Cátia Mateus e Marisa Antunes
Quando o trabalho escasseia, são poucos os licenciados em Portugal que se podem congratular de ter ofertas de emprego ainda antes de terminarem o curso. Mas é isso que acontece com os engenheiros electrotécnicos e de computadores. Quando o canudo tem o selo do Instituto Superior Técnico (IST), a garantia é ainda mais folgada. “Entre 56% e 59% dos alunos de engenharia electrotécnica e de redes têm emprego antes de finalizarem o curso. E os restantes, na sua grande maioria, conseguem-no no espaço máximo de seis meses”, lembra o professor João Paulo Teixeira, responsável pelo departamento de Engenharia Electrónica, o qual organizou ao longo de toda esta semana uma jornada académica dedicada à temática ‘Novas tecnologias, novos desafios'.
Nas jornadas, os alunos puderam mostrar (e demonstrar) os vários projectos que desenvolvem em parceria com entidades exteriores à universidade e que lhes conferem uma melhor preparação para entrarem na vida activa. Refira-se que do Instituto Superior Técnico, do curso de Engenharia Electrotécnica e de Computadores, saem, em média, cerca de 150 licenciados todos os anos.
O presidente do Departamento de Engenharia Electrónica (DEE) realçou a importância de “perceber as necessidades do mercado e estabelecer as pontes”. “Essa preocupação está sempre presente nos ‘campus' da Alameda e do Tagus Park do IST. Por exemplo, temos relações privilegiadas com a Nokia-Siemens, através do mestrado de engenharia de rede de comunicações, e com a Chipidea e a área dos semicondutores num mestrado em Engenharia Electrónica. Mas existem outras novas áreas onde se pode inovar através das tecnologias de informação, como as da saúde, da robótica ou do ambiente, seja nas energias renováveis ou na monitorização das alterações climáticas, para citar apenas alguns exemplos”, pormenoriza João Paulo Teixeira.
Cultura de exigência precisa-se!
Múltiplas aplicações que levam à procura desenfreada de profissionais de engenharia e que explica, em parte, a criação de cursos em vários estabelecimentos e institutos politécnicos de norte a sul do país. Uma multiplicação de cursos que nem sempre cumpre os melhores critérios de exigência, um alerta que o reitor da Universidade Técnica de Lisboa, Ramôa Ribeiro, também presente nas jornadas, fez questão de deixar: “Há uns anos, no Técnico, tínhamos mais do dobro dos estudantes a candidatarem-se às vagas que tínhamos. Vinham jovens de todo o país. Actualmente, 90% dos estudantes que aqui estão, são de um raio de 50 quilómetros à volta de Lisboa. Instituiu-se a ideia de que é indiferente tirar engenharia no estabelecimento ou no politécnico A ou B. É lamentável, mas tenta-se encher escolas com estudantes que entram sem qualquer critério de exigência”.
No Instituto Superior Técnico, onde o cenário é diferente e as médias de entrada são mais criteriosas, o desafio é mostrar aos jovens, ainda antes de entrarem na universidade, quais as potencialidades destes cursos. Uma tarefa nem sempre fácil, tendo em conta a má «performance» dos estudantes portugueses na área das matemáticas.
“O nosso potencial de candidatos às engenharias é muito baixo. Os últimos números mostram que só 3000 alunos do 12º ano, em todo o país, fizeram Física - uma disciplina-base em engenharia - com nota superior a 10. E como no Técnico entram, em todos os cursos, cerca de 400 pessoas, veja-se só qual é a nossa margem…”, reforçou ainda Guilherme Arroz, director-adjunto do «campus» do IST no Tagus Park.
Para conseguir absorver os melhores, Epifânio da Franca, CEO da Chipidea e ex-aluno do Técnico, estabeleceu a parceria com IST. “Mesmo assim, não conseguimos encontrar em Portugal todas as pessoas de que precisamos. Um terço da engenharia da Chipidea está no estrangeiro, nos nossos centros na Polónia, China (Macau), Bélgica e França”, sublinhou o responsável.
Aos jovens portugueses, prestes a entrar no mercado de trabalho, Epifânio da Franca deixa algumas dicas: “É preciso que tenham espírito aberto, humildade, capacidade de aprender e ambição”.
