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Prémio Nobel tem 100 anos



01.01.2000



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Prémio Nobel tem 100 anos

Autor: Gonçalo Castelo Branco, Bioquimica.Online.pt

No passado mês de Dezembro de 2001, o Comité Nobel comemorou 100 anos de atribuição de prémios Nobel. Na área da Medicina e/ou Fisiologia, esta efeméride foi mote para a realização de um simpósio denominado "Beyond Genes", que decorreu entre 6 e 8 de Dezembro no Instituto Karolinska, Estocolmo, Suécia. O Bioquimica.Online.pt esteve presente na maior parte das secções organizadas e apresenta aqui uma reportagem sobre o evento. O simpósio foi dividido em 5 sessões, tendo como temas A Célula, Desenvolvimento, O Cérebro, Medicina Molecular e Evolução. O objectivo principal seria dar uma panorâmica do estado da arte da investigação nas áreas referidas e a partir daí estabelecer pontes sobre o que nos reserva o futuro. Para isso foram convidados diversos cientistas de renome, entre os quais 5 Prémios Nobel em Medicina e/ou Fisiologia

Os comentários introdutórios foram da responsabilidade de James Watson (Cold Spring Harbor, EUA), prémio Nobel em Medicina ou Fisiologia em 1962, juntamente com Francis Crick, pela proposta da estrutura em dupla hélice do DNA. Watson fez uma resenha histórica dos eventos que levaram à descoberta da estrutura do DNA e da investigação subsequente sobre os mecanismos de funcionamento das DNA polimerases. Relembrou como era feita a Ciência umas décadas atrás, em que a comunidade científica internacional era muito mais pequena e em que não havia o sistema de peer-review. A sua intervenção serviu igualmente para salientar o extraordinário avanço científico na área da biologia molecular, cuja fundação se deve a Watson e Crick há somente 49 anos atrás. (ver conferência em formato Real video - site da fundação Nobel) O Prémio Nobel de 1999 Günter Blobel (Rockefeller University, EUA) deu início à primeira sessão, dedicada à Célula. Roger Kornberg (Standford University, EUA) prosseguiu na linha de James Watson, falando sobre o sistema de transcrição genética eucariótico. Kornberg analisou os mais recentes avanços a nível da análise estrutural da RNA polimeráse II e sua interacção com co-factores e com o DNA no momento da transcrição.

Kim Nasmyth (Institute of Molecular Pathology, Austria) debruçou-se sobre o modo como as células asseguram que os cromatídeos irmãos se segregam para pólos opostos da célula durante a meiose, referindo as enzimas envolvidas no processo (complexo da coesina e separase) e apresentando um modelo extremamente interessante, mas bastante especulativo. Uma intervenção vibrante e cheia de humor de um dos principais colaboradores de 2 dos prémios Nobel para a Medicina ou Fisiologia deste ano. Segui-se um dos favoritos para a atribuição de Prémio Nobel nos anos futuros, Tony Hunter (Salk Institute, EUA). Hunter, um dos pioneiros na área da fosforilação proteica (cinases e fosfatases), delineou o panorama actual na investigação deste sistema fundamental na sinalização celular e realçou as avanços obtidos na terapia de certas doenças cancerígenas com o tratamento com inibidores de cinases (Gleevec). Uma intervenção no entanto não muito cativante, ao contrário da de Roger Tsien (University of California, EUA), que apresentou uma série de instrumentos que poderão levar a avanços importantes na investigação em sinalização intracelular in vivo. Tsien apresentou as diferentes cores que podem ser utilizadas com base na tecnologia da proteína GFP (Green Fluorescent Protein), de modo a permitir a marcação em simultâneo de diferentes proteínas, fundidas com proteínas com diferentes propriedades colorimétricas. Esta tecnologia permite igualmente a fusão de uma determinada proteína com 2 variantes da GFP, que apresentam determinada cor quando separadas, mas que, com uma diferente conformação da proteína que permita a sua aproximação e logo "quenching", emitem a um diferente comprimento de onda. A alteração da conformação pode ser determinada por fenómenos como fosforilação proteica ou ligação de iões de Ca2+, que podem assim ser analisados em tempo real. Um dos exemplos apresentados por Tsien foi um vídeo mostrando ondas de Ca2+ ao longo de uma célula muscular, aquando da sua contracção. Este cientista realçou igualmente as desvantagens na utilização de uma proteína como marcador fluoróforo (nomeadamente a nível das possíveis alterações funcionais da proteína em estudo a que está fundida) e apresentou uma nova gerações de fluróforos, de peso molecular reduzido e com a capacidade de se ligar a conformações proteicas especificas, que poderão constituir o futuro nesta área. Contudo, estas novas moléculas contém elementos extremamente tóxicos como o arsénio, o que é um obstáculo à sua utilização corrente.

