Cátia Mateus, Diogo Archer, Fernanda Pedro, Maribela Freitas e Ruben Eiras
MUITA «garra» e paixão no trabalho são o mote para conseguir trilhar uma carreira na situação de instabilidade laboral que caracteriza o mercado artístico português. Susana Mendes protagoniza uma dessas lutas diárias.
Com efeito, a representação sempre a fascinou. A arte de vestir e despir os inúmeros personagens que o imaginário humano consegue criar é a razão de ser desta jovem actriz, com 22 anos, que o filme Kiss me de António Cunha Telles apresentou ao público.
Com o olhar sonhador e a postura firme de quem acredita ter escolhido o caminho certo, afirma sem hesitações que «não poderia ter escolhido outra profissão». À instabilidade e dificuldades associadas à carreira de actriz, Susana respondeu com a vocação e ingressou na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, no curso de teatro, opção Formação de Actores.
Apesar das constantes advertências sobre as dificuldades de um actor no mundo do trabalho, confessa que não hesitou no momento da escolha. «Quando se sente que só aquilo nos fará sentir realizados, não se tem medo», explica. Mas confessa: «Hoje sinto mais as dificuldades e frustrações que acompanham esta carreira do que quando decidi que esta era a profissão que queria seguir».
Estreou-se como actriz no filme Kiss me, que reúne um elenco de luxo, mas nem por isso se deixou deslumbrar. «Mais difícil do que entrar no mercado de trabalho é manter-se nele, o que para quem começa não é de todo fácil», refere. No ano em que entrou no Conservatório concorreram cerca de 480 alunos para apenas 25 vagas a nível nacional. Um panorama que ilustra bem a situação do mercado de trabalho.
Susana Mendes não tem dúvidas de que Portugal e a produção nacional são muito pequenos para tantos profissionais. Ainda assim, a jovem diz que, «para quem acaba de sair do conservatório, ter a oportunidade de participar numa longa-metragem é raro». Da sua primeira incursão na carreira de actriz retira o privilégio da experiência. Para o futuro, apenas espera ter trabalho, muito trabalho!
Outro caso de luta pela afirmação no mercado artístico nacional é Ana Maia, uma jovem aprendiz de violino. Aos 21 anos, divide o seu tempo entre o primeiro ano da licenciatura de Instrumentista de Orquestra, na Academia Nacional Superior de Orquestra, e os ensaios necessários a quem faz da música uma forma de vida. Para trás ficaram oito anos de ensino complementar no Conservatório.
Integrar uma orquestra é a grande ambição desta jovem, que sabe de antemão que o futuro não será fácil. «Um músico actualmente não sobrevive só com o trabalho numa orquestra e tem de aproveitar todas as valências que a sua formação possibilita, incluindo a vertente de ensino», explica.
Por outro lado, Ana Maia revela que chegar a uma orquestra profissional não é fácil. Mesmo assim, na altura de optar por uma carreira, o sonho falou mais alto. De violino em punho, a jovem não esconde que a assusta o futuro e a questão do desemprego. Mas com o sentido prático que a caracteriza lá vai dizendo que, nesta como noutras profissões, «a vida não é fácil, o importante é não desistir».
Sofia Inácio, bailarina da Companhia de Bailado da Gulbenkian e formada em dança pela Escola Superior de Dança de Lisboa, refere que «o panorama da dança profissional é complicado, é preciso formar mais companhias. Para quem escolhe a via ensino, a situação é melhor porque as escolas secundárias apostam mais nas actividades extra-curriculares», remata a bailarina, actualmente a completar a licenciatura.
Cultura empregável
SER artista em Portugal não é difícil, o difícil é viver da arte. Mas nem todos aqueles que tiram um curso ligado às artes têm necessariamente de ser artistas. O percurso profissional pode seguir diversas vias. O ensino é quase sempre a primeira alternativa para os jovens licenciados, mas com as listas de professores saturadas essa solução também já não é a mais procurada.
De acordo com Sílvia Chicó, vice-presidente do conselho directivo da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, «os alunos que frequentam os nossos cursos já têm a noção que a procura de um trabalho na sua área é sempre uma tarefa difícil e que o leque da procura tem de se diversificar».
