Fernanda Pedro
A VIDA de um pescador é difícil, dizem os
homens que diariamente saem para o mar. As condições de
trabalho nem sempre são as ideais e com a crise que se instalou
no sector, devido à redução das quotas pesqueiras
e do depauperar dos recursos marinhos, a recompensa financeira é
parca.
No entanto, começam a surgir sinais de modernização
e profissionalização da actividade pesqueira, embora ainda
tímidos.
Com efeito, uma parte da nova geração portuguesa acredita
que a "maré negra" que paira sobre esta actividade
milenar irá desaparecer dentro em breve.
É com essa esperança que cerca de 14 jovens se encontram
neste momento no centro de formação da Forpescas em Sesimbra
a tirar o curso de pescadores. Revelam espírito empreendedor
e vontade de vencer.
A maioria deles tem no sangue o sabor do mar, ou não fossem eles
filhos de pescadores. E se há uns anos os pais não queriam
que eles seguissem a profissão, a escassez de emprego fez muitos
deles regressarem às suas origens e tentar a sorte no meio que
os viu nascer.
Sérgio Ribeiro é um exemplo disso. Aos 24 anos, vai trabalhar
ao lado do pai, dono de um barco de pesca em Sesimbra.
Quando terminou o 9º ano iniciou uma profissão de estucador,
mas com a crise económica instalada no país, o trabalho
faltou e, sem pensar duas vezes, decidiu juntar-se ao pai e ao irmão
na faina pesqueira.
"Apesar de ser uma profissão instável, sobretudo
em termos financeiros, acho que devia apostar na continuidade do negócio
da família. Sempre é preferível lutar por uma coisa
que é nossa do que estar a trabalhar para outros", observa.
"Arriscar por algo que é meu"
Também Nelson Mata, com 22 anos de idade, vai apostar na profissão
do pai. Apesar de ter um emprego fixo como manobrador de máquinas
industriais, quando terminar o curso de formação que lhe
dá a Cédula de Classe C de pescador, vai definitivamente
para o mar.
"O meu pai tem um barco e eu quero continuar esta actividade",
explica o jovem. E nem mesmo o risco de enfrentar uma profissão
precária o demove da posição que tomou: "todo
o mercado de trabalho está em crise e nenhum emprego é
garantido - por isso mais vale arriscar por algo que também é
meu".
Uma aposta na formação
Mesmo com perspectivas económicas pouco animadoras, Nelson acredita
que no futuro a situação irá melhorar. Também
a sua companheira, Liliana Cunha, de 20 anos de idade, está disposta
a ajudar nesta mudança de vida. Por isso inscreveu-se no curso
de pescadores.
Embora possua um emprego fixo como empregada de balcão, "quero
ter a formação necessária para ir para o mar, se
for preciso".
Já Daniel Valente, de 29 anos, é um dos poucos casos em
que não tinha nenhuma ligação a esta actividade.
A entrada no mundo piscatório surgiu através do cunhado,
dono de um barco.
Pedreiro de profissão, a crise na construção civil
lançou-o para o desemprego e a pesca foi a solução
para os seus problemas. A adaptação foi fácil e
hoje gosta do que faz.
Apesar de já ter surgido algumas ofertas para regressar à
construção, recusou. "O meu cunhado apostou em
mim e agora vou retribuir dando o meu melhor", afirma com convicção.
O elã do desafio
O mais jovem candidato a pescador tem apenas 17 anos e chama-se Luís
Teodoro. Após o 9º ano de escolaridade não quis seguir
os estudos, porque o seu desejo desde sempre foi ser pescador como o
pai, também ele detentor de um barco em Sesimbra.
Ainda pensou tirar um curso de informática, mas o chamamento
do mar foi mais forte. "Para mim não importa o dinheiro
que possa vir a ganhar, o mais importante é o desafio que esta
profissão representa", afirma o jovem.
Melhor distribuição, precisa-se!
Mas Luís não põe de parte a hipótese de
estudar e talvez mais tarde de tirar um curso de gestão e contabilidade,
"porque é fundamental ter esses conhecimentos para gerir
o negócio da família".
Para esta nova geração de pescadores, a notícia
de o Governo ter conseguido prolongar o tempo para manter os limites
territoriais da nossa pesca não é relevante, porque o
receio não reside no facto dos estrangeiros pescarem nas nossas
águas, mas sim de não venderem o peixe que chega diariamente
às lotas.
"E isso já acontece actualmente e é por isso que
estamos em dificuldades. Se os espanhóis comprarem o nosso peixe,
que venham eles que não nos importamos", remata Sérgio
Ribeiro.
Apostar no valor acrescentado
EM 1996, o sector das pescas empregava em Portugal qualquer coisa como
28.458 trabalhadores, segundo o estudo "Pescas e Aquicultura em
Portugal" publicado pelo Inofor, em 1999.
Uma quebra de 26,5% face a 1990 e que se acentua ainda mais em 2003
com um sector que emprega apenas 22.025 trabalhadores (segundo dados
do Instituto Nacional de Estatística), traduzindo uma crescente
destruição de postos de trabalho no sector.
O mesmo estudo revela um segmento da economia que carece urgentemente
de uma modernização, não só no plano tecnológico
mas também ao nível da formação dos seus
trabalhadores. Um sinal de mudança neste plano é o acréscimo
de empregos qualificados.
De acordo com o Inofor, a análise da estrutura de mão-de-obra
para o sector mostra que em 1985, os quadros superiores e médios
representavam apenas 2,8% do total do emprego nas pescas. Todavia, em
1997, esta percentagem rondava já os 7,5%, indicando uma tendência
de profissionalização da actividade.
Tiago Pita e Cunha, presidente da recém-criada Comissão
Estratégica para os Oceanos, considera o sector pesqueiro como
crucial para o aumento da competitividade do país. Um objectivo
que pode ser conseguido através de uma aposta na criação
de valor acrescentado nos produtos pesqueiros.
"Os americanos pescam muito menos do que há uns anos,
mas conseguem obter muito mais valor, porque criaram uma certificação
de qualidade ambiental do pescado. Com o bom peixe que temos na nossa
costa, porque é que não criamos uma imagem de marca do
peixe 'português'? Isto aumentaria as nossas vendas e com preços
mais elevados nos mercados mais exigentes", avança aquele
responsável.
Uma estratégia que se revela fundamental para a sobrevivência
do sector, já que, segundo Tiago Pita e Cunha, 80% da pesca portuguesa
é realizada na Zona Económica Exclusiva.
Cátia Mateus
e Ruben Eiras
Formação focada na reciclagem e actualização
PARA colmatar as necessidades formativas nesta área, existe
o Centro de Formação Profissional para o Sector das Pescas
(Forpescas).
Esta instituição foi criada em 1986, através de
um protocolo entre os Instituto de Emprego e Formação
Profissional e a Escola de Pesca e da Marinha de Comércio e tem
como objectivo a qualificação dos recursos humanos do
sector das pescas, tendo por base o ajustamento das necessidade e tendências
de evolução tecnológica e de organização
do trabalho.
Marinhagem e mestrança da pesca, máquinas marítimas,
aquacultura, construção e reparação naval,
transformação e comercialização do pescado
e frio e climatização são as áreas em que
o Forpescas ministra formação.
Cada uma destas integra um vasto leque de cursos com diferentes tipologias
e destinatários, que vão desde cursos de aprendizagem
e qualificação inicial, até cursos de especialização
e reciclagem. Só entre 1986 e 2001 este centro formou 22.249
pessoas, das quais cerca de 10% eram jovens. Este procuram maioritariamente
as áreas da aquacultura e gestão.
Elisa Monteiro, directora do Forpescas explica que "este centro
tem uma estrutura descentralizada de forma a ir ao encontro das populações
e comunidades piscatórias, através de unidades operacionais,
localizadas perto dos portos mais significativos da Costa Continental
Portuguesa".
Além disso, "tem dedicado alguma atenção
ao problema do baixo nível de literacia dos públicos com
que trabalha, realizando acções que garantem uma dupla
qualificação escolar e profissional".
Os cursos aqui leccionados destinam-se a jovens, adultos empregados
ou desempregados e a activos da fileira das pescas. "A meta
do Forpescas é promover a fixação de jovens que
frequentem acções de formação para categorias
profissionais no próprio sector", refere Elisa Monteiro.
Para a responsável urge "dignificar as diferentes profissões
do sector, valorizando a qualificação dos activos e da
sua renovação".
Maribela Freitas
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