Marisa Antunes
Já lá vai o tempo em que os chefes eram tiranos e controladores e os empregados para serem considerados competentes tinham de ser sisudos e em permanente tensão. Nas novas tendências de gestão de carreiras, onde as grandes bandeiras passaram a ser o trabalho em equipa e retenção de talentos, o mau humor é o estado de espírito menos desejado nas organizações empresariais. Quem quer profissionais que provocam mau ambiente e má interacção no grupo de trabalho, com as consequências directas na produtividade e no absentismo?
O humor está pois, a ser tratado como um assunto muito sério nas organizações empresariais das sociedades ditas modernas. Como atesta o mais recente livro de Adrian Gostick e Scott Christopher, cujo lançamento está previsto para final deste mês, mas que já é citado em jornais de referência como o ‘New York Times', um ambiente de trabalho em que a pessoa pode permitir-se ser bem humorada (mas sem exageros), é fundamental para impulsionar a motivação e a produtividade.
‘The Levity Effect: Why It Pays to Lighten Up' (‘O efeito leveza: por que vale a pena tornar-se mais leve'), assim se chama o livro do consultor sobre a motivação no trabalho e do colunista da revista ‘Human Capital', que reúne uma série de pesquisas que confirma essa regra. Um dos estudos citados, publicado na ‘Harvard Business Review', concluiu que os executivos descritos por colegas de trabalho como bem-humorados “chegam até a vida corporativa mais rapidamente, e ganham mais dinheiro que seus colegas”. Ou a pesquisa que incidiu em 1000 trabalhadores, feita pela empresa de consultoria Ipsos, que constatou que aqueles que classificam os seus chefes com um humor “acima da média” tinham uma probabilidade de 90% de ficarem nos seus empregos por mais de um ano. Caso trabalhassem com um chefe irritante, a probabilidade caía quase 30%.
Criar um bom ambiente pode passar por algo tão simples como instalar uma zona de lazer para os trabalhadores, organizar jogos desportivos que favoreçam o convívio ou proporcionar espectáculos motivacionais que estimulem a criatividade e a interacção.
As palestras do Tochas
Atento a este fenómeno, o comediante Pedro Tochas, que ficou popularmente conhecido como o louco CEO da água Frize, tem vindo a desenvolver junto das empresas um trabalho onde incentiva, através do humor, os profissionais a serem mais positivos, menos problemáticos e a “pensarem fora da caixa”, como gosta de acentuar.
“Uma boa parte das empresas em Portugal tem um grave problema de comunicação: comunicar o que fazem, comunicar com os empregados, com os clientes ou com os fornecedores. Imaginem o que é dissertar sobre esses tópicos, mas com humor”, explica o «performer», actualmente um dos «speakers» agenciado pela empresa Izi Palestras.
A frequência no curso de engenharia química, que interrompeu quando decidiu ser comediante, abriu-lhe as primeiras portas das palestras motivacionais ao ser convidado pela farmacêutica Jaba, que via nele um bom exemplo de quem não tem medo de arriscar. A partir daí não mais parou e tem somado apresentações em empresas como a Sonae, HP ou Vodafone, entre outras.
Consoante o objectivo que lhe é pedido, Tochas é sempre meticuloso na sua apresentação até mesmo quando parece estar a improvisar. “Sou irreverente e faço piadas mas sempre de forma respeitosa. Às vezes, com uma só piada é possível quebrar o gelo e mostrar o administrador com uma outra luz perante a sala toda. E algo tão simples como rir revela logo abertura e comunicação”, conta o comediante, recordando um episódio em que pôs o patrão da Sonae, Belmiro de Azevedo muito bem-humorado, causando uma reacção em cadeia em todos os presentes.
A sua colaboração com a Sonae começou há três anos e tem vindo a desdobrar-se em acções onde a gestão é sempre o fio condutor, porém com públicos diferenciados. Mas, como revela fonte institucional da empresa, independentemente do público-alvo, “Pedro Tochas recolhe antecipadamente informação, coloca questões, afere sensibilidades e adiciona humor às mensagens, que desta forma atingem mais certeiramente os objectivos. No final das intervenções tem a preocupação de se sentir avaliado, não só pelos aplausos da audiência, mas pela análise da sua «performance» tendo em conta os objectivos inicialmente definidos”.
Também o director de Marketing da HP, João Moro, lembra a actuação de Tochas no ano passado como um momento que foi além do lúdico: “Além do humor e dinâmica do próprio espectáculo muitos momentos da actuação foram construídos com base em mensagens comunicadas na sessão de trabalho. E esse foi um dos grandes valores acrescentados da actuação”.
As experiências de Pedro Tochas já serviram, aliás, de suporte a um trabalho de mestrado da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, da Universidade Fernando Pessoa, com o sugestivo título ‘Humor em tempos de cólera'. Marbino Resende, o autor, partiu de um universo de instituições como a Fepsa, a Flexitex ou os trabalhadores do museu da Chapelaria para testar as suas reacções àquilo que designou “programa de intervenção fundamentado no humor”. Ao humorista Pedro Tochas coube a tarefa de apresentar esse programa aos “actores organizacionais”.
“O que quisemos saber era se, de alguma maneira, o fenómeno humorístico não poderia também trazer vantagens que melhorassem a «performance» destes actores organizacionais, não só por via do próprio clima de trabalho mas também através de mudanças cognitivas”, explica Marbino Resende.
As conclusões da prática vieram confirmar o que se sabe na teoria. “A ideia de que o humor é um agente aglutinador (desde que não resvale para a chacota) e propiciador de um bom ambiente organizacional parece geralmente consensual e bem aceite. O humor é considerado um lubrificante que permite que as pessoas interajam e se acertem melhor nas suas tarefas, por vezes, interconflitivas”, conclui o especialista.