ir para o liceu porque me achava muito novo. Eu fiz um berreiro e a ela teve que ceder. Ainda sou daqueles que fizeram o exame de quarta classe, que guardo religiosamente. Depois fiz o percurso normal. Vim com 13 anos para Lisboa para fazer a antiga Área C de Economia.

Mas Economia não é a área em que trabalha. Como é que foi lá parar?
Por uma questão de opção pessoal.

E porque Lisboa se vivia no norte do país?
Foi uma opção de vida. Não por minha consciência, mas por consciência da minha mãe, inteligente diga-se de passagem, naturalmente com todos os medos de uma mãe que deixa o filho vir sozinho para a capital.

Veio sozinho?
Sim. Vim viver para um lar de filhos de professores primários.

Como é que foi a chegada a Lisboa?
Como qualquer pessoa que vive no campo, na província, a chegada a Lisboa é surpreendente e ainda mais para um miúdo de treze anos como eu era na altura. O primeiro impacto foi extremamente doloroso porque, de certa forma, sempre fui uma pessoa um pouco protegida pela família.
No entanto, aquele foi o ano de todos os encantos e vivo apaixonado pela cidade desde essa altura, apesar dos primeiros meses terem sido muito complicados.

Depois da experiência em Lisboa ingressa na Universidade do Minho. Como é que decide voltar a estudar no norte do país?
A ideia inicial era continuar os estudos em Lisboa, mas como me candidatei a Relações Internacionais, e a média naquela altura em Lisboa era altíssima, concorri à Universidade do Minho, em Braga. Ao mesmo tempo, concorreram a Braga todas as pessoas que pensaram como eu, e acabei por entrar por uma décima. O difícil foi perceber depois que entrava à vontade em Lisboa.

Como foi a vida académica em Braga?
Os anos passados na Universidade do Minho foram uma experiência bonita porque, não só apanhei a universidade num percurso de crescimento, como a própria cidade encontrava-se numa fase de transformação. Braga na altura adquiria o rótulo de cidade da vanguarda nacional, fúria da vida nocturna.
Em termos de ambiente académico a universidade tinha um ambiente muito bonito. A minha entrada no mundo académico começa ai, em 1989. Como só terminei uma licenciatura, de Gestão das Actividades Culturais, em 2001, eu costumo dizer que quando os meus descendentes me perguntarem o que é que eu fiz na década de noventa vou responder: andei na universidade.

Apesar da infância ter sido passada no interior do país houve aquele choque típico de quem chega de Lisboa para uma cidade menos desenvolvida?
Naturalmente. Na chegada a Braga percebi imediatamente que não ia gostar nada da cidade, e a minha figura em termos da cidade talvez tenha sido um pouco arrojada na maneira como eu pensava as coisas.
Em alternativa ao teatro constitucional, que era o teatro universitário do Minho, criei um teatro que se chamava "Umbigo - Grupo de Teatro do Minho", com o apoio do reitor. Foi uma experiência muito engraçada porque o grupo não tinha características obviamente profissionais, nem sequer tinha capacidade em termos financeiros ou apoios que nos fossem concedidos para constituir condições de trabalho para contratar profissionais, mas criou uma dinâmica muito engraçada em relação à cidade e em relação à própria vida académica. Nós fazíamos trabalhos de intervenção, pequenas performances, recitais de poesia em lugares muito pouco convencionais como os corredores da faculdade ou no meio dos jardins, … grandes surpresas que impressionavam quem assistia.

Essas actuações estavam agendadas!?
Sim, sim. Era tudo agendado e com uma programação apresentada à reitoria que aprovava ou não. Só assim é que o grupo podia funcionar e manter-se a relação com a instituição.
O grupo desempenhou um papel muito importante não só dentro da universidade pública mas também na Universidade Católica, porque nós ensaiávamos na CAB (Centro Académico de Braga), que era um espaço que pertencia a essa universidade privada.

Como é que foi a experiência do "Umbigo"?
O "Umbigo" correu muito bem até ao ponto em que eu me canso. A certa altura alcançamos uma grande dimensão pública devido, a situações bizarras que desenvolvíamos em termos de animação nocturna. Hoje tenho a noção perfeita de que os espectáculos eram extremamente arrojados.

