Ruben Eiras
O MERCADO de recrutamento português só deverá
iniciar a retoma em finais de 2004. "O recrutamento está
moribundo. No próximo trimestre a recuperação do
emprego não será possível, porque o ambiente de incerteza
ainda é muito grande", refere Afonso Baptista, director-geral
da Multipessoal.
Para o principal responsável da empresa de recrutamento do Grupo
Espírito Santo, a economia portuguesa já bateu no fundo,
mas a expectativa ainda paira sobre os agentes económicos, devido
à introdução do código do trabalho, ao montante
do défice orçamental e ao espectro de uma remodelação
governamental.
"Por isso, as empresas estão com uma atitude de 'aguardar
para ver'. O resultado é uma focalização no recrutamento
de mão-de-obra eventual para responder a oscilações
pontuais do mercado e controlar os custos com o trabalho",
explica.
Os números de desempenho da Multipessoal ilustram com clareza
o panorama descrito por Afonso Baptista. Com efeito, dentro da carteira
de clientes de trabalho temporário (TT) e de "outsourcing"
da Multipessoal, o dirigente daquela empresa refere que não se
verificou "qualquer quebra em relação ao ano passado",
registando-se até uma subida de 0,5% no negócio de TT.
No cardápio de funções mais requisitadas, a liderança
recai nas de cariz administrativo e do segmento de "call centers".
As de hotelaria surgem em terceiro lugar, devido ao carácter
sazonal desta actividade, que atinge o pico no Verão.
Curioso é o novo nicho de recrutamento a emergir no mercado nacional:
conselheira de técnicas de beleza. "A procura desta função
está a crescer devido à proliferação das
lojas de perfumes e produtos cosméticos nos centros comerciais",
esclarece Afonso Baptista.
De acordo com este especialista, o perfil para ocupar uma profissão
deste género é bastante exigente: "têm que
ser mulheres bonitas, muito resistentes ao stresse e dotadas de uma
inteligência emocional bastante apurada para lidar com clientes
muito exigentes e às vezes de trato difícil, como por
exemplo, mulheres que desejam que os produtos as tornem bonitas ou pessoas
idosas que a toda a força querem 'atenuar' a idade que possuem".
Outro dado que demonstra a escassez de emprego qualificado em Portugal
é a percentagem de licenciados no total dos 18.000 candidatos
registados na Multipessoal: cerca de 57%. Afonso Baptista salienta que
este peso significativo das pessoas com formação superior
não é só resultado da falta de postos de trabalho
qualificados, mas também é fruto do divórcio latente
entre as universidades e as empresas.
"Muitos dos postos de trabalho qualificados que existem são
de natureza técnica e de grande especialização",
sublinha. Uma realidade de mercado à qual o sistema de ensino
responde "com milhares de cursos que são todos iguais
e sem aplicabilidade prática", contrapõe.
Para inverter a situação, Afonso Baptista preconiza que
o poder político tem que considerar como prioridade o "casamento"
entre a formação dada nas universidades e as necessidades
do mercado de trabalho para que os empresários valorizem as qualificações
superiores.
"Se um empresário 'self-made-man', com a 4° classe
ou o 6° ano, recebe licenciados que não sabem fazer nada,
é natural que aposte mais no saber-fazer, sem educação
superior. O preço que se paga a longo prazo por esta situação
é o baixo nível de inovação na maioria das
nossas empresas", remata.