Licenciados na rota da reconversão
Longe vai o tempo em que o grau académico de licenciatura significava
acesso imediato ao mercado de trabalho. O crescimento exponencial do número
de licenciados, a falta de bom senso na abertura de vagas para os cursos
superiores e, sobretudo, a ameaça de desemprego têm criado
nos jovens recém-diplomados a consciência da necessidade
de uma formação contínua. A busca de uma nova orientação
profissional tem de ser um esforço mediado entre os gabinetes de
apoio e os órgãos de soberania que trabalham nas áreas
da formação e do ensino superior. O futuro destes recém-licenciados
escreve-se com três Rs: Reciclar aptidões, Reutilizar conhecimentos
e Reconverter saberes.
Sendo a formação nas áreas das ciências sociais
e humanas a que menos escoamento profissional permite aos seus formandos,
consideremos três exemplos de recém-licenciados em ciências
da comunicação, geografia e planeamento regional e antropologia.
Maria Amélia Luís, socióloga do trabalho e formadora
profissional, aponta possíveis soluções para os
finalistas nessas áreas. Habituada a trabalhar com os estudantes
da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova
de Lisboa, a socióloga fala em nome da Unidade de Inserção
na Vida Activa (UNIVA) daquele estabelecimento.
Assim, um licenciado em ciências da comunicação
poderá efectuar uma acção de formação
em "tecnologias da informação e comunicação".
Desta forma, acrescenta ao seu currículo "um saber prático,
traduzido numa saída profissional ligada à produção
multimédia ou ainda no domínio do comércio electrónico
e lojas virtuais", esclarece. Um licenciado em geografia e
planeamento regional pode optar por desenvolver competências na
área da protecção do ambiente. Poderá seguir
um itinerário de qualificação designado por "controlo
de exploração de sistemas de abastecimento de água
e saneamento". Desta área formativa fazem parte módulos
técnicos e comportamentais que proporcionam saídas profissionais
mais alargadas. Já um licenciado em antropologia deverá
optar, por exemplo, pelo ingresso numa formação em práticas
integradas de recursos humanos. A socióloga refere que com esta
opção o formando pode "ambicionar vir a ser inserido
em departamentos de RH ou consultoras".
Perspectivas de progressão em novas tecnologias
Um cenário menos optimista é traçado pelo engenheiro
Rui Melo, presidente da Direcção da Associação
Nacional das Empresas das Tecnologias de Informação e
Electrónica (ANETIE). Contactado pelo Expresso Emprego, assume
que existe já um "mercado excedentário de quadros"
em novas tecnologias. Esclarece que a sua associação não
tem, neste momento, "qualquer pedido dos seus associados no
sentido da formação específica" nesta
área. É nas áreas de "gestão de
projectos e de negócios" que detecta necessidades maiores.
Contudo, aponta a importância de desenvolver "noções
vectoriais num mercado dinâmico", capazes de suprir as
"necessidades de requalificação da imensa capacidade
humana instalada". Por "noções vectoriais"
entenda-se o desenvolvimento de capacidades de resposta transversais
às várias áreas de actuação.
Um estudo de Julho de 2001, intitulado "O Sector das TI [Tecnologias
da Informação] em Portugal" e elaborado pela ANETIE,
tirava algumas conclusões animadoras. Tendo em conta o nível
de PIB "per capita" nacional, em Portugal "a dimensão
do mercado de TI apresenta-se superior ao que seria de esperar".
Esta conclusão é tanto mais válida quanto mais
considerarmos que Portugal acusa indicadores de TI "per capita"
inferiores aos da generalidade dos países. Como principais factores
de competitividade eram apontados "as parceiras, a qualidade
e o 'know-how' especializado". Seria então da exploração
desta última potencialidade que as TI conheceriam um maior progresso
e, simultaneamente, seriam dados aos licenciados de humanidades os instrumentos
de reconversão certos.
Mas, nestas matérias, Maria Amélia Luís prefere
falar de ampliação da formação por via de
saberes complementares por não considerar "a reconversão
profissional de uma maneira simplista". Diz que, à luz
da definição do Instituto do Emprego e Formação
Profissional (IEFP), reconverter um indivíduo profissionalmente
significa que ele "adquire ou completa uma qualificação
dentro da sua área de actividade, obtendo uma nova qualificação,
a que pode estar associada uma progressão escolar".
