A Ética na Responsabilidade Social
(04-12-2006)
Carla Marisa Magalhães *
ebcarla@fgv.br
Como já foi referido anteriormente, a RS deve começar fora das organizações, a partir dos indivíduos que, conjuntamente, formam as sociedades, em geral, e as organizações, em particular. Neste âmbito, devemos começar por considerar a importância de se “educarem” as mentes humanas, no sentido de se desenvolver uma consciência ética. Mas o que é a Ética? Partindo de um definição generalista, a Ética (palavra originária directamente do latim ethica , e indirectamente do grego, ethiké ) é um ramo da filosofia , e um sub-ramo da axiologia , que estuda a natureza do que consideramos adequado e moralmente correcto.
E porque será importante partir de uma definição de Ética? Com efeito, apenas se os indivíduos actuarem de forma ética no seu dia-a-dia é que as organizações podem operar eticamente, pois estas são compostas por pessoas e são os valores dessas pessoas que formam a cultura organizacional e que, portanto, ditam a actuação ética (ou não) das organizações.
Neste âmbito, é do maior interesse que a Ética se propague por toda a sociedade, o que pode ser facilitado pela introdução dessa disciplina nos programas educativos nacionais (desde o ensino básico ao universitário) e por campanhas de educação e de consciencialização públicas.
Mas, para esses procedimentos serem bem sucedidos, é necessário tratar este tema com a sensibilidade que ele requer e, para isso, temos que reflectir sobre as seguintes questões: O que é agir de forma ética? Será que a Ética é universal e objectiva? Na verdade, se muitas vezes os actos éticos não deixam dúvidas, noutras situações as subjectividades decorrentes das vivências pessoais e das diferenças culturais levantam questões de ordem moral. No entanto, é um bom princípio partir do pressuposto de que tudo o que está dentro dos padrões morais globais e não interfere com o bem-estar comum é ético.
Não podemos, ainda, esquecer que a Ética é muitas vezes reduzida ao cumprimento da lei, mesmo que nem sempre a lei seja ética (a escravatura já foi legal, por exemplo). No entanto, se não queremos ser demasiado reducionistas em relação às questões éticas, temos que nos questionar sobre o seguinte: Até que ponto alguém que age em função dos seus interesses e em detrimento dos interesses gerais está a agir eticamente, mesmo quando existe uma “desculpa” para o fazer? Tomemos como exemplo alguém que rouba para não deixar a família passar fome. Aos olhos da sociedade, essa pessoa pode não ser considerada antiética, mas na verdade não deixa de o ser, pois roubar, não é ético, seja em que circunstância for.
E imaginemos agora uma pessoa que trabalha numa empresa e descobre uma “falcatrua”, mas sabe que se denunciar essa descoberta perde o emprego. Será que se optar pelo silêncio está a ser ética, mesmo não tendo tido interferência directa com a ocorrência em questão?
E quando a Ética choca com a lei? Isto é, como deve agir um advogado quando o sigilo profissional ao qual está obrigado o impede de colocar um criminoso atrás das grades? Esse advogado deverá ser ético para com o seu cliente ou para com a sociedade e a justiça de um modo geral?
Enfim, todas estas questões interessam para termos consciência de que muitas vezes as decisões éticas são difíceis de tomar, mas se nos regermos pelo que é certo e pelo que é errado e acrescentarmos a esse raciocínio a ideia de que o bem-estar comum (essencialmente dos “inocentes”) deve prevalecer, certamente que as nossas decisões éticas serão facilitadas ao longo do dia-a-dia.
Contudo, não é intenção deste artigo julgar esses comportamentos (até porque muitos deles fundamentam-se na justiça e não apenas em interesses particulares), mas tão-somente fazer uma analogia entre eles e os comportamentos que os cidadãos esperam por parte das organizações, ou seja, não podemos esperar que as organizações ajam de forma ética, se nós próprios não o fizermos.
Com efeito, se a Ética, por vezes, pressupõe “sacrifícios” por parte dos indivíduos, o mesmo acontece no que diz respeito à Ética por parte das organizações. Vejamos como exemplo disso uma empresa que atravessa dificuldades financeiras e que vê na realização de um negócio fraudulento uma saída para essa situação, mas que mesmo assim opta por não ir em frente com esse negócio, agindo de acordo com os seus princípios éticos.
É claro que neste caso podem surgir argumentos que contestem essa decisão, caso a empresa vá à falência e tenha que despedir todos os seus colaboradores, os quais a podem acusar de não ter existido uma certa “ética” para com eles. E aqui já refiro a palavra certa , pois muitas vezes a Ética assume padrões subjectivos, de acordo com a conveniência e a consciência de cada indivíduo. Contudo, interpretações mais subjectivas acerca desta questão não nos podem fazer esquecer que em hipótese alguma um negócio fraudulento pode ser considerado ético e é nesse ponto de vista que devemos concentrar a nossa análise.
Mas, porque será esta questão tão importante?
Em primeiro lugar, porque sem ética individual não existe ética organizacional e, em segundo lugar, porque sem ética organizacional não existe Responsabilidade Social. Ou seja, uma organização pode praticar certas actividades consideradas socialmente responsáveis, mas se não tiver uma conduta ética na forma como dirige o seu negócio, não pode reivindicar essa RS. Do mesmo modo, a Ética é necessária mas não suficiente para a RS, isto é, ser socialmente responsável não é apenas ser ético, mas ir também para além disso. Caso contrário, corremos o risco de conferir à RS um âmbito mais reduzido e de lhe retirar o seu carácter original e voluntário, carácter esse que lhe atribui a grandiosidade e a “beleza” que o conceito possui!
*Carla Marisa Magalhães é pesquisadora na área da Responsabilidade Social e doutoranda em Ciências Empresariais, na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, em parceria com a Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro.