Muito antes do primeiro-ministro apontar aos portugueses outros caminhos já os jovens, estudantes universitários, aspiravam a uma carreira e uma experiência internacionais. Os números da adesão crescente ao Programa InovContacto (que evoluiu de 88 participantes na edição de 2007/2008 para 550 na última edição) e ao Erasmus comprovam-no. E foi nos últimos anos, notória a vontade dos recém-licenciados em investir na sua formação, qualificação e carreira noutros países e das empresas em recrutar profissionais com experiência de carreira global.
Muito antes de Pedro Passos Coelho dizer aos portugueses que há mundo além de Portugal, já muitos dos nossos melhores profissionais se posicionavam em lugares de destaque nalgumas das principais multinacionais lá fora. Se foi a necessidade ou a vontade a ditar a saída do país, a realidade é que são cada vez mais os profissionais lusos a dar cartas no mercado internacional e a demonstrar que para além de uma oportunidade de emprego, trabalhar noutro país pode ser uma importante alavanca na carreira. Talvez por isso, para grande parte dos especialistas, o desafio do país tem de se centrar não em impedir a saída destes profissionais, mas em criar condições para o seu regresso, de modo a que coloquem o conhecimento alcançado lá fora ao serviço do país.
No ano passado, entre 100 e 120 mil portugueses deixaram Portugal para abraçarem uma carreira além-fronteiras. Os números são da secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas que não tem dados exatos sobre as saídas do país, mas reconhece que é nítido o seu aumento nos últimos quatro a cinco anos. Igualmente relevante é o perfil cada vez mais jovem e altamente qualificado dos novos emigrantes portugueses, cujos qualificações académicas são muito valorizados e reconhecidos lá fora. Nunca uma geração nacional emigrou com tanta qualificação. E o movimento, que é mais intenso nos últimos anos, já se iniciou há algum tempo. Emigram em busca de melhores condições, de oportunidades de estágio, mas também para conhecer outras realidades e evoluir profissionalmente noutras culturas empresariais.
Assim fez José Duarte, o presidente da Global Services e Corporate Officer da SAP AG. O português figura no ranking dos profissionais lusos mais bem cotados além-fronteiras e é visto como um símbolo de sucesso em território nacional. Tem 43 anos e em 1996 colocou os pés no mundo. Vive desde 2008 em França, mas já andou por outras paragens. “Nos primeiros anos mantive a família em Portugal e fiz commuting na Europa”, relembra. José Duarte optou por deixar Portugal quando surgiu a oportunidade de assumir a presidência da SAP na América Latina. Nesse momento mudou-se para Miami com a família, onde residiu por dois anos e meio. Foi mais tarde viver para França, ao assumir a liderança da empresa para a região da Europa, Médio Oriente e África.
A saída de José Duarte de Portugal foi tanto pela oportunidade de trabalho, como pela vontade de conhecer mais mundo e viver diferentes realidades. O líder sempre se sentiu atraído pela experiência de vida, a sofisticação das realidades empresariais internacionais, a diversidade de culturas e formas de ser. Componentes que o aliciaram a uma experiência internacional que, reconhece, foi sobretudo motivada pelas perspetivas de crescimento profissional.
Mas ainda que reconheça os benefícios de evolução de uma carreira internacional e que aconselhe a experiência, José Duarte é crítico e perentório em afirmar que “um primeiro-ministro não deve convidar os seus concidadãos a abandonar o país” e adianta que este “apelo” pode ser uma clara demonstração de falta de fé no futuro “. O líder da SAP diz que há uma clara diferença entre emigrar por opção e emigrar por determinação e enfatiza que “o último a perder a fé tem de ser o máximo governante do país”. Mas reconhece: “claramente não teria chegado aqui, nem ter a experiência que tenho, se tivesse continuado em Portugal”. Falta a Portuga “um projeto e uma visão para se tornar numa nação profissionalmente aliciante”, lamenta. José Duarte confessa que num futuro próximo não pensa regressar a Portugal, mas não diz nunca. Aliás, José acredita que um dos grandes desafios do país é exatamente criar as bases necessárias para ser atrativo ao regresso dos talentos que partiram. Mais do que travar a saída dos profissionais qualificados, há que criar condições para os trazer de volta (ver entrevista).
Uma opinião que também já foi partilhada por António Barreto, muito antes do polémico apelo do primeiro-ministro. Na altura, sociólogo defendeu a importância do país criar condições para ser aliciante ao regresso dos talentos que tem espalhados pelo mundo. O país, salientou, não pode impedir que os qualificados saiam. Para António Barreto pode até ser importante que Portugal dê asas aos seus profissionais e os deixe experienciar no estrangeiro outras práticas e métodos, ganhar terreno e experiência, mas “é determinante que saiba criar condições para o seu regresso de modo a que possam colocar ao serviço do país o fruto da sua aprendizagem e evolução além-fronteiras”. Saber criar condições para que os profissionais qualificados regressem deve ser a missão do país.
Brasil, Angola, Alemanha, França, Suécia, Reino Unido, Noruega, Holanda, Finlândia e Suíça figuram entre os países que mais procuram trabalhadores portugueses em várias áreas, da engenharia à saúde, sem deixar de lado a gestão, a economia, a arquitetura ou outras. Uma procura que tem crescido, fruto também do crescente reconhecimento que os profissionais portugueses têm vindo a alcançar noutros países. E se a alguns preocupa o facto de Portugal estar a permitir e até incentivar esta fuga de cérebros, quem já viveu a experiência da internacionalização acredita que o país beneficia muito pelo facto dos seus profissionais estarem expostos à cultura organizacional de empresas estrangeiras, até porque a experiência internacional é cada vez mais importante na formação de qualquer profissional e também, cada vez mais valorizada nos processos de recrutamento. Será portanto um contra-senso querer reter os recém-licenciados e depois pedir-lhes experiência internacional como requisito no momento de recrutar.
E esse é um requisito com um peso cada vez maior para quem recruta. Álvaro Fernandéz, diretor-geral da empresa de recrutamento especializado Michael Page, confirma a crescente valorização da experiência internacional entre os recrutadores e acrescenta que “as próprias universidades há muito que orientam os seus estudantes para uma carreira á escala global”. Para o especialista, Portugal sempre foi um exportador de talento, ainda que nos últimos cinco anos, com a crescente internacionalização das empresas portuguesas, o perfil dos novos emigrantes tenha ganho uma grande qualificação. 2011 foi sem dúvida o ano de consolidação deste mercado global para os trabalhadores portugueses. Um comportamento que Álvaro fernandéz, reconhece poder estar ligado às crescentes dificuldades que os jovens têm em conseguir o primeiro emprego no país. “Portugal oferece contratos de estágio e situações temporárias de trabalho aos seus recém-licenciados e nesta matéria o estrangeiro é muito aliciante, não só em oportunidades de carreira, mas também ao nível da aprendizagem que possibilita, porque não é fácil encontrar projetos de responsabilidade em Portugal quando se sai da universidade”, explica o líder da Michael Page enfatizando: “porque não podem ir os jovens lá fora ganhar experiência e competências que o país atualmente não lhes pode dar e depois regressarem?”.
E à luz dos dados mais recentes do Eurostat, relativos à subida da taxa de desemprego entre os jovens licenciados em Portugal – que revela que 30% dos jovens com mais de 25 anos enfrenta uma situação de desemprego –, a emigração dos diplomados portugueses vai continuar a crescer. Talvez por isso seja cada vez mais do senso comum que a grande batalha nacional não deve ser travar esta saída, mas criar boas oportunidades no tecido empresarial e na economia nacional para aliciar os talentos nacionais ao regresso. E para Álvaro Fernandéz isso terá forçosamente de passar por uma maior profissionalização das empresas portuguesas. “É fundamental que as empresas nacionais otimizem as suas estruturas a uma escala de práticas multinacionais, orientadas para a performance onde os processos de progressão na carreira são geridos profissionalmente e não por acaso”, explica adiantando que “os que talentos que partem tem de sentir que no seu país também vão encontrar empresas operacionalizadas ao mais alto nível”. Depois, diz ainda Férnandéz, “há que equiparar as leis laborais ao melhor da Europa, sobretudo no que toca à mobilidade entre empresas e às oportunidades geradas no mercado”. Uma estratégia da qual depende a recuperação de talentos.
“Não teria chegado onde estou, em Portugal”
José Duarte
43 anos
Presidente de Global servisses e Corporate Officer da SAP AG
P: Portugal enfrenta neste momento um crescimento exponencial da emigração dos seus profissionais qualificados. Encara isto como um problema ou antes uma oportunidade para o país mostrar valor além-fronteiras?
R: Claramente há um fluxo migratório de recursos qualificados que não se verificava anos antes. Recordo-me perfeitamente de desafiar múltiplas pessoas para uma aventura internacional e de receber frequentemente respostas negativas, tendo como desculpa o conforto vivido em Portugal. A situação alterou-se radicalmente e este fluxo pode ser tanto uma oportunidade ou um risco sério para o país. A oportunidade só poderá ser capitalizada se a nossa diplomacia passar de ter a lamentável atitude passiva que hoje tem relativamente a quadros expatriados e os encorajar rumo a atividades que fomentem uma maior ligação com a pátria, o fluxo de ideias, iniciativas e aprendizagens para o país. Caso contrário, este é um sério risco para o país.
P: O primeiro-ministro Pedro Passos Coelho incentivou recentemente os portugueses no desemprego a procurarem soluções laborais noutros países. O que lhe parece este conselho?
R: Creio que um primeiro-ministro não deve convidar os seus concidadãos a abandonar o país. Parece-me uma demonstração da falta de fé no futuro e o último a perder a fé tem de ser o máximo governante do país. A solução para Portugal é a criação de emprego no país e não a emigração.
P: Em algum momento sentiu que não poderia crescer profissionalmente em Portugal?
R: Claramente não teria chegado onde estou, ter a experiência que tenho, continuando em Portugal. Dada a globalidade da minha função, a carreira internacional e a abertura a viver em vários países é uma condição essencial. Não sai de Portugal por ser Portugal, sai porque tinha projetos atrativos à minha frente. Creio que esta é sempre a melhor forma de mudar: o querer fazer algo e não o querer fugir de algo.
P: Que vantagens encontrou numa carreira internacional?
R: Muitas. A exposição á diversidade cultural, a diferentes formas de fazer negócio, o reconhecer que o mundo é global e não está restringido ao nosso pequeno e maravilhoso país. Uma carreira internacional pode abrir os horizontes de uma forma que uma carreira doméstica não consegue.
P: O que é que para si fala ao país para conseguir reter os seus talentos e ser uma nação profissionalmente aliciante?
R: Falta um projeto, uma visão. Portugal tem de definir o que quer dentro de 15 anos e construir esse projeto de forma inclusiva, envolvendo cidadãos, universidades, empresas e, naturalmente, o Governo. Creio em Portugal e espero sinceramente que este clima de crise seja o catalisador para esta grande transformação de instituições e ambições, de que tanto necessitamos.
P: Acredita que alcançaremos a breve prazo esta estratégia de reconquista de talentos?
R: Sou otimista. Acredito que sim, criando emprego e ambição, tendo uma visão para o futuro. Criando esperança.