Mas que tipo de espectáculos é que faziam em termos de animação nocturna?
Trabalhávamos essencialmente com o Pachá de Ofir, uma discoteca em Esposende. Criávamos festas de grande dimensão em exclusivo para a casa. Como a discoteca oferecia condições fantásticas era fascinante trabalhar nela pela sua dimensão, pelo que podíamos realizar em termos de exteriores, pelos meios técnicos bastante bons, etc. Eram espectáculos completamente vocacionados para uma vertente comercial, e era isso que sustinha o grupo em termos financeiros, dando-nos uma visibilidade bastante grandiosa para aquele meio pequeno que era Braga.

Era tudo projectado por si?
Era. Havia as colaborações das pessoas que trabalhavam comigo, mas essencialmente as ideias partiam de mim.

Ainda em termos académicos, não acabou o curso de Relações Internacionais?
Não. Quando cheguei ao segundo ano de Relações Internacionais, cansei-me. Depois passei para o curso de Comunicação Social, mas cansei também no segundo ano. Depois, por questões pessoais mudei-me para Paris, onde vivi durante um ano.

Que idade tinha na altura?
Tinha 19 anos.

Trabalhou em Paris?
Ia fazendo coisas. Fazia montras, trabalhava em bares, conheci pessoas engraçadas, trabalhei inclusivamente nos ateliers do Paco Rabanne.

Como é que isso surgiu?
Tive a oportunidade de o conhecer pessoalmente no Pachá de Ofir. Ele estava a passar férias cá em Portugal e foi por acaso que nos cruzamos. Quando cheguei a Paris foi uma das pessoas que contactei e me ajudou.

Viver em Paris durante um ano deve ser uma experiência enriquecedora.
Paris foi uma passagem. Ao fim ao cabo, em termos de permanência, representam seis, sete meses da minha vida.

O que é que resolveu fazer a seguir?
No regresso de Paris, em 1994, quando vinha no avião, disse para mim próprio: voltar a Braga não volto, o que é que eu vou fazer agora? Vou fazer um festival na minha terra! E foi isso que fiz. Organizei um festival que se chamou Festival Motivos, em Vilar Formoso uma freguesia de Almeida.

Em que é que se baseava o festival?
Agarrando no programa das aldeias históricas portuguesas, o festival pretendia dimensionar a região da Beira Interior. A ideia original era fazer um festival que se repetisse de dois em dois anos e pudesse ser flutuante e repartido entre as dez aldeias que faziam parte do programa.
O projecto pretendia ser preenchido por nomes de renome nacional nas mais variadas artes preformativas.

Quais foram as áreas privilegiadas?
Não houve áreas privilegiadas. O festival teve dança, teatro, música, ceias mediavais, mostra de cães, de cavalos lusitanos, pintura, conferências, colóquios… Foi um projecto demasiado ambicioso e, apesar de ter sido um sucesso em termos de reconhecimento público, não o foi em termos financeiros.

Isso comprometeu as edições seguintes?
Não houve edições seguintes. O festival morreu no primeiro ano.

Qual é a sua relação actual com a Beira Interior?
Tenho um papel activo na comunidade. Apesar de viver e trabalhar essencialmente em Lisboa, em termos da minha empresa, surgem clientes que são de lá, da Beira Interior. Trabalho na Guarda, Castelo Branco, Covilhã, Fundão, Viseu, …

Tudo em termos de animação?
Sim, mas não só. Produções comerciais, produção de eventos. Há marcas que têm reconhecimento internacional com quem trabalho em exclusivo na Beira Interior. A Peugeut é uma delas. Trabalho com um dos concessionários maiores do país em termos da marca Peugeut, que tem oferecido às populações espectáculos de mérito.

O que é que o motivou a trabalhar lá?
Tem a ver com as raízes, obviamente, mas também porque eu acho que ser português é um desafio e ser um português da beira interior é um desafio ainda maior.
Na Beira Interior está tudo por fazer. De alguma forma acho que o meu trabalho, seja ele qual for, é mais útil lá do que cá. Posso dar muito mais às pessoas, posso dar muito mais às coisas e a minha satisfação será sempre duas vezes maior.
O desafio é esse; produzir mais naquela região, que tem um potencial bastante grande, e afastarmo-nos da dimensão pequenina que temos, porque ao nosso lado estão os espanhóis que não pensam pequenino em nada.

