António Câmara
Sempre ligado à docência na Faculdade
de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, António
Câmara conseguiu construir um currículo impar. Deu aulas
nos Estados Unidos, esteve ligado ao estudo de impacto ambiental do Alqueva,
à reconversão ambiental da Expo´98 e ao Sistema Nacional
de Informação Geográfica. Criou a Y-Dreams apesar
de não se ver como empresário e de inicialmente odiar telemóveis
e diz mesmo que nada do que sonhou tem a ver com o que faz hoje porque
o seu grande sonho era ser tenista.
Como é que surgiu
a Y-Dreams?
Esta empresa resulta de dez anos de
investigação em multimédia, realidade virtual e computação
móvel no seio da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade
Nova de Lisboa. Ao fim desses dez anos muitas das pessoas do grupo foram
convidadas para irem para empresas em Silicon Valley e para universidades
americanas. Eu fui como professor visitante para o American Research Institute
of Technology durante 98/99. Nesse ano cheguei à conclusão
que em muitas áreas, daquelas que eu citei, tínhamos vantagens
comparativas e na altura eu pensei desenvolver um laboratório de
investigação que rivalizasse com a Medialab. Quando cheguei
a Portugal verifiquei que a melhor alternativa era criar uma empresa no
seio da universidade. Isto foi em Junho de 2000. Nós iniciámos
as operações nessa altura e dois anos depois estamos, de
facto, muito satisfeitos com a opção tomada.
O que é que esta empresa traz de novo ao
mercado das novas tecnologias?
Nós temos três áreas totalmente novas a nível
mundial. A primeira é que nós percebemos que através
do telemóvel as pessoas podem ter uma relação com
o espaço exterior muito mais próxima e isso significa que
os tradicionais sistemas de informação geográfica,
que são baseados em mapas da cidade, podem ser substituídos
por mapas muito mais refinados, e assim criámos um novo conceito
a que chamámos microgeografia em que, por exemplo, um livro numa
prateleira de uma biblioteca pode ser georreferenciado. Estamos a estabelecer
relações a nível mundial com operadores de supermercados,
com as pessoas que estão a criar os novos códigos de barras
que vão ser baseados em rádio para trazer toda essa nova
abordagem para os utilizadores de telemóvel, de forma que uma pessoa
quando está num centro comercial sabe onde é que deixou
o carro, sabe onde é que está a loja que pretende e dentro
da loja sabe onde está o produto que pretende. Isso vai demorar
algum tempo a posicionar-se no mercado mas vai ser uma revolução.
A segunda área que nós desenvolvemos, mesmo antes dos telemóveis
terem imagem, primeiro com o WAP, mas sobretudo com o Multimedia Messaging
Service, foi a de criar ferramentas para processamento de imagem já
há dois anos que permitem, por exemplo, visualizar os golos de
futebol em telemóveis, ver as imagens do trânsito, ver imagens
relacionadas com câmaras de segurança. Novamente criámos
uma série de ligações a nível internacional
que nos permitem ver o futuro com alguma esperança.
Finalmente, nós percebemos que o telemóvel é a primeira
ferramenta de interface para algo a que todos nós pertencemos,
que são as comunidades. Cada pessoa tem o seu clube, tem um partido,
tem uma igreja, tem um grupo de amigos, etc. Portanto está inserido
num conjunto de comunidades e nós achamos que o telemóvel
vai ser a principal interface da pessoa dessas comunidades. Tem os números
à mão, tem os menus à mão, tem tudo o que
precisa e o que nós fizemos foi começar a criar esse conceito,
de telemóveis para as comunidades. E os telemóveis abrem-se
e têm um conjunto de menus que representam as diferentes comunidades
a que a pessoa pertence. São estes três conceitos: microgeografia,
imagens em telemóveis e telemóveis para as comunidades que
são as nossas principais vantagens comparativas.
Dentro desta empresa qual é o seu papel?
Eu sou essencialmente o director geral e o meu papel passa por ser o rosto
da empresa. Tenho tido um papel preponderante a definir a visão
da empresa e fundamentalmente a recrutar pessoas melhores do que eu.
Mas a ideia também partiu de si, não
foi?
A ideia partiu de mim mas a melhor coisa que eu tenho feito é recrutar
pessoas melhores do que eu.
