Há 582 filiais francesas a funcionar em território nacional e muitas delas precisam, cada vez mais, de comunicadores que dominem a sua língua materna. Líder em sectores como a informação e comunicação, transportes e logística, construção, imobiliário, indústria e comércio, a França assume-se como a segunda presença mais importante em Portugal, a seguir a Espanha, em número de empresas, postos de trabalho criados (61.598) e volume de negócios gerado, segundo o estudo “Marca Portugal: O contributo das empresas portuguesas”, apresentado em março na 5ª Conferência Franco-Portuguesa. Somando a entrada no país de franceses sob o estatuto de residentes não-habituais ou em turismo (no ano passado, registaram-se mais de 1,2 milhões de dormidas só em Lisboa) o protagonismo da língua de Sartre — ou do economista Thomas Piketty, neste caso — aumenta de volume.
Apesar de a ferramenta de comunicação oficial de muitas multinacionais ser o inglês, a necessidade, em diferentes áreas, de trabalhadores que dominem o idioma francês levou à criação do grupo “Le Français, Une Langue d’Opportunités” [O francês, uma língua de oportunidades], que disponibiliza aulas gratuitas aos alunos de quatro instituições do ensino superior, financiadas pelas empresas Altran, BNP Paribas, Renault, Cetelem, Pernod Ricard, Chronopost, Cofidis, Lauak, Eurogroup Consulting e Transdev. “Algumas organizações perceberam que não havia candidatos suficientes a dominar a língua e quiseram conferir essa competência a alunos de gestão ou de engenharia”, explica Francis Maizières, diretor da Alliance Française (AL) em Portugal, a entidade que conduz estas formações.
Em paralelo, nos últimos cinco anos, o número total de alunos da instituição aumentou 20%, sendo hoje o meio empresarial o seu principal público. “Portugal é um país bastante especial neste tópico, porque cada vez mais empresas procuram-nos para formação. Hoje, a Alliance Française de Lisboa é provavelmente a única do mundo que tem mais alunos de francês a aprender dentro das empresas do que aqui [na sede]”, retrata o responsável. Entre as áreas da banca, farmacêutica, aeronáutica, da grande distribuição, do imobiliário, turismo, saúde, telecomunicações e obras públicas, 100 empresas portuguesas e francesas formam o leque de clientes da AL.
Mas também entre particulares parece existir uma mudança de direção. Se há três anos “muitas pessoas da área médica queriam aprender francês técnico com o fim de emigrar para França, Suíça, Luxemburgo ou Quebeque [Canadá]”, hoje sente-se que “esse movimento já terminou”. Mas o emprego é sempre o grande foco. “Já não é como dantes, em que as pessoas procuravam aprender francês para ler [os originais de] Proust; é preciso viver-se de acordo com a época”, analisa Francis Maizières, retratando o quadro atual: “Quem investe hoje em formação são pessoas entre os 20 e os 40 anos, que procuram trabalho ou que estão empregadas mas pretendem melhorar a sua posição”, cientes de que “há uma sociedade francesa que chega a Portugal e uma sociedade portuguesa que trabalha com um público francófono”.
Da banca ao queijo
Apesar do entusiasmo em relação ao alemão, espanhol e até ao mandarim, o francês continua a ser a segunda língua estrangeira mais falada no país e é vista como uma mais-valia por muitas multinacionais a operar a partir de solo português. Como explica Maria João Gouveia, diretora de Recursos Humanos do banco BNP Paribas em Portugal, “a interação com mercados como a França e países francófonos como a Bélgica e o Luxemburgo requer um domínio da língua que assegure a proximidade aos clientes”. Dezenas de vagas em que a língua francesa é um requisito obrigatório ou preferencial estão listadas na página da empresa. Aliás, “perfis que dominem o francês são continuamente procurados pelo BNP Paribas”, assegura a responsável. Se “é relativamente fácil encontrar”candidatos com esta competência em Portugal, torna-se “mais complicado recrutar pessoas que dominem a língua de forma nativa ou bilingue”, reconhece Maria João Gouveia, justificando a participação no grupo “Le Français, Une Langue d’Opportunités” com uma das maiores parcelas de financiamento (este ano, o orçamento é de €3 mil).
Célia Reis, presidente da Altran, admite que possam ser criados 250 postos de trabalho este ano pela empresa de consultoria de inovação e tecnológica. “40% devem ser fluentes em francês. As funções relacionam-se com engenharia de software, telecomunicações, analítica complexa e projetos na indústria farmacêutica. O único constrangimento atual deve-se à indisponibilidade de recursos em áreas de profundo crescimento.” Noutra vertente de negócio, a Teleperformance, ligada à internet e ao telefone a partir de Portugal desde o ano 2000, define a língua francesa como um “requisito para a contratação de pessoas nos projetos em que sejam trabalhados mercados francófonos”, informa o presidente, João Cardoso. Dos aproximadamente 8000 trabalhadores que falam 29 línguas na multinacional, 12% dominam o francês, sendo que a empresa está, neste momento, a recrutar pessoas com esta competência para funções de representação de atendimento ao cliente, gestão ou análise de qualidade. E a previsão é de que “a equipa em Portugal continue a crescer”, avança o responsável.
Inclusive na ótica do produto, que no caso da Bel são os laticínios (em Portugal, o grupo detém a Terra Nostra), “o francês é uma mais-valia” sobretudo nas equipas da área industrial e da exportação, já que França é o destino europeu mais relevante a partir do canal nacional, refere a diretora de Recursos Humanos, Emília Roseiro. Atualmente, cerca de 10 a 15% dos colaboradores da organização falam francês, “competência adquirida seja através da sua educação seja através de relações com familiares emigrados em França”. Até 2018, a Bel prevê investir 10 milhões de euros em Portugal.
O caso do turismo
O público francês, que tem em Portugal o seu terceiro destino turístico mais forte, foi dos que mais cresceram em 2016 “Nous parlons français.” A par da imagem da bandeira francesa, o aviso surge com frequência nas janelas de cafés e restaurantes do Algarve, Lisboa e Porto, onde o turismo tem somado recordes todos os anos com a ajuda do público francês, que elegeu Portugal como o seu terceiro destino turístico favorito. Em 2016, a nacionalidade marcou 10,6% das dormidas (que cresceram 18% relativamente ao ano anterior) e 18% das receitas em hotelaria, “sendo o mais importante mercado emissor ao nível das receitas”, qualifica Raul Martins, presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP).
À boleia deste crescimento, nos cafés, aumenta a necessidade de recursos humanos que saibam comunicar na língua oficial daquele país, “procura essa que nem sempre é fácil de colmatar”, segundo o mesmo responsável. Para ajudar a contrabalançar a carência, este mês arranca uma “formação em línguas, inclusive francês, aos colaboradores das unidades hoteleiras associadas [da AHP], no âmbito do programa Melhor Hotelaria 2020”, que visa promover a competitividade dos hotéis portugueses.