E a Hora Zero - Comunicação como é que surge?
A Hora Zero surge de uma necessidade pessoal em desenvolver projectos que me agradam e me satisfaçam. Como trabalho com uma estrutura reduzida, com uma única pessoa que está sempre ligada a mim, há uma amplitude bastante grande. Nessa estrutura simplificada os gastos são reduzidos e a partir daí tu podes ir alargando as tuas necessidades em função do produto ou do objecto que tens que tratar. Eu tanto faço coisas para cinco escudos como para cinco contos. Esse tem sido o meu sistema em termos de Hora Zero.

Mas em termos de experiência profissional em produção de eventos de dimensões mais abrangentes onde é que a adquiriu?
Enquanto fiz o curso de Gestão das Actividades Culturais, trabalhei com uma produtora que se chama o Circulo a Vapor. Com o Circulo a Vapor fiz a produção da festa de encerramento do Festival Gay e Lésbico de Lisboa, há 2 anos, e por estratégia decidi procurar uma bebida que patrocinasse o evento que não fosse uma bebida tradicional neste meio. Fui procurar Chivas Regal Whisky, que é uma bebida clássica e por ai podia trazer também alguma provocação ao evento. A directora de marketing da Chivas Regal aprovou a ideia e deu o apoio ao evento, isto em 2000.
No ano passado, quando finalizei o meu curso candidatei-me a uma pós-graduação em Barcelona e, no mesmo dia em que sei que entrei em Barcelona, tenho um telefonema da directora de marketing da Chivas a convidar-me para dirigir a produção das acções noite da bebida e a fazer o trabalho de embaixador da marca.
O que ela me propunha não era um trabalho de relações públicas na perspectiva de comercial. O meu papel foi transportar Chivas para os grupos de opinião. Coloca-lo na moda, no teatro, na música, na dança, nos mais diferentes campos e incutir às pessoas o hábito de beber whisky velho.

Este ano com a Chivas suponho que o tenha ajudado e aberto imensos contactos para a Hora Zero?
Eu acho que eu é que dei muitos contactos à Chivas. Como sempre estive muito ligado à noite, aos espectáculos, aos artistas, eu é que ofereci isso a eles. Aí não posso ser modesto. Eu acho que Chivas ganhou comigo.
Com Chivas percebi o que é trabalhar com uma multinacional, ter a experiência do que é uma relação directa com um departamento de marketing, muito estruturado, numa perspectiva muito comercial, onde o que interessa são as vendas. Mas em relação aos objectivos portugueses, o programa foi seleccionado por mim. Depois foi transportado para a equipa de marketing que deu a sua aprovação e depois, ao longo do ano, fomos ajustando pormenores e confirmando objectivos.

É difícil conciliar a Chivas com a Hora Zero? Os trabalhos não acabam por se misturar?
Hum… não! O convite da Chivas surgiu como uma proposta de uma ano. Foi cumprido, totalmente cumprido. Eu finalizei a minha ligação directa com a Chivas em Junho.
A Hora Zero surgiu em Novembro do ano passado exactamente porque eu na Chevas nunca fui um funcionário, mas sim um fornecedor. A Hora Zero, como já disse, permite-me fazer uma série de projectos do mais variado possível. Neste momento estamos a desenvolver um projecto de promoção para a Culturgest, continuo a manter a relação com outras empresas na área da produção de eventos, continuo com a minha relação na beira interior, que é o que mais gozo me dá.

Projectos futuros?
O mais imediato é continuar a formação académica fazendo o mestrado. O desejo de fazer o mestrado prende-se com alguma segurança pois, tendo o mestrado feito, posso continuar a "brincar" e se um dia me apetecer, mudar-me para o campo e dar aulas ou fazer outra coisa qualquer. Cuidar das galinhas, dos coelhos ou dos porcos…

E isso não o iria cansar?
Não. Eu sou muito cosmopolita, adoro a cidade e adoro as grandes cidades, mas eu não me importo nada de viver no campo desde que possa estar numa cidade a qualquer momento e sempre que me apetecer.



AH






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