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Formação menos normativa

25.06.2004


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Cátia Mateus/ Fernanda Pedro/ Maribela Freitas/ Ruben Eiras

A REFORMA do sistema de formação dos magistrados deve passar pelo reforço dos conhecimentos sociológicos e económicos da sociedade portuguesa, em vez do actual foco estritamente normativo. Esta é a linha defendida pelos vários especialistas contactados pelo EXPRESSO sobre o estado da formação dos juízes em Portugal.


Boaventura de Sousa Santos, director científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa (OPJP), do Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, coordenou um estudo sobre "O recrutamento e a formação de magistrados: uma proposta de renovação - Análise comparada de sistemas e do discurso judiciário em Portugal".

"As reformas do sistema judiciário têm necessariamente que passar por outro modelo de recrutamento e formação de magistrados", sublinha. Acrescenta que "é necessário criar um modelo de formação que possa, na prática e não apenas na lei, substituir a cultura corporativa, normativista e técnico-burocrática - que habita as nossas magistraturas e em geral, o sistema judicial - por uma nova cultura judiciária em que a justiça esteja ao serviço da coesão social e do aprofundamento democrático".

Fernando Sousa Silva, autor do estudo "Breve história da magistratura portuguesa" e finalista da licenciatura em sociologia do trabalho no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, está no momento a elaborar uma monografia da profissão dos magistrados. A falta de conhecimento da vida real e de competências de gestão são as duas maiores lacunas detectadas por este investigador.

"Os juízes estão muito bem preparados a nível técnico-jurídico, mas falta-lhes a visão prática da sociedade onde estão inseridos. Além disso, estão muito pouco formados para gerirem e administrarem os tribunais como um organismo autónomo. Não têm sensibilidade, nem estão sensibilizados para a gestão dos recursos humanos e materiais que compõem um tribunal"
, explica.

Por outro lado, Jerónimo Martins, secretário-geral da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, assegura que a formação de juízes em Portugal é reconhecida internacionalmente pela sua qualidade ao nível das competências técnicas, das garantias de independência e da isenção no exercício da função.

Mas no que toca às condições de trabalho, designadamente em face a outros países europeus, o panorama altera-se. "Os juízes de outros países, desde logo e em regra, dispõem de um gabinete de apoio, de biblioteca, não estão sujeitos ao volume de trabalho, nem às más condições materiais a que nós estamos", critica.

Na Europa também existem diferenças relativamente ao recrutamento e formação de magistrados. "Os modelos europeus estão a orientar-se segundo três ideias novas, totalmente ausentes no nosso caso: a pluralidade de recrutamento permitindo e incentivando o acesso à magistratura, não só de jovens licenciados, mas também de profissionais com uma diversidade de saberes e experiências; a pluridisciplinaridade da formação inicial com períodos de estágio nos tribunais, mas também junto de outras organizações judiciárias e organismos públicos e privados; e a importância que é dada à formação permanente", sublinha Boaventura de Sousa Santos.

Com a reforma do sistema de formação de juízes em curso, o Ministério da Justiça opta por não comentar os trâmites que regulam o acesso à carreira de magistrado ou o panorama actual da profissão no país.

Apesar de considerar que a reforma do sistema terá de ser sustentada numa discussão e partilha de opiniões, o secretário de Estado-adjunto da justiça, Mota de Campos - contactado pelo EXPRESSO - optou por não emitir qualquer parecer "numa altura em que tudo está ainda em aberto no campo da formação de juízes".

Como se forma um juiz

A FORMAÇÃO profissional de magistrados judiciais e do Ministério Público está a cargo, desde a sua criação, em 1979, do Centro de Estudos Judiciários (CEJ). A lei passou a prever três modalidades de formação profissional dos magistrados: a formação inicial, a formação complementar e a formação permanente.

A formação inicial passou a ser condição de ingresso nas magistraturas. A formação inicial compreende uma fase teórico-prática e uma fase de estágio.

A fase teórico-prática é comum às duas magistraturas. Tem a duração de 22 meses e desenvolve-se em três ciclos: o primeiro e o terceiro no CEJ, num total de 10 meses, e o segundo, com a duração de um ano, nos tribunais.

No final da fase teórico-prática os auditores optam por uma das magistraturas, seguindo-se a fase de estágio com a duração de 10 meses.

A lei continua a prever um período de formação complementar obrigatória nos primeiros dois anos a seguir à nomeação definitiva dos magistrados.





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