A responsável salienta ainda que existe mercado em Portugal para os artistas, «além de que a formação em arte pode ser direccionada para outros sectores, tais como nas áreas da cultura, do turismo e mesmo da arquitectura».
Mas para se estreitar essa relação, Sílvia Chicó considera que se deve mudar a mentalidade em Portugal. «Essa mudança passa pela sensibilização de que a arte é uma coisa estruturante e que a educação artística tem de se efectuar no início do ensino», remata a docente.
Uma sensibilização que já está há muito incutida na maioria dos encarregados de educação. Albino Almeida, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), salienta o facto de que uma das maiores preocupações dos pais neste momento é que as escolas ponham em prática um tema fundamental para o ensino das novas gerações, a «educação pela arte». Nesse sentido, o responsável pela CONFAP, que tem neste momento como associados 1600 associações de pais de todo o país, garante que todos os pais estão conscientes e empenhados na transmissão da ideia «educar pela arte».
Por esse motivo, a CONFAP tem em projecto um documento que irá levar ao Governo sobre a necessidade de as escolas se empenharem mais nesse sentido, além disso vão também pedir mais ensino profissional artístico. «A formação profissional também tem de ser reforçada nesta área, porque existem sectores onde faltam profissionais com formação artística, como por exemplo no turismo e na divulgação do nosso património e da nossa cultura», salienta o responsável.
A formação artística e cultural é fulcral para cimentar uma boa empregabilidade. Amândio da Fonseca, director-geral da Egor, uma empresa de recrutamento, refere que quando as potencialidades humanas têm a oportunidade de se desenvolverem integralmente, as pessoas obtêm mais qualificações para se adaptarem à mudança.
Além disso, aquele recrutador sublinha que actualmente a educação cultural e artística tem uma importância absolutamente decisiva na medida em que uma parte da humanidade está já a fazer a transição da era do conhecimento para a da criatividade.
Oferta cresce
A FORMAÇÃO nas artes começa a descentralizar-se das grandes metrópoles de Lisboa e Porto para outras zonas do Litoral do país. Um dos exemplos é a recente abertura de um curso de Dança no centro do país em Leiria.
«A criação de um curso de dança no Instituto Politécnico de Leiria (IPL) surge pela abertura da escola às artes performativas», explica Luciano de Almeida, presidente da instituição de ensino. O curso está já aprovado, mas pela exigência da realização de pré-requisitos só no próximo ano é que irá receber os seus primeiros alunos.
O responsável do IPL explica que «o nosso objectivo é intervir nas artes, proporcionando uma oferta nesta área mais a norte do país. No fundo queremos estimular novas iniciativas artísticas». A licenciatura em dança — da Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha do IPL —, vai estar direccionada para a preparação de profissionais para integrarem a vertente das artes do espectáculo.
Luciano de Almeida explica ainda que grande parte da oferta de trabalho nesta área se concentra em Lisboa e Porto. Com a descentralização, o IPL quer inverter esta tendência. «Queremos que os nossos alunos terminem os cursos e não fiquem à espera que lhes surja um emprego no colo, devem sim apostar na criação da sua própria actividade», finaliza o responsável.
Teatro com emprego garantido em Lisboa
Carlos Pessoa é director do departamento de teatro da Escola Superior de Teatro e Cinema do Instituto Politécnico de Lisboa, onde são leccionados os cursos de bacharelato em: formação de actores; produção; realização plástica de espectáculos e estudos teatrais, e as licenciaturas em: actores/encenadores; realização plástica de espectáculos e estudos teatrais.
O professor chama a atenção para a proliferação de cursos na área teatral cuja acreditação é duvidosa. «A enorme oferta que existe e que se vê um pouco por toda a parte, nem sempre é sinónimo de qualidade», explica.
Quanto à empregabilidade nesta área e reportando-se à escola onde lecciona, Carlos Pessoa refere: «os nossos alunos conseguem integrar-se no teatro e televisão, o problema é agarrá-los durante o curso, pois muitos começam a trabalhar quando ainda estão a estudar».
Apesar deste cenário, existem problemas laborais neste sector. «A empregabilidade existe mas é precária, não existindo um enquadramento profissional e social adequado», conclui Carlos Pessoa.