Cátia Mateus
Cerca de um em cada cinco trabalhadores portugueses tem um vínculo não permanente de trabalho. Um número que encontra na região norte do país a sua expressão máxima. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), desde o ano 2000, Portugal ganhou 130 novos trabalhadores precários. A grande maioria (cerca de 110 mil) na região Norte do país onde a qualidade do emprego dá sinais de uma degradação crescente motivada pelo crescimento do número de contratos a prazo e dos recibos verdes.
O Norte já arrecadava a taxa de desemprego mais alta do país, mas esse parece não ser o único problema da região. Segundo o INE, há sete anos, 27% dos trabalhadores portugueses (1,3 milhões) tinham um contrato a termo ou desempenhavam funções a recibos verdes. Uma percentagem que totalizava já os 29%, no ano passado. Só no Norte, o INE contabilizava no ano 2000 cerca de 400 mil trabalhadores com vínculos de trabalho onde a estabilidade não passava de uma miragem. Muitos deles vinham de uma situação de degradação profissional onde, depois de uma situação estável, tinham perdido o seu vínculo laboral e passado à precariedade. No final do ano passado, o INE registava no Norte 511 mil trabalhadores em situação instável.
Segundo José Ernesto Cartaxo, do Conselho Nacional da CGTP, “ao longo dos últimos anos tem-se assistido a uma degradação da situação no mercado de emprego que não é exclusiva da região Norte do país, com o rápido agravamento do desemprego, o forte aumento da imigração, as alterações legislativas consubstanciadas no Código de Trabalho”. O sindicalista explica que a precariedade é transversal a todo o país embora reconheça que no Norte tem assumido uma expressão particularmente preocupante. Na verdade, o número crescente de vínculos precários existentes no país levou a CGTP a hastear este ano a bandeira do combate à precariedade laboral, definindo para 2007 um plano de acção a este nível.
Na região Norte do país, a maior precariedade laboral ocorre em sectores como a construção civil e os serviços (sobretudo no comércio, hotelaria e na área das telecomunicações). Mas, como refere José Ernesto Cartaxo, neste rol não fica de fora a Administração Pública. “Só na Administração Central existem 117 mil trabalhadores com vínculos precários, sendo 48,1 mil com contratos de provimento administrativo, 41,4 mil com contratos de termo resolutivo, 6,9 mil tarefeiros e 4,9 mil avençados, não obstante o carácter de exercício da função pública do Estado”. O responsável da CGTP adianta que “se assiste ainda neste sector a uma crescente subcontratação, através de empresas de trabalho temporário, cujas consequências assumem particular gravidade na área da saúde”.
Por outro lado, acrescenta José Ernesto Cartaxo, “os contratos de duração determinada estão mais concentrados nalguns grupos de profissões, muitos dos quais apresentam um baixo nível de qualificações”. A CGTP divide os profissionais em três grupos que representam mais de 60% deste emprego precário: trabalhadores não qualificados, operários, artífices e trabalhadores similares; pessoal dos serviços e vendedores. E José Ernesto Cartaxo enfatiza que “em termos relativos, é nos trabalhadores não qualificados que os contratos não permanentes têm maior expressão”.
O especialista realça ainda que “os jovens e as mulheres estão mais expostos a uma maior incidência de contratos não permanentes e precários” (ver caixa). E argumenta: “Em termos comparativos, Portugal apresenta uma taxa de precariedade superior à média europeia (que era de 14,5% em 2005). O país figura no terceiro lugar do «ranking» dos mais precários, a seguir à Espanha e à Polónia. “Parte do trabalho temporário nacional continua ainda na ilegalidade, apesar dos anos que já decorreram após a publicação da legislação regulamentadora”.
José Ernesto Cartaxo chama a atenção para as consequências desta precariedade, nomeadamente no plano da protecção e da segurança social, mas também ao nível da degradação das condições de trabalho. “Uma parte significativa e crescente de trabalhadores não tem qualquer protecção social e, por outro lado, o crescimento da economia clandestina significa a não declaração de rendimentos e a não efectivação de descontos, tendo como consequência a desprotecção dos trabalhadores e o subfinanciamento da segurança social”, explica.
Por outro lado, o especialista enfatiza o problema da degradação das condições de trabalho, como consequência da precariedade. “Os trabalhadores acabam por aceitar empregos com salários mais baixos, longas horas de trabalho e sem condições mínimas de higiene e segurança laboral. Por outro lado, tendem a ocupar os empregos com mais elevado grau de perigosidade”, reforça o representante da CGTP.
Para combater esta precariedade José Ernesto Cartaxo, enfatiza a necessidade de uma reforma dos mercados de trabalho, mas reconhece que “a intervenção sindical não é fácil devido à fraca sindicalização dos trabalhadores abrangidos, à diversidade de situações existentes, ao receio dos trabalhadores de perderem os empregos se exigirem o cumprimento das normas”. Ainda assim, a CGTP declarou este ano como o ano de combate à precariedade e, para o seu representante, “a intervenção pela qualidade do emprego e contra a instabilidade tem de constituir um eixo de intervenção permanente da acção sindical, da mesma forma que o é, por exemplo, a melhoria dos salários e a intervenção na contratação colectiva”. Para José Ernesto Cartaxo a resolução deste problema que afecta milhares de trabalhadores, “não se pode resumir a uma campanha ou iniciativa em que no fim se apuram os resultados”.
Jovens mais penalizados
Apesar dos seus níveis de qualificação serem superiores quando comparados com os das gerações precedentes, os jovens enfrentam, actualmente, uma posição mais desfavorável no mercado de trabalho em matéria de instabilidade laboral e precariedade.
Segundo o Inquérito ao Emprego, do Instituto Nacional de Estatística (INE), “a contratação com vínculo de trabalho não permanente é muito alta entre os 20 e os 30 anos, só baixando depois desse escalão etário”. O mesmo estudo revela que “a percentagem de contratos não permanentes era de 45%, em 2003, no grupo dos 15 aos 25 anos, baixando para 26%, no grupo dos 25 aos 35 anos”. No mesmo ano, a taxa global de contratos de trabalho não permanentes rondava os 21%.
Para a CGTP, é notório que nos dias de hoje os jovens, independentemente da sua formação, ocupam empregos com baixas qualificações, baixos salários e, muitas vezes, horários de trabalho desregulados. Uma realidade que, segundo a central sindical, é motivada por “uma legislação de trabalho discriminatória”.
Isto porque “o Código de Trabalho determina que podem ser celebrados contratos a termo no caso da contratação de trabalhadores à procura do primeiro emprego, desempregados de longa duração ou noutras situações previstas em legislação especial de política de emprego (art. 129, nº 3/b). Assim, a admissão de um jovem com contrato a termo para um posto de trabalho permanente é juridicamente válida, segundo esta disposição, o que não é justo”, argumenta a CGTP em comunicado.