Cátia Mateus, Fernanda Pedro, Maribela
Freitas e Ruben Eiras
A CIÊNCIA conquista cada vez menos jovens portugueses.
De acordo com uma análise do Eurostat, entre 1998 e 2001, registou-se
uma diminuição de 4% na procura de licenciaturas na área
científica.
Além disso, Portugal também detém a mais baixa
taxa de participação da UE em cursos superiores relacionados
com as ciências, na faixa etária entre os 20 e 29 anos:
7,1% contra 11,8% da média europeia.
De acordo com os responsáveis contactados pelo EXPRESSO, as causas
desta tendência são o facilitismo no ensino da matemática
e das ciências exactas, a falta de orientação profissional
nas escolas e a escassez de emprego científico na economia portuguesa.
Segundo Silvino Ruivo, director da empresa de consultoria em gestão
de recursos humanos Europraxis e que coordenou um estudo sobre orientação
profissional "as escolas, genericamente, não têm
uma cultura de incitamento dos seus alunos para as áreas científicas".
O mesmo responsável acrescenta que o sistema de ensino actual
não valoriza e até retira, ou permite retirar, matérias
científicas na altura em que por norma é aplicada a orientação
escolar.
"A prática de orientação escolar e profissional
nos Serviços Psicológicos de Orientação
(SPO) - ensino público - é aplicada por volta do 8º
e 9º anos de escolaridade, quando a capacidade de raciocínio
lógico não está plenamente desenvolvida",
explica.
Daí que, perante as dificuldades do aluno ou ausência de
hábitos de trabalho persistentes, este desista face às
dificuldades sentidas.
Além disso, o próprio sistema permite-lhe escolhas de
agrupamentos que o afastam das áreas científicas.
Na opinião de Silvino Ruivo, "mesmo que um jovem tenha
potencial de raciocínio lógico, quando afirma não
gostar de matemática ou física, os orientadores dos SPO
tendem a facilitar a escolha da via de ensino mais fácil, normalmente
por eles mesmos não estarem sensibilizados para as necessidades
do mercado de trabalho, presente e futuro".
Apostar na orientação profissional
A razão pela qual os jovens seguem cada vez menos as áreas
científicas pode estar, segundo aquele especialista, "numa
má orientação profissional e escolar".
Para melhorar este serviço, só mesmo apostando "numa
maior formação dos orientadores. Estes necessitam de ser
mais qualificados para a função e ter informação
e formação sobre o mercado de trabalho actual e futuro",
reforça.
Todavia, este tipo de medidas não parece estar incluído
nos planos do Governo para aumentar a participação dos
jovens nos cursos de ciências.
Quando interpelado pelo EXPRESSO sobre esta questão, Jorge Moreira
da Silva, secretário de Estado da Ciência e Ensino Superior,
limitou-se a referir vagamente que a orientação profissional
dos jovens é fundamental, porque "a vocação
é muito importante e há que dar a oportunidade aos talentos".
Especializações tecnológicas a caminho
Para já, no curto prazo, uma das soluções que o
Governo apresenta para colmatar a falta de profissionais especializados
nas áreas das ciências é a reconversão de
licenciados de outras áreas com baixas taxas de empregabilidade.
"Vamos apostar em cursos de especialização tecnológica
mesmo para aqueles alunos que frequentem licenciaturas fora da área
científica", explica Jorge Moreira da Silva.
Só que a escassez de emprego científico campeia em Portugal,
devido ao baixo investimento em actividades de Investigação&Desenvolvimento.
Dos quinze Estados-membros da União Europeia (UE), segundo a
AEP só a Grécia apresenta indicadores piores do que Portugal
em matéria de investimento em investigação e desenvolvimento.
Portugal aplica anualmente nesta área 0,84% do PIB enquanto a
média da UE aponta para 1,98%. E o sector empresarial investe
menos 20% do que o Estado em I&D.
Além disso, o sector privado emprega apenas 12% do total de investigadores
que trabalham no mercado nacional. Para a Associação Empresarial
de Portugal (AEP), "se o país não evoluir neste
domínio perderá a oportunidade de uma maior valorização
da produção nacional".