Como é que consegue conjugar esta empresa
com a docência?
Desde que vim dos Estados Unidos que tenho comunicado muito com o director
da faculdade e fiz um acordo para que no campo da faculdade e fora das
horas de período de docente criasse uma empresa. Eu, embora trabalhe
com muita dedicação para a empresa, sigo essencialmente
a minha carreira de professor universitário e o que a localização
da empresa me permite é, facilmente e sem grande perda de tempo,
acompanhar as duas actividades. A empresa está a 50 metros do meu
gabinete da universidade. E isso é uma vantagem enorme. Além
disso há vários outros pontos fundamentais. Um deles é
que a empresa aproveita a investigação que se faz na universidade
e comercializa-a. A empresa emprega estudantes da faculdade, oferece estágios,
há um intercâmbio enorme e além disso a empresa compra
serviços à faculdade. Por outro lado a empresa está
ajudar a universidade a criar uma biblioteca digital impar para Portugal.
E como é que começou a sua carreira
profissional?
É muito curioso porque eu era estudante de engenharia civil do
Instituto Superior Técnico e jogava ténis na selecção
de juniores de Portugal. No quarto ano do Técnico decidi abandonar
os estudos e dedicar-me a uma carreira profissional de ténis. Aconteceu
que num programa de preparação física tive uma lesão
grave que acabou com a minha carreira de tenista aos 21 anos e me fez
voltar aos estudos. Formei-me em engenharia civil mas a minha experiência
no circuito internacional abriu-me os olhos para oportunidades em universidades
americanas tendo ir estudar para os Estados Unidos assim que acabei o
curso. Doutorei-me na Virgínia Tec mas continuei ligado ao ténis
sendo treinador adjunto da equipa de ténis da universidade. Depois
de me doutorar voltei para Portugal para professor da Universidade Nova
de Lisboa mas penso que a experiência no ténis foi muito
mais importante que a experiência na escola tradicional porque me
permitiu ter uma visão global há 30 anos. Adquirem-se outros
padrões de qualidade para atingir a liderança a nível
mundial.
Desde que veio dos Estados Unidos ficou na Universidade
Nova.
Eu trabalhei sempre na Universidade Nova mas mantive-me ligado a projectos
no exterior. Estive ligado ao estudo de impacto ambiental do Alqueva,
estive ligado ao projecto do Tejo e mais recentemente estive ligado a
dois projectos importantes. Um foi a reconversão ambiental da Expo´98
e outro que foi o Sistema Nacional de Informação Geográfica.
Neste percurso passei várias temporadas nos Estados Unidos, nomeadamente
em 88/89 onde fui professor visitante na Universidade de Cornell e em
98/99 onde fui professor visitante no M.I.T.
Trabalha naquilo com que sempre sonhou?
Não. Eu era o pior estudante de desenho do meu liceu e, provavelmente,
um dos piores do Técnico. Eu odiava telemóveis porque considerava-os
uma invasão à privacidade total e hoje em dia não
consigo viver sem telemóveis. Tudo aquilo que eu planeava não
tem rigorosamente nada a ver com o que aconteceu. Eu via-me sempre como
um professor universitário e não como empresário
e acabei por fundar uma empresa e, curiosamente, via-me muito mais a viver
nos Estados Unidos e acabei por viver em Portugal.
Qual considera ter sido o seu maior desafio profissional?
Tive vários, mas acho que aquele em que tive mais pressão
durante um tempo foi o de ser consultor para o ambiente da Expo'98. Esse
foi um enorme desafio. Outro desafio que eu me orgulho de ter foi o de
ter estado inserido no Sistema Nacional de Informação Geográfica.
Foi a primeira infraestrutura de informação geográfica
do mundo a estar na Internet em 95 e uma avaliação recente
colocou-a a par dos Estados Unidos, do Canadá e da Austrália.
Passámos a ser um exemplo para todo o mundo. Ganhámos uma
vantagem tecnológica comparativa a nível mundial que estamos
agora a aproveitar comercialmente. Hoje competimos com qualquer empresa
de qualquer parte do mundo.
Sente que chegou ao topo da sua carreira?
A nível académico cheguei a um patamar confortável.
Mas uma das razões porque criei a empresa foi justamente a de procurar
um novo desafio.
SW