O Instituto Pedro Nunes (IPN) vai coordenar, a partir de Coimbra, um projeto europeu de aceleração empresarial para 150 startups europeias que encontrem no Espaço novas oportunidades de negócio, o Astropreneurs. Para Carlos Cerqueira, diretor de inovação do IPN, a escolha de Portugal para coordenar este projeto é o espelho da crescente dinâmica que a indústria do Espaço tem vindo a registar em Portugal, e do cada vez maior reconhecimento que os empresários e empreendedores portugueses têm alcançado em patamares internacionais. O negócio de gigantes nacionais do sector como a Critical Software, Active Space Technologies ou TEKEVER está a crescer e novas startups estão a surgir no mercado. As contas dos principais operadores nacionais do sector apontam para que a indústria aeroespacial empregue em Portugal cerca de 19 mil profissionais altamente qualificados. Podiam ser mais, mas é difícil contratar, garantem os empresários.
O Astropreneurs tem um orçamento de €2 milhões, financiados pela Comissão Europeia, através do Programa Horizonte 2020, para alavancar novas ideias de negócio direcionadas ao mercado aeroespacial, ou novos projetos que incorporem tecnologia do Espaço em aplicações terrestres. Portugal, atrávés do IPN, liderará um consórcio europeu que envolve parceiros da Áustria, Bélgica, Espanha, França, Reino Unido e República Checa. “O programa garantirá o acesso a formação intensiva a cerca de 500 empreendedores, apoiando-os na aceleração dos seus projetos e na captação de financiamento público e privado, visando uma rápida entrada e consolidação no mercado”, explica Carlos Cerqueira acrescentando que se trata de “ajudar a transformar ideias promissoras em negócios viáveis”.
E esse tem sido o caminho percorrido por Portugal no que à indústria aeroespacial diz respeito. “O Espaço é cada vez mais uma fonte de crescimento económico e de inovação nacional”, garante o diretor de inovação do IPN, que tem vindo a apoiar a evolução desta indústria em Portugal nos últimos anos. De um cenário como o de há 15/20 anos, em que os jovens que se licenciavam na área das engenharias aeroespaciais, tinham como destino de trabalho quase obrigatório os mercados internacionais, chegámos hoje a um panorama nacional onde se somam os casos de sucesso de empresas que a partir de Portugal têm como clientes a NASA ou a Agência Espacial Europeia.
Contratações difíceis
As contas realizadas há dois anos pelo cluster nacional Aeronáutica, Espaço e Defesa (AED Portugal), falavam em 18.500 profissionais alocados a este sector. A esmagadora maioria (64%) desenvolvia atividade na área da indústria, 32% operavam na área das tecnologias e sistemas aplicados ao sector e 4% estavam em universidades e centros de investigação. O tecido empresarial nacional somava 68 empresas, com um índice de exportação de 87%. João Romana, diretor-geral da AED Portugal, admite que o número de profissionais deverá ser hoje diferente, fruto da dinâmica que esta indústria registou em nos últimos anos. Uma ronda aos às principais empresas e parceiros nacionais do sector, permite elevar as estimativas de empregabilidade para os19 mil profissionais em Portugal.
Só a Critical Software, um dos grandes gigantes da indústria do espaço a operar no país, recrutou em 2017, 150 engenheiros altamente qualificados e tem agora 200 novas vagas para preencher. O sector aeroespacial nacional, garante, Gonçalo Quadros, diretor-executivo da empresa, tem condições e necessidade para empregar muito mais, mas “é difícil contratar perfis altamente qualificados e com experiência numa área tão específica como esta”.
O crescimento exponencial do mercado, a incapacidade do sistema de ensino superior nacional dar uma resposta em número adequada às necessidades das empresas (e à velocidade a que o negócio exige) e a concorrência das empresas internacionais, estão na base das dificuldades de contratação. “Portugal já não é visto como um país de engenharia barata e sim como um fornecedor de engenharia de qualidade e há muita concorrência internacional pelos nossos profissionais nesta área”, explica. A Critical que tem apostado na requalificação de engenheiros de outras áreas. Mais de 100 das contratações dos últimos anos são casos de reconversão profissional.
Na Active Space Technologies, Ricardo Patrício, o CEO, confirma a dificuldade. A empresa tem uma dimensão menor do que a Critical, empregando 54 pessoas. Nos últimos três anos duplicou a sua equipa, mas com dificuldade na captação de perfis qualificados. “É quase impossível conseguir profissionais experientes nesta área”, explica. A empresa conseguiu captar alguns profissionais que trabalhavam em firmas concorrentes no estrangeiro e tal como a Critical Software, apostou em contratar em áreas marginais à engenharia aeroespacial, como o sector nuclear ou aeronáutico, requalificando-os. “A questão dos recursos humanos é crítica e será determinante para o crescimento desta indústria no futuro”, reconhece.
Nos últimos anos o contexto do sector mudou, com grande impacto na criação de postos de trabalho. “Durante muito tempo, a indústria espacial foi mais vocacionada para objetivos estratégicos relacionados com a ciência e a exploração do Espaço, mas tem vindo agora a atrair cada vez mais a atenção de outros atores”, realça Carlos Cerqueira. A “economia do Espaço” tornou-se um sector com impacto real, trazendo inovações disruptivas e muitas novas oportunidades de negócio, sobretudo quando aplicadas outros negócios terrestres da economia. E tem sido este também um dos grandes motores da dinamização da indústria aeroespacial em Portugal e da criação de criação de emprego na área.
