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Operários da escrita

29.12.2005


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Fernanda Pedro
NA IDADE Média, foi possível a Fernão Lopes, na qualidade de cronista da Corte, fazer da sua actividade uma profissão. Ao longo da história de Portugal, poucos são os escritores que tiveram o privilégio de fazer da escrita o seu principal meio de subsistência. Camilo Castelo Branco foi um deles, e, um século e meio depois, a situação mantém-se. Na opinião de grande parte dos escritores portugueses da actualidade, a escrita não tem de ser considerada uma profissão mas sim uma arte ou um estado de espírito. A criatividade não pode ser imposta, tem que surgir espontaneamente sem que o factor monetário a estrangule.


Se em qualquer profissão se recebe uma remuneração, porque não deverá um escritor ser remunerado? Esta é uma questão que a escritora Alice Vieira coloca a todos aqueles que não concordam em considerar a escrita uma profissão. «Esta é a área onde existe mais dispersão. Até os artistas plásticos ou músicos lutam pela profissionalização da sua actividade e os escritores continuam a resistir», salienta a escritora.

Com mais de 40 livros editados e com seis ou sete reedições anuais, Alice Vieira é uma das raras escritoras portuguesas a viver exclusivamente desta actividade. «Posso fazer isso porque já tenho uma extensa bibliografia e porque tive o privilégio de ter um contrato com uma editora que nunca falhou com os seus compromissos», explica.

Baptista-Bastos também é um dos que vive desde sempre do que escreve. Primeiro como jornalista e desde há 15 anos dos direitos de autor, em Portugal e no estrangeiro, de artigos avulsos para a imprensa e de colaborações nas televisões e nas rádios. Em sua opinião, ser escritor em Portugal «em termos institucionais é uma ‘profissão' que não existe». Baptista-Bastos considera que escrever possui outro significado: «exige a observação de regras éticas, hábito quase intimidante, experiência transformada em consciência, escrúpulo e rigor. Enfim, coisa quase esquizofrénica».

Também com experiência no mundo do jornalismo, Mário Zambujal acabou por se render aos encantos da escrita romanceada. Com quatro livros publicados, a caminho do quinto, Mário Zambujal acredita que em Portugal é difícil viver exclusivamente da escrita. «A maioria dos escritores têm de ter uma almofada, ou seja, de ter outra actividade para poderem pagar as suas contas, sobretudo para quem está no início», refere.

O escritor também é da opinião que a escrita é um estado de espírito. «Quando ainda estava a desenvolver a minha vida profissional no jornalismo recebi uma proposta para deixar tudo e tornar-me escritor em exclusivo com a condição de publicar um livro por ano. Por estranho que pareça, recusei. Tive medo que um livro por obrigação não fosse igual aos que escrevo por intuição», lembra.

Batista-Bastos adianta mesmo que desconfia dos escritores que publicam, de dois em dois anos e, até, em menos período, volumes de 300 e 500 páginas. «Além do mais, um tão pesado livro pode cair-nos das mãos e partir-nos o pé», ironiza.

José Luís Peixoto, é um dos jovens escritores portugueses que se tornou numa referência no meio literário. Para si, ser escritor em Portugal, não é difícil. «Aquilo que é realmente difícil é combater o preconceito de que a escrita não é uma actividade que envolva esforço real e conhecimentos especializados. Está ainda muito enraizada a ideia de que a escrita é uma actividade ociosa e que se faz nos tempos livres», esclarece. Mesmo sendo um jovem autor, há cinco anos que vive apenas da escrita. Tem, no entanto, a noção, de que só é possível porque os seus livros estão traduzidos em mais de uma dezena de idiomas, «Se contasse apenas com as vendas em Portugal não poderia fazê-lo».

O jovem escritor recorda que, numa primeira fase, a família e os amigos temiam que viesse a ficar decepcionado com a escolha. «Eu próprio tinha muito receio que essa aposta não fosse a mais sensata. A pouco e pouco, primeiro com resultados modestos, depois com resultados mais sólidos, consegui felizmente consolidar esta ‘estranha forma de vida'». José Luís Peixoto considera que quem faz esta opção tem de se preparar para percorrer o seu próprio caminho, para chegar a áreas profissionais onde a escrita literária nunca chegou. «Esse é um trabalho que deixa constantemente portas abertas para aqueles que nos irão suceder. Também esse aspecto é altamente motivador: a luta diária para que, no futuro, as novas gerações não tenham de desbravar tantos obstáculos para viverem da sua vocação», conclui.

Alice Vieira também acredita que, no futuro, a escrita poderá ser vista como um talento tal como é necessário em qualquer outra profissão e, assim, seja pago por isso.

Um percurso sofrido

A maioria dos escritores portugueses exerce outra profissão, além dos livros que publica. José Manuel Mendes, presidente da Associação Portuguesa de Escritores (APE), refere mesmo que grande parte dos grandes nomes da literatura portuguesa só se dedicou exclusivamente à escrita depois de alguns anos de outra actividade profissional.

Mas como são pagos os escritores portugueses? O presidente da APE explica que é através dos direitos de autor, «uma espécie de contrato que o editor e o autor celebram». Esse contrato varia de editora para editora mas existem critérios de ordem geral. «O pagamento é realizado entre 8 e 12% sobre o preço de capa e depois é também estipulado um contrato de edição, onde é estabelecido que o montante é pago à medida que os livros se vão vendendo», explica o responsável.

No entanto, José Manuel Mendes adverte para o facto de os escritores se informarem se a editora cumpre o estabelecido. Também para o presidente da APE, ser escritor em Portugal significa «um percurso sofrido. Só depois de muitos livros publicados é que o escritor pode viver apenas da sua escrita».





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