Susana Branco
NUMA altura em que a distância entre uma licenciatura
e o emprego é cada vez maior, volta a fazer sentido optar por um
curso de Humanidades. Esgotada a via da docência, em finais dos
anos 90, as Letras começam agora a conquistar mais alunos e novos
mercados de trabalho.
Segundo um estudo realizado pelo Observatório de Emprego (OE),
projecto promovido pelo sector de Inserção Profissional
do Gabinete de Formação e Educação Contínua
da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), conclui-se que
num universo de 2060 alunos (correspondente ao total de diplomados entre
1999 e 2002 pelos diversos cursos promovidos na FLUP), 61, 9% encontram-se
já integrados no sistema de emprego, sendo que 51,5% obtiveram
trabalho em menos de três meses e apenas 10% estiveram mais de
um ano à procura de uma actividade profissional.
A partir de uma amostra válida, o OE destaca ainda a Administração,
com 11,9%, e a Formação Profissional, com 11%, como as
novas áreas profissionais para os licenciados em Letras.
Para Ana Monteiro, presidente do Conselho Directivo da FLUP, este poderá
ser o início de uma nova era: "O curso de história
foi a primeira vítima do desemprego na docência e, no entanto,
desde o ano passado que os 'numerus clausus' neste mesmo curso têm
vindo a aumentar".
Ao longo de 54 anos de funcionamento, a FLUP foi ampliando a oferta
inicial de licenciaturas de Línguas e Literaturas, contando actualmente
com mais de 50 cursos, entre licenciaturas, pós-graduações,
e mais de 20 cursos livres de línguas.
Um leque opcional vasto que cativou novos públicos e contraria
os efeitos dos últimos anos nas Faculdades de Letras, vítimas
de uma violenta estigmatização social traduzida na perda
crescente de público. "Temos cá a fazer o mestrado
em Texto Dramático inúmeros actores e actrizes, encenadores
e coreógrafos", sublinha Ana Monteiro.
A versatilidade dos cursos de Letras é igualmente sustentada
por alguns dos ex-alunos da FLUP, bem como pela diversidade das suas
actividades laborais.
O deputado Augusto Santos Silva, licenciado em História e doutorado
em Filosofia, sublinha que "a vantagem destes cursos de banda
larga está em oferecer às pessoas a oportunidade de uma
formação geral de índole cultural bastante sólida
e esse foi um dos recursos principais que recolhi para a minha formação,
quer na área das ciências sociais, quer em teoria política".
Uma opinião partilhada por Eduardo Machado, responsável
por uma empresa de consultoria de gestão e o primeiro licenciado
em Filosofia, no Porto, a entrar para o Master and Business Administration
(MBA).
"A Filosofia deu-me uma maior capacidade para sistematizar os conhecimentos
no campo da gestão, uma área que é multidisciplinar",
refere aquele que foi o primeiro director da Escola de Comércio
do Porto.
De resto, a relevância dos conhecimentos adquiridos é salientada
pelo estudo do OE sobre a forma de acesso à actividade profissional
onde continua a prevalecer o concurso, com 24,1%, seguido por "redes
de conhecimento" e "candidatura espontânea", com
18,5% e 18,2% respectivamente.
Ana Monteiro lembra que até há pouco tempo era difícil
imaginar, por exemplo, um filósofo gestor, uma ideia que é
no entanto corrente na Europa e nos EUA: "Antes de criar um
novo produto, a Nokia aconselha-se com um filósofo norte-americano".
A actual generalização do desemprego aliada a uma consciência
crescente da necessidade de uma formação permanente ao
longo da vida são factores que, para o Conselho Directivo da
FLUP, criam uma nova oportunidade para evidenciar a importância
do conhecimento no domínio das Humanidades.
Fátima Barbosa, licenciada em Línguas e Literaturas Modernas,
é actualmente directora comercial de um grupo bancário
e sublinha a importância das Letras na sua vida profissional:
"Ninguém pode acabar um curso e ficar à espera
que o emprego surja e as Humanidades dão uma maior abertura para
qualquer tipo de formação e, no meu caso, foi importante
para eu ter uma melhor visão por exemplo na liderança
de equipas e de pessoas. Além disso as Letras permitem uma percepção
mais lata da vida e da evolução das coisas".
Já para Paula Ferreira Alves, licenciada em Filosofia e actual
decoradora de interiores, "a tendência para uma nova valorização
das Humanidades é um óptimo sinal, uma vez que face à
globalização a sociedade deve saber lidar, cada vez mais,
com a diversidade e demonstrar mais abertura em relação
a todas as lógicas".
Entre os licenciados activos, os cursos que detêm uma maior taxa
de empregabilidade são Línguas e Literaturas Modernas,
Geografia e Sociologia com percentagens de 46,2%, 16,4% e 10,6% respectivamente.
Ana Monteiro lembra aos portugueses, dos oito aos 80 anos, que a FLUP
é um espaço eficaz e eficiente para melhorar o desenvolvimento
científico, cultural, social e económico dos fazedores
da região em que se inscreve e do país a que pertence.