A acção governamental
O Ministério da Ciência e do Ensino Superior implementou
recentemente um pacote de iniciativas estratégicas para o fomento
da ciência e investigação no nosso país.
Estas são as pistas lançadas por Fátima Alves,
ao anunciar que "logo que os programas Futuro e Ciência
2010 forem aprovados, estes licenciados poderão candidatar-se
a bolsas" e "fazer a reconversão para novas
tecnologias". As reconversões "estarão
a cargo do INA, das universidades e politécnicos". O
Ministério espera que "essas candidaturas já possam
ocorrer no próximo mês de Julho". A par dos novos
programas, foi aprovado um regime de mecenato científico, que
prevê incentivos fiscais e de bolsas de formação.
Este é considerado "o maior investimento de sempre nesta
área em Portugal", lê-se no sítio do Ministério
em www.mces.gov.pt. Tendo como
horizonte o ano de 2010, a aposta mais forte destes programas será,
contudo, concentrada "já nos próximos três
anos".
No ano passado, recorda Maria Amélia Luís, surgiu o programa
FORDESQ (Programa de Acção para a Formação
de Qualificados Desempregados), que "veio possibilitar-nos encaminhar
os nossos licenciados em ciências sociais para duas áreas
- tecnologias da informação e da comunicação
e gestão empresarial". Num mesmo contexto, surgem os
cursos no âmbito da formação para activos qualificados
que, esclarece a socióloga, "preparam activos empregados
ou desempregados", investidos de qualificações
de nível superior, para "o desenvolvimento de competências
transversais e técnicas". Estes programas são,
assim, vistos como facilitadores da integração ou reintegração
no mercado de trabalho, e permitem acelerar o desenvolvimento das competências
em deficit no mundo empresarial.
A formadora profissional da UNIVA na faculdade onde trabalha é
peremptória ao concluir que, por se tratar de um estudo recente,
não pode garantir que os licenciados objecto destes "reforços
formativos" estejam a potenciá-los ao máximo.
Está, no entanto, em condições de assegurar que
"do ponto de vista da satisfação pessoal, essa
é grande". E fala da importância do formando,
num momento de crise, "aproveitar o desemprego, não como
um cataclismo, mas como uma oportunidade de reconstruir, reforçar
ou maximizar".
Como encontrar a reconversão certa
No modelo apresentado pela socióloga Maria Amélia Luís,
tem que haver uma "articulação de variáveis
afectivas, comportamentais e motivacionais", com vista a um
trabalho de "grande proximidade" com os recém-licenciados.
Fala de uma espécie de negociação e compromisso
"entre nós e o sujeito objecto de apoio", em
que "somos também gestores de expectativas e desejos
pessoais e, simultaneamente, mediadores entre oportunidades".
Quando diz "nós", refere-se aos responsáveis
dos Gabinetes de Saídas Profissionais, as UNIVAs e os Conselheiros
de Orientação Profissional do IEFP. É um trabalho
conjunto que reúne os esforços do orientador (que assume
um papel de mediador) e o indivíduo em procura, na "avaliação
das motivações e experiências" deste.
Onde procurar as acções e programas
Para além do apoio prestado no próprio estabelecimento
de ensino em que cumpre o seu grau académico, o formando pode
recorrer à informação disponibilizada nos seguintes
sites:
- Associação Nacional das Empresas das Tecnologias
de Informação e Electrónica (www.anetie.pt),
que apresenta como objectivos específicos e linhas programáticas
"fomentar o aparecimento de capital-semente em Portugal" no
sector das tecnologias da informação e comunicação
e "ajudar a aproximar as necessidades das empresas com o iceberg
de conhecimento que reside nas instituições de Ensino
Superior";
- Instituto do Emprego e Formação Profissional
(www.iefp.pt);
- Ministério da Ciência e do Ensino Superior (www.mces.gov.pt);
- Portugal High-Tech (www.portugalhightech.com)
- o Portal das Tecnologias da Informação e Electrónica
Portguesa;
- Universia (www.universia.pt)
- o Portal dos Universitários. Aconselha-se também uma
visita ao canal de emprego do portal, que fica em www.emprego.universia.pt.
Helder Gomes