Ruben Eiras
O DEPUTADO português é licenciado, tem como
profissão a advocacia, a docência ou a economia e praticamente
não possui experiência no sector privado. Este é o
"retrato-robô" dos representantes do povo na Assembleia
da República (AR) eleitos pelos portugueses para a actual legislatura.
O perfil foi construído com base na análise das biografias
dos deputados disponíveis para consulta no sítio do Parlamento
(www.parlamento.pt).
Em termos gerais, cerca de 85% dos representantes do povo possuem uma
licenciatura, sendo a qualificação média a habilitação
do segundo grupo mais representado.
O grupo profissional com maior assento na AR é o dos docentes
(sobretudo do ensino secundário e superior), com uma média
na ordem dos 27% do total dos lugares parlamentares.
Segue-se o dos advogados e juristas, com uma média próxima
dos 26% e, em terceiro lugar, situam-se os economistas, na ordem dos
10%.
De acordo com António Costa Pinto, sociólogo político
e investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade
de Lisboa e co-autor de um estudo comparativo das elites ministeriais
no Sul da Europa, a profissão de advogado é uma "marca
genética" do parlamentarismo.
"É uma das áreas que mais se presta à actividade
profissional parlamentar, que se baseia em muito na competência
legislativa", explica.
E acrescenta que, além disso, sendo a advocacia uma profissão
liberal e das mais compatíveis com a profissão parlamentar,
é natural que a maioria dos políticos profissionais provenha
desta área de conhecimento.
"Uma profissão acaba por ganhar com a outra - são
duas áreas de actividade em que se podem fazer muitas sinergias",
observa com ironia.
Quanto aos docentes, António Costa Pinto refere que o peso deste
segmento profissional na AR é um legado do salazarismo na cultura
parlamentar portuguesa.
"Salazar era professor universitário e trouxe muitos
docentes para o Parlamento e funções ministeriais. Com
efeito, sempre tivemos mais ministros 'professores' do que em Espanha
ou França", sublinha aquele especialista.
O perfil de qualificações dos deputados portugueses
Uma tradição que se mantém até hoje, devido
também à escassez de quadros com competência técnica
significativa que caracterizou o país ao longo do século
XX.
"Por isso, os professores desempenham uma função
mais importante na nossa democracia do que noutras europeias - a diversificação
profissional no nosso Parlamento é um fenómeno recente",
esclarece António Costa Pinto.
As outras classes profissionais mais representadas são os economistas,
os funcionários públicos, os engenheiros, os bancários
e os jornalistas.
Um segmento profissional em emergência no PSD é o dos farmacêuticos,
com 4% do total de assentos ocupados por este partido.
Em contraste, as profissões relacionadas com a actividade empresarial
são residuais em todos os partidos - os gestores situam-se numa
média de 6% e os empresários não ultrapassam os
3%.
Além disso, do total de deputados com assento na AR, só
20% a 30% é que possuirão alguma experiência de
trabalho no sector privado.
Ressalve-se que nesta análise não é possível
obter uma informação totalmente exacta, devido à
informação das biografias disponíveis no sítio
do Parlamento não ser totalmente exaustiva. Como tal, este valor
deve ser tomado apenas como uma estimativa.
Para António Costa Pinto, a profissionalização
da política é um processo inevitável do aprofundamento
do sistemas democráticos.
"Os deputados são escolhidos pelos partidos e é
natural que estes se profissionalizem na actividade parlamentar - o
mesmo processo também aconteceu em democracias mais avançadas
como a Inglaterra e a França", considera.
Por outro lado, aquele investigador também refere que, em Portugal,
a actividade parlamentar não é atractiva, devido à
lei de incompatibilidades, à fraca estrutura salarial e à
pressão da opinião pública, que é negativa
face à imagem dos políticos.
"O resultado é a não atracção dos
melhores talentos para a vida parlamentar e um ciclo vicioso de afastamento
da sociedade civil", reitera.
Para colmatar o excesso de profissionalização do Parlamento,
António Costa Pinto sugere que a opção pela criação
de uma segunda câmara, que representasse as "forças
vivas da sociedade civil" - como os sindicatos, as organizações
patronais, as associações de consumidores e as profissionais,
por exemplo - seria uma via para obter um parlamento mais representativo
dos vários interesses existentes no país.
"Quanto mais o parlamento ficar ligado à sociedade civil,
mais ganha o país", remata.
Uma marca de elitismo
O FACTO de mais de 80% dos deputados possuírem o grau de licenciatura
é um sinal de que a sociedade portuguesa cultiva o elitismo.
"A licenciatura continua a ter um valor simbólico muito
forte de ascensão social e de poder na nossa sociedade, que é
uma característica de praticamente todos os países do
Sul da Europa", refere António Costa Pinto.
Nas nações do Norte da Europa, porém, uma fatia
de 30% dos deputados não possui formação superior.
"Estas democracias foram reforçadas na altura dos movimentos
trabalhistas e socialistas das décadas de 30 a 40, dos quais
provinham muitos deputados operários e do mundo do trabalho.
Isto criou uma cultura política forte nestes segmentos profissionais",
explica.
Contudo, esta tendência está a inverter-se um pouco por
todo o continente europeu, devido à democratização
social do acesso à licenciatura dos últimos 20 anos. "Mas
não deixa de ser uma marca de elitismo", conclui António
Costa Pinto.