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Descentralizar a formação

21.01.2005


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Ruben Eiras

A POLÍTICA de formação profissional tem que ser descentralizada, através do financiamento da procura, criando cheques-formação para serem utilizados livremente pelos formandos. Esta é uma das principais conclusões do painel de especialistas consultado pelo EXPRESSO Emprego sobre o estado do sistema formativo em Portugal.

 

De acordo com Márcia Trigo, directora da Escola de Negócios da Universidade Autónoma de Lisboa, o sistema de financiamento deveria ser misto, estimulando a procura através da criação de um cheque-formação, para os níveis de formação técnico e superior. «Algumas regiões, como a Grande Lisboa, deixaram de ser elegíveis, o novo Ministério da Educação e Qualificação Profissional tem de libertar fundos próprios para estimular as formações técnicas, tecnológicas e científicas, como é o caso das actuais escolas profissionais e das escolas tecnológicas, instaladas neste território», sugere.

João Bilhim, docente no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade Técnica de Lisboa, defende também um sistema misto de financiamento da formação. E para que a política formativa seja mais eficaz, advoga que o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) deveria assumir um papel mais regularizador e menos executor a nível da formação.

«O IEFP poderia nesta matéria ser sobretudo fiscalizador, proporcionador de diagnósticos, de desenvolvimento, de meios, de troca de experiências com a Europa, por exemplo. Em consequência, os seus centros de formação poderiam ser integrados no sistema de ensino e postos à disposição do tecido empresarial, dos parceiros sociais. Isto pressupõe que boa parte das disponibilidades do Estado deveriam ser canalizadas para melhorar substancialmente o nível de qualificação académica dos portugueses», propõe.

Fiscalização é fundamental

Outro ponto de concordância entre os especialistas contactados pelo EXPRESSO é a necessidade de criar mecanismos de fiscalização da atribuição de fundos da formação de forma a moralizar o sector. «Este é um ponto crucial para garantir o ‘estatuto' da formação profissional dentro da empresa. Se não existir um mecanismo ágil de fiscalização do cumprimento da lei e se as penalizações para os não cumpridores não forem adequadas fica tudo na mesma», salienta Mário Figueira, director da SAF Novabase, a empresa de formação daquele grupo.

Uma posição corroborada por Amândio da Fonseca, director-geral do Grupo Egor. Para este responsável, a introdução de um órgão fiscalizador dos fundos públicos de formação é «uma medida de higiene essencial na medida em que previne oportunismos que foram responsáveis pelo facto de os investimentos vultuosos feitos nos últimos anos serem pouco visíveis e tenham servido, em muitos casos, mais para vacinar as pessoas e as empresas em relação à formação do que para contribuir para o desenvolvimento do país».

Todavia, face à actual inexistência de um organismo deste género, João Bilhim observa que a única forma de se conseguir moralizar a formação profissional é pela via legal, impondo-se consequências ao incumprimento da lei, que actualmente já regulamenta o direito dos trabalhadores a terem formação.

Neste aspecto, Eugénio Rosa, economista, traz à atenção que o Código do Trabalho, nos artigos 125º e 137º, e na Lei 35/2004 que o regulamenta (artigo 168), embora enuncie o direito à formação, não garante a efectividade deste direito ao trabalhador, não sendo suficientemente penalizador. «A lei permite que a empresa acumule durante três anos as horas de formação não realizadas, podendo depois substituir o seu incumprimento por uma pequena coima monetária ou então pagar ao trabalhador um pequeno valor em dinheiro em substituição da formação não realizada no caso dele terminar o contrato com a empresa», argumenta.

Quanto à qualidade dos formadores, embora seja julgada pela generalidade do painel de especialistas como sendo «boa», há unanimidade de que é crucial a melhoria da formação de formadores e das técnicas pedagógicas.

Fernando Neves de Almeida, «partner» da Boyden, uma empresa de «executive search» e de formação em liderança dirigida a executivos, refere que quem escolhe este tipo de profissões deve fazê-lo «por paixão» e possuir certas características que não se adquirem em cursos de formação de formadores. «Os cursos de formação de formadores auxiliam quem tem ‘jeito' e gosto a fazer melhor, mas nunca transformam uma pessoa sem perfil num comunicador nato», afirma. Ou seja, há que ter vocação.

Mas também existem falhas no processo de recrutamento de formadores. Márcia Trigo sublinha que a formação destes profissionais é pedagogicamente boa, mas é deficiente nos critérios de selecção. «Muitos formadores não têm qualquer experiência de trabalho na área ou áreas em que são certificados como formadores e exercem essa função. A maioria dos formadores sai da licenciatura, ou de outra formação inicial, e entra num curso de Formação Pedagógica de Formadores, o que é inaceitável e o país paga muito caro», remata.

 

VIAS DE MUDANÇA

  • O IEFP deveria assumir uma papel mais regulador e fiscalizador do sector da formação
  • Criação de um sistema de financiamento da formação de cariz misto, financiando organizações e a pessoas a nível individual. Neste último aspecto, deverá ser criado um «cheque-formação», a atribuir a cada formando
  • O sistema deveria garantir que as empresas não ganhassem com o incumprimento da lei, ou seja, se não formam não poupam nem ficam com os seus trabalhadores mais qualificados. Um modelo semelhante ao francês poderia dar sustentação a uma tese deste tipo
  • O sistema de certificação e acreditação precisa de mais capacidade de auditoria junto das entidades de forma a garantir a qualidade da oferta. Um modelo interessante para aplicar ao sistema de formação profissional é o do sistema nacional de qualidade baseado nas normas ISO que funciona com base em auditorias realizadas por auditores certificados
  • Adopção de técnicas pedagógicas e formativas centradas na resolução de casos práticos e de problemas. Para desenvolver competências de forma mais acelerada, são necessárias metodologias mais flexíveis de auto-formação, formação no posto de trabalho, formação à distância e capacidade de reconhecer as competências adquiridas ao longo da vida




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