É que para o engenheiro, “em Portugal, a cultura de empreendedorismo não existe”. Um cenário bem diferente daquele que encontrou noutros países onde a Chipidea instalou os seus centros. “Se na Polónia, por exemplo, notamos que a formação das pessoas é mais sólida, já em Macau são estas características — que por cá escasseiam — de ambição, de querer fazer mais e melhor, que os leva a ultrapassar tudo”, acrescentou ainda.
Imbuído deste espírito está o recém-licenciado André Santos. Enquanto a maioria dos seus colegas de final de curso aceitou propostas de trabalho, ele resolveu dar largas à sua ambição e criar a sua própria empresa. A NWC (NetWorkConcept) nasceu do desenvolvimento de um trabalho apresentado no mestrado e graças ao apoio das verbas, a fundo perdido, concedidas pela Agência da Inovação (AdI).
O conceito da NWC passa pela instalação, num edifício, de uma rede de estruturas, com um minicentro de dados, que permite a sinergia dos serviços. “A grande vantagem é a partilha de serviços e o reflexo nos custos. Os condóminos podem, por exemplo, ter acesso à Internet mais barata”, especifica André Santos.
“Sempre tive o sonho de criar uma empresa e nunca pensei que seria tão cedo, mas decidi que devia arriscar agora”, explicou o engenheiro de redes de comunicação, que desenvolveu a ideia com Luís Figueiredo e Tiago Sousa.
Concorrência estrangeira
Se o cenário, em matéria de engenheiros, já é de escassez no país, a situação complica-se ainda mais com a concorrência de empresas estrangeiras que já descobriram o potencial destes jovens profissionais. Salários bem mais aliciantes — que na Noruega, por exemplo, podem chegar aos 3700 euros mensais — e condições de vida favoráveis, mesmo para quem está em início de carreira, são alguns dos grandes trunfos que as organizações estrangeiras utilizam para aliciar engenheiros portugueses. A taxa de sucesso é elevada e a verdade é que são cada vez mais os jovens que trocam Portugal por outros países.
Engenheiros navais, civis e informáticos figuram entre os mais requisitados para trabalhar no estrangeiro. Só durante o ano de 2007, a Rede Europeia de Serviços de Emprego (EURES) conduziu à Noruega cerca de 170 engenheiros portugueses. Com efeito, este é um dos países que mais recruta em Portugal profissionais desta área. Uma preferência que, segundo Eli Syvertsen, conselheira da EURES Noruega, “se deve sobretudo ao facto de os engenheiros portugueses serem muito valorizados pelas suas qualificações de nível elevado e conhecimentos de línguas”.
Esta especialista acrescenta ainda que o interesse da Noruega em técnicos nesta área deverá manter-se em alta nos próximos anos, já que “o país precisa de profissionais em áreas como a construção naval, automação, informática e até construção”. Uma oportunidade de internacionalização profissional num mercado cada vez mais global.
Mais perto do mercado
Um bólide de alta potência chamava a atenção de todos os que passavam pelo átrio do edifício do Instituto Superior Técnico (IST) onde se realizaram as jornadas de engenharia. O projecto revela a capacidade de engenho e inovação de um grupo de alunos de engenharia electrotécnica e de mecânica que resolveu desenvolver um protótipo para participar no Fórmula Student — uma iniciativa onde participam cerca de 300 faculdades de todo o mundo e que conta com a parceria de entidades de peso como a McLaren.
“Neste projecto é exigido aos alunos que tomem decisões a vários níveis: na «performance» em engenharia, nos custos e na execução do produto final”, realçou Gabriel Rodrigues, «team-leader» da equipa. Uma aproximação à vida real que se verifica em muitos outros projectos. A colaboração entre estudantes e o Museu de Arqueologia é outro bom exemplo. “Com base na tecnologia SONAR e submarinos miniatura, os estudantes ajudam a explorar o mar perto da região da Ericeira para encontrar vestígios arqueológicos”, pormenoriza João Paulo Teixeira, presidente do Departamento de Engenharia Electrotécnica do IST.