Trabalhe para si
O trabalho numa empresa envolve uma complexa teia de relações
e de meandros administrativos que podem conduzir o empregado de um departamento
para outro. E isto nem sempre significa que o seu desempenho actual corresponde
ao que havia almejado quando iniciou a sua formação académica
ou profissional. Surgem problemas de adaptação, frustrações
várias, enquanto se duplicam exigências e se retira no tempo
destinado a realizações fora do escritório.
É por isso que muitas pessoas começam a enveredar por
uma nova vaga de empreendimentos profissionais. Não aceitam mais
submeter-se às exigências dos empregadores e dão
os primeiros passos em carreiras a solo. Há uma série
de condições aconselháveis para ingressar numa
actividade em nome próprio. A saber: a ausência de dívidas
a saldar - uma vez que um empreendimento individual é sempre
um tiro no escuro - e um grande nível de confiança e de
auto-controlo, por forma a agilizar o processo de adaptação
a um ritmo diferente de trabalho.
Alguns profissionais escolhem trabalhar para si. Outros há que,
em virtude do somatório de circunstâncias diversas, não
têm outra alternativa, uma vez que, pela idade, habilitações
profissionais ou localização geográfica, não
conseguem um emprego a tempo inteiro que lhes seja apropriado. E há
também os prospectores desta nova vaga que, depois de experimentarem,
não se imaginam a voltar a trabalhar para uma organização
ou entidade colectiva.
Os mais puristas deste tipo de emprego desdenham os valores corporativistas
das grandes empresas e procuram autenticidade e autonomia no seu desempenho.
Alguns revelam-se cansados dos trâmites laborais subjacentes à
orgânica de uma grande empresa. Mas as motivações
podem ser outras. Há quem valorize acima de tudo a sua liberdade
e independência, por isso esforçam-se por perder o vínculo
com um patrão, o que, em última instância, lhes
permite a flexibilidade necessária para se dedicarem à
família ou aos seus hobbies.
Este tipo de trabalho, necessariamente mais autónomo, acompanha
uma tendência que deverá intensificar-se nos próximos
anos. Assiste-se, entretanto, a uma tentativa de simplificação
das intrincadas funções laborais por parte e dentro das
empresas. Certas áreas, que passam pela administração
dos recursos humanos e pelas comunicações, podem já
ser asseguradas a partir da residência dos responsáveis
por essas competências. Daqui resulta um atrofiamento progressivo
das demarcações dentro de uma empresa mas, ao mesmo tempo,
uma expansão do espectro de oportunidades para "free-lancers"
e outras pessoas que trabalham numa base independente.
Factores psicológicos
Agora que o contrato tradicional de trabalho se vai erodindo nas suas
cláusulas principais, a separação entre o trabalho
autónomo e um trabalho mais corporativo vai-se afundando. Na
realidade, é do interesse dos trabalhadores de ambos os tipos
assumirem plena responsabilidade pelas suas competências profissionais
e pela sua progressão financeira. Mas há diferenças
que subsistem, algumas de ordem psicológica. Quando se trabalha
para uma entidade empregadora, tem-se uma rede de segurança sustentada,
um planeamento de reforma elaborado e uma série de direitos ao
abrigo da legislação em vigor. A ter em conta são
também o apoio e a camaradagem entre os membros da comunidade
de trabalhadores de uma empresa, com os quais se estabelecem tantas
vezes relações de grande proximidade.
Os trabalhadores que abandonam um emprego seguro e decidem tentar a
sua sorte numa base mais autónoma são, não raras
as vezes, confrontados com uma certa inoperância face aos recursos
mínimos em que podem confiar e a uma responsabilização
e controlo galopantes de todas as áreas em que se ramifica a
sua actividade. As redes de protecção desaparecem, bem
como a garantia de uma remuneração periódica. A
liberdade de movimentos tem o seu preço. O balanço entre
o trabalho e a vida fora do escritório pode ser difícil
de aferir. E o trabalhador pode achar-se na posição de
ter de laborar quase a tempo inteiro, tal é a absorção
de intelecto e agilidade que actividades não partilhadas demandam.
Mitos e factos
Por ainda não estar radicada no funcionamento mais costumado
da actividade profissional, o trabalho autónomo encontra-se atravessado
de mitos. Mitos, aliás, que a sua própria essência
pode induzir. A busca incessante de autonomia por si só não
constitui um pré-requisito de sucesso. Muitos operadores há
que se preocupam menos com questões de liderança e mais
com a realização pessoal no uso pleno das suas capacidades.
Estes trabalhadores não têm de ser sempre empreendedores
visionários, que gostam de correr riscos diários. O que
importa é que sejam organizados, se mostrem capazes e consigam
produzir com os menores custos.
Helder Gomes