Cátia Mateus/ Fernanda Pedro/ Maribela
Freitas/ Ruben Eiras
A REFORMA do sistema de formação dos magistrados
deve passar pelo reforço dos conhecimentos sociológicos
e económicos da sociedade portuguesa, em vez do actual foco estritamente
normativo. Esta é a linha defendida pelos vários especialistas
contactados pelo EXPRESSO sobre o estado da formação dos
juízes em Portugal.
Boaventura de Sousa Santos, director científico do Observatório
Permanente da Justiça Portuguesa (OPJP), do Centro de Estudos
Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, coordenou
um estudo sobre "O recrutamento e a formação de magistrados:
uma proposta de renovação - Análise comparada de
sistemas e do discurso judiciário em Portugal".
"As reformas do sistema judiciário têm necessariamente
que passar por outro modelo de recrutamento e formação
de magistrados", sublinha. Acrescenta que "é
necessário criar um modelo de formação que possa,
na prática e não apenas na lei, substituir a cultura corporativa,
normativista e técnico-burocrática - que habita as nossas
magistraturas e em geral, o sistema judicial - por uma nova cultura
judiciária em que a justiça esteja ao serviço da
coesão social e do aprofundamento democrático".
Fernando Sousa Silva, autor do estudo "Breve história da
magistratura portuguesa" e finalista da licenciatura em sociologia
do trabalho no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas,
está no momento a elaborar uma monografia da profissão
dos magistrados. A falta de conhecimento da vida real e de competências
de gestão são as duas maiores lacunas detectadas por este
investigador.
"Os juízes estão muito bem preparados a nível
técnico-jurídico, mas falta-lhes a visão prática
da sociedade onde estão inseridos. Além disso, estão
muito pouco formados para gerirem e administrarem os tribunais como
um organismo autónomo. Não têm sensibilidade, nem
estão sensibilizados para a gestão dos recursos humanos
e materiais que compõem um tribunal", explica.
Por outro lado, Jerónimo Martins, secretário-geral da
Associação Sindical dos Juízes Portugueses, assegura
que a formação de juízes em Portugal é reconhecida
internacionalmente pela sua qualidade ao nível das competências
técnicas, das garantias de independência e da isenção
no exercício da função.
Mas no que toca às condições de trabalho, designadamente
em face a outros países europeus, o panorama altera-se. "Os
juízes de outros países, desde logo e em regra, dispõem
de um gabinete de apoio, de biblioteca, não estão sujeitos
ao volume de trabalho, nem às más condições
materiais a que nós estamos", critica.
Na Europa também existem diferenças relativamente ao recrutamento
e formação de magistrados. "Os modelos europeus
estão a orientar-se segundo três ideias novas, totalmente
ausentes no nosso caso: a pluralidade de recrutamento permitindo e incentivando
o acesso à magistratura, não só de jovens licenciados,
mas também de profissionais com uma diversidade de saberes e
experiências; a pluridisciplinaridade da formação
inicial com períodos de estágio nos tribunais, mas também
junto de outras organizações judiciárias e organismos
públicos e privados; e a importância que é dada
à formação permanente", sublinha Boaventura
de Sousa Santos.
Com a reforma do sistema de formação de juízes
em curso, o Ministério da Justiça opta por não
comentar os trâmites que regulam o acesso à carreira de
magistrado ou o panorama actual da profissão no país.
Apesar de considerar que a reforma do sistema terá de ser sustentada
numa discussão e partilha de opiniões, o secretário
de Estado-adjunto da justiça, Mota de Campos - contactado pelo
EXPRESSO - optou por não emitir qualquer parecer "numa
altura em que tudo está ainda em aberto no campo da formação
de juízes".
Como se forma um juiz
A FORMAÇÃO profissional de magistrados judiciais e do
Ministério Público está a cargo, desde a sua criação,
em 1979, do Centro de Estudos Judiciários (CEJ). A lei passou
a prever três modalidades de formação profissional
dos magistrados: a formação inicial, a formação
complementar e a formação permanente.
A formação inicial passou a ser condição
de ingresso nas magistraturas. A formação inicial compreende
uma fase teórico-prática e uma fase de estágio.
A fase teórico-prática é comum às duas magistraturas.
Tem a duração de 22 meses e desenvolve-se em três
ciclos: o primeiro e o terceiro no CEJ, num total de 10 meses, e o segundo,
com a duração de um ano, nos tribunais.
No final da fase teórico-prática os auditores optam por
uma das magistraturas, seguindo-se a fase de estágio com a duração
de 10 meses.
A lei continua a prever um período de formação
complementar obrigatória nos primeiros dois anos a seguir à
nomeação definitiva dos magistrados.