A sessão de Desenvolvimento, tendo Christiane Nüsslein-Volhard (Max-Planck Intitute, Alemanha) como moderadora, iniciou-se com a intervenção de Elisabeth Robertson (Harvard University, EUA), uma das pioneiras na utilização de células estaminais embrionárias de ratinho como utensílios de análise genética (nomeadamente a geração de ratinhos knock-out). Robertson dissertou sobre os padrões de desenvolvimento nas fases iniciais de embriões de ratinho.Estes padrões envolvem a activação de genes específicos.Um deles, como o membro da família TGFb nodal, determina o desenvolvimento do organismo nos seus eixos anterior - posterior e lateral.

Denis Duboule (University of Geneva, Suiça) abordou a mesma questão, mas tendo meta - genes (genes que se agrupam num determinado cromossoma, alguns deles sob controlo dos mesmos promotores ou enhancers) como Hox como ponto de partida. O Bioquimica.Online.pt não esteve presente nas restantes palestras desta secção.

O segundo dia iniciou-se com a secção de O Cérebro, tendo Torsten Wiesel (Rockfeller University, EUA) como moderador. Bert Sakmann (Max-Planck Institute, Alemanha), prémio Nobel em 1991 pela descoberta de canais iónicos singulares em células, apresentou vias de sinalização entre neurónios do córtex cerebral, mostrando resultados de análises por patch-clamp in vivo e visualização de contactos sinápticos igualmente in vivo. Uma apresentação interessante, mas difícil de acompanhar para leigos na área.

Linda Buck (Harvard Medical School, EUA) apresentou o complexo mundo do cheiro, em que uma panóplia de receptores localizados na zona do nariz é responsável pela captação e codificação de estímulos olfactivos e de feromonas.Cheiros tão dissimilares como o de um pêra e o de uma banana podem ser apresentados ao organismos por moléculas praticamente idênticas, com variações mínimas. Estas pequenas diferenças podem ser suficientes para que as moléculas sejam reconhecidas por um conjunto de receptores olfactivos diferentes e logo transmitirem a informação para o cérebro de diferente maneira, originando diferentes assimilações sensoriais. Um sistema fascinante, tal como o apresentado por Eric Kandel (Columbia University, EUA), prémio Nobel para a Medicina ou Fisiologia de 2000, para os mecanismos intracelulares da potenciação de longo termo de certas sinapses, que se pensa ser responsável pela memória. Kandel apresentou um possível modelo para este fenómeno, em que proteínas com características similares a priões modelariam a síntese proteica a nível dos terminais sinápticos, determinando a sensitização dessa via sináptica e logo a geração de memórias. A sessão sobre o Cérebro terminou com Ritta Hari (Helsinki University of Technology, Finlândia), que apresentou os avanços tecnológicos do magneto - encefalograma, aparelho electrofisiológico desenvolvido no seu laboratório e usado em estudos de comportamento e activação de áreas cerebrais especificas. Hari apresentou diversos paradigmas utilizados nas suas experiências, nomeadamente o sistema neuronal imagem - espelho humano.

O Bioquimica.Online.pt não esteve presente nas sessões Medicina Molecular e Evolução.

O simpósio foi encerrado com uma palestra de Harold Varmus, prémio Nobel em 1989 pela descoberta dos oncogenes, presidente do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center em Nova York e ex-director do National Institute of Health americano. Tendo como título "A biomedicina no Século 21", a intervenção de Varmus virou-se mais para a relação entre a Ciência e a Sociedade, pecando por defeito na componente de perspectivas de futuro para a Ciência, que era afinal o tema do Simpósio. es.

Varmus salientou o facto da investigação actual ser movida por interesses fundamentalmente económicos, dando como exemplo a enorme discrepância entre os fundos libertados para a investigação da SIDA (doença principalmente ocidental neste momento, mas com tendência para se tornar um flagelo a nível do Terceiro Mundo) e da malária (patologia encontrada quase exclusivamente em países do Terceiro Mundo). Varmus insistiu na necessidade de preparar os países do Terceiro Mundo para a investigação, equipando-os e promovendo a formação de quadros científicos competentes. Mencionou a ideia da criação de um Corpo de Intervenção Científico sob a égide das Nações Unidas, que seria constituídos por cientistas qualificados de diferentes nacionalidades, que se poderiam deslocar a países subdesenvolvidos, para a criação de estruturas de investigação científica, orientadas para problemas locais. Outra medida proposta por Varmus para diminuir as assimetrias na Ciência entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos seria a criação de uma biblioteca científica mundial, de acesso pela Internet e totalmente gratuita (esta medida tem tido bastantes seguidores, mas não ainda os suficientes para demover as editoras das revistas científicas a liberar as suas publicações - ver artigo do Bioquimica.Online.pt sobre este tema).

No cômputo geral, o simpósio "Beyond Genes" cumpriu a sua missão de mostrar o panorama actual das principais vias de investigação nas áreas da Biomedicina e Fisiologia. O nível das apresentações foi bastante bom. Faltou talvez um pouco mais de discussão sobre as perspectivas futuras, de modo a permitir uma melhor integração de toda a informação apresentada. O vídeo deste simpósio encontra-se disponível em http://www.nobel.se/nobel/nobel-foundation/centennial-symposia/index.html.






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