A associação frisa que "a percentagem de gastos
anuais em I&D assegurada pelas empresas é no nosso país
bastante diminuta quando comparada com outros países europeus".
Entre os factores que travam o investimento nacional neste domínio,
a associação salienta "a reduzida dimensão
das empresas industriais portuguesas; uma interface deficiente entre
centros de investigação, universidades e empresas; a falta
de uma cultura que leve a criar orçamentos próprios e
suficientes para I&D por parte das empresas assim como o facto dos
incentivos públicos à actividade de I&D nas empresas
permanecerem ainda longe das suas reais necessidades".
São mesmo de salientar, por parte da AEP alguns retrocessos nesta
matéria. A instituição frisa o facto de o "Orçamento
de Estado para 2004 não renovar o crédito fiscal ao investimento
em investigação e desenvolvimento tecnológico".
Para a AEP não restam dúvidas de que, a continuar por
este caminho, o país estará a perder o comboio em matéria
de I&D "demonstrando fraca capacidade de inovação
e concepção de novos produtos e processos produtivos,
permanecendo a generalidade das empresas dependentes de relações
de subcontratação das empresas estrangeiras que detêm
essa capacidade".
12 mil bolsas para reconversão de doutorados
Inverter essa tendência passa, segundo a associação
empresarial, por criar mecanismos que conduzam a um melhor interface
entre o mundo científico e o mundo empresarial, bem como "criar
e reforçar programas de estímulo à inserção
de doutorados e investigadores nas empresas".
Neste plano, Jorge Moreira da Silva avança que será lançado
até ao final deste mês o mecenato científico, que
consiste na concessão de bolsas destinadas à reconversão
profissional de licenciados, mestres e doutores.
São cerca de 12 mil bolsas no total, sendo que cinco mil serão
dirigidas às empresas que admitirem licenciados, mestres ou doutores
e sete mil destinadas à administração pública
para empregar jovens recém-licenciados.
O secretário de Estado destaca ainda o plano de emergência
que o seu Ministério está a desenvolver para combater
o insucesso escolar nas áreas das ciências exactas, sobretudo
na matemática.
O objectivo é apostar na qualidade do ensino, através
de "um trabalho conjunto entre os vários intervenientes,
nomeadamente professores do ensino secundário, universitário
e centros de investigação".
Jorge Moreira da Silva assegura que este tipo de plataforma de colaboração
irá projectar as profissões de base científica
e tecnológica.
Quanto à melhoria da qualidade de ensino da matemática
e das ciências exactas, o secretário de Estado adiantou
ao EXPRESSO que o Ministério está a desenvolver um projecto
transversal a todas as idades com a finalidade de atrair os estudantes
para estas ciências.
Contudo, aquele responsável governamental não pode ainda
divulgar o conteúdo do projecto, garantindo, no entanto, que
está para breve a sua aprovação.
Serviços dominam
SE O leitor é um trabalhador altamente qualificado, fique a saber
que dentro do segmento do emprego científico, segundo um estudo
estatístico do Eurostat, entre 1997 e 2002, as melhores perspectivas
encontravam-se nos sector dos serviços intensivos em conhecimento,
isto é, todas as actividades que exigem tratamento e utilização
avançada de informação (como a banca, por exemplo):
o crescimento foi superior ao da UE (3,1%), com cerca de 4%.
Mas o parto do emprego científico no tecido industrial revela-se
tarefa difícil. A criação de postos de trabalho
no sector da indústria tecnológica "high-tech"
(de ponta) foi negativa: o emprego contraiu 0.9%. Mas no segmento médio
daquele sector industrial o aumento foi de 0,2%.
Ou seja, na generalidade, isto significa que os doutorados tiveram menos
oportunidades de trabalho naquele período. Por outro lado, aqueles
que se diplomaram com uma qualificação técnica
de nível médio ou se ficaram pelo grau de licenciatura
provavelmente conseguiram arranjar emprego na indústria nacional.