Inúmeras startups que aplicam tecnologias do espaço a negócios terrestres têm vindo a surgir, contribuindo para criar emprego (ver caixa). E mais poderão surgir através de programas de incubação como o Astropreneurs ou incubadoras como a ESA BIC Portugal. Na AED Portugal, a visão é de que o cluster nacional da Aeronáutica, Espaço e Defesa vai crescer muito nos próximos anos e colocar grandes desafios no campo do recrutamento e da criação de emprego. “As encomendas previstas permitem antever uma duplicação do parque aeronáutico em 10/15 anos e um crescimento do mercado na ordem dos 10% a cada ano, obrigando a um aumento da capacidade produtiva e, consequentemente, maior necessidade de profissionais”, refere João Romana. O diretor-geral da AED Portugal revela que nos próximos dois anos a perspetiva é para um aumento na ordem dos 1600 postos de trabalho e acrescenta que as necessidades de formação, não só de engenheiros e perfis técnicos, mas também de pilotos (“serão necessários 70 mil novos pilotos nos próximos anos”), estarão ao rubro.
No cenário aeronáutico e aeroespacial nacional não ficam, naturalmente, de fora, a Embraer e as OGMA. Nas últimas quase duas décadas, a Embraer investiu em Portugal mais de €300 milhões e criou 2200 empregos. Em conjunto com as OGMA regista exportações anuais de mais de €300 milhões. E o país dá também cartas na certificação de qualidade aplicada ao sector aeroespacial. O Grupo ISQ começou a virar-se para a indústria aeroespacial há dez anos. Hoje é responsável por montar e testar foguetões no Centro Espacial Europeu, na Guiana Francesa. Pedro Matias, presidente do grupo, tem neste momento 20 engenheiros exclusivamente alocados a esta área, que asseguram o controlo de qualidade no lançamento de foguetões, e admite que o número deverá aumentar nos próximos anos. “É um sector deverá registar um elevado ritmo de crescimento nos próximos anos e movimentar contratações. Já não é só a NASA e a ESA a atuar nesta área. Há e haverá cada vez mais empresas privadas - Google Maps, Amazon, empresas de telecomunicações - a apostar nos satélites”, explica. Um investimento que promete alavancar a criação de emprego na área.
Incubadora da ESA abre novas vagas em Portugal
A incubadora da Agência Espacial Europeia em Portugal (ESA BIC Portugal), coordenada pelo Instituto Pedro Nunes e focada no apoio a startups que aplicam tecnologia espacial em negócios terrestres, acaba de abrir uma nova call (chamada) para empreendedores com projetos na área que procurem apoio para a materialização das suas ideias. As candidaturas decorrem até 9 de março.
Nos últimos três anos de atividade, a ESA BIC Portugal apoiou 16 startups e viabilizou a criação de mais de 60 novos postos de trabalho ligados ao sector aeroespacial em Portugal. “Juntas, estas empresas têm uma capacidade de exportação de 40% e em 2016 faturaram cerca de €1 milhão”, explica Carlos Cerqueira, diretor de Inovação do Instituto Pedro Nunes, que coordena a ESA BIC em território nacional.
Estes números espelham, segundo o diretor, “a maturidade da indústria aeroespacial portuguesa e a capacidade demonstrada pelas startups nacionais para encontrar novas soluções e negócios para o mercado terrestre, sustentadas em tecnologias originalmente pensadas para o Espaço”. E são vários os exemplos de sucesso em território nacional que podem inspirar novos projetos e novos empreendedores.
Um nicho em crescimento
Active Aerogels, Findster, D-Orbit, Spacelayer Technologies, Airborne Projects and Eye2map são alguns dos projetos incubados na ESA BIC Portugal que atingiram a maturidade e dão hoje cartas em áreas como a indústria, a georeferenciação, segurança, saúde, agricultura ou outras.
Carlos Cerqueira destaca a imensa pujança que a área dos “negócios do espaço” está a registar em Portugal, confirmado que há cada vez mais projetos, startups e empreendedores a chegar ao mercado, com soluções inovadores e disruptivas, sustentadas em tecnologia espacial, que estão a gerar emprego e apoiar a imagem de Portugal enquanto cluster do sector aeroespacial.
A intervenção da ESA BIC Portugal junto dos empreendedores não se resume apenas à incubação de projetos, mas também ao apoio dado no desenvolvimento das ideias, na sua sustentabilidade e na abordagem ao mercado. Por se tratar de uma rede que envolve congéneres e parceiros internacionais, a incubadora tem vindo a revelar-se também um importante aliado na abordagem a mercados e clientes internacionais. “A maioria dos projetos que temos neste momento incubados já ultrapassou o grande embate de conquistar os primeiros clientes”, explica.
A incubadora começou a funcionar em Portugal em 2015 e tem um prazo de execução contratualizado com a Agência Espacial Europeia até 2020. A expectativa de Carlos Cerqueira, sustentada pelo facto de Portugal ser um dos membros mais ativos da plataforma, é de que o projeto possa continuar depois disso. “Não só porque o sector está a crescer em Portugal, mas porque há projetos de muito valor a crescer a partir daqui”, conclui.