Há casos de trabalhadores a tempo parcial a quem exigem disponibilidade completa, devido à rotatividade de horários. Há quem assine contratos de cinco horas diárias que, na prática, chegam a sete, sem que a remuneração acompanhe este aumento. Trabalhar ao fim de semana ou à noite nem sempre conhece compensações neste grupo, e ter um part-time cujo ordenado dê para pagar as contas é quase uma utopia. São nuances que não emergem das estatísticas, que, por sua vez, traçam o retrato da seguinte forma: em Portugal, o empregado a tempo parcial é jovem, mulher, aufere um rendimento médio mensal de €393 e trabalha na área de serviços. Mas são poucos os que se enquadram neste grupo por opção, sobretudo à luz do quadro europeu (ver gráfico ao lado). De acordo com os dados do segundo trimestre do Instituto Nacional de Estatística (INE), das 554,8 mil pessoas a tempo parcial, 210,1 mil preferiam trabalhar mais horas.
Quem consegue ?conciliar dois empregos?
Apesar do aumento de €335 para €393 entre o primeiro trimestre de 2011 e o segundo deste ano, os salários reduzidos são a principal contrariedade para que este segmento não tenha expressão no mercado nacional, segundo várias fontes ouvidas pelo Expresso. A evolução no mesmo período mostra, aliás, que há menos 111,7 mil trabalhadores a tempo parcial, sendo que a percentagem de subemprego (profissionais que preferiam trabalhar mais horas) dentro do grupo aumentou de 32% para 37,9%.
Mas o salário não é o único entrave. José Costa, funcionário de uma entidade pública que atua no campo artístico (prefere não revelar qual), recebia entre €500 e €600 quando cumpria 20 a 25 horas semanais. Por não ser suficiente para suprir as suas despesas (e porque tinha outros interesses para lá de um trabalho das nove às cinco), começou a procurar fontes de rendimento paralelas. Mas “era quase impossível” conciliar atividades. Ao mesmo tempo, detetou falta de clareza ou de conhecimento no tratamento da ‘situação part-time’. “Não me estavam a dar o subsídio de alimentação. Diziam que, pelo facto de não fazer uma paragem para almoçar, não tinha direito a ele. Tive de lutar bastante, de me informar, de pedir aconselhamento jurídico”, relata ao Expresso. Ao fim de um ano, o empregador reconheceu que José tinha razão e regularizou a situação (com efeitos retroativos).
O estudo ?e as telecomunicações
“Por norma, o trabalho em part-time é encarado como uma forma de estar no mercado de trabalho, mas por falta de alternativa”, resume Paulo Pereira de Almeida, professor e investigador do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, na área de Sociologia do Trabalho. Do outro lado da norma estão os jovens que optam por este modelo para poderem conciliar a vida laboral com os estudos, afirma Ana Castro Dias, consultora sénior da empresa de recursos humanos Michael Page.
Olhando para esta realidade por sectores de atividade, a responsável sublinha que estão em causa “tarefas que sejam, de algum modo, baseadas na repetição e que não exijam uma complexidade muito elevada”. Especificando, “não podemos falar de part-time sem mencionar o mundo dos contact centers [centros de contacto com o cliente] ou da hotelaria”, refere, indicando que “outro dos sectores onde se tem verificado o acréscimo da necessidade de recrutamento em part-time é o dos centros de serviços partilhados, área que cresce a olhos vistos no nosso país”, com a entrada em campo de marcas como a Fujitsu ou a Altran, por exemplo. Mas também o retalho recorre a esta modalidade, chama a atenção Carla Marques, diretora-geral de Staffing e Outsourcing da Randstad.
Parcialmente ?no papel
O ‘problema’ não está no conceito de tempo parcial em si — que é, aliás, muito popular em países com economias consistentes, como a Holanda, a Alemanha ou os Estados Unidos — mas na nuvem de precariedade que por vezes paira sobre ele e em situações de trabalho a tempo inteiro pagas como contratos de tempo parcial. A partir do contacto com casos reais e de relatos de sindicatos de trabalhadores, Paulo Pereira de Almeida garante que “há multinacionais que pagam salários a níveis absolutamente miseráveis, e, aí, já não estamos a falar de um pequeno empresário sujeito às tensões de mercado e a elevados riscos”. Por outro lado, “muitas vezes é pedido a estas pessoas que fiquem mais horas, transformando o caso quase numa situação de trabalho a tempo completo”, expõe o professor.
Por que razão, então, este modelo funciona e é popular na Europa do Norte? “Porque lá há a questão da opção, que remete para um período da vida [muitas vezes coincidente com a paternidade ou a maternidade] em que se pode trabalhar a tempo parcial para depois regressar ao horário completo. Essa situação, em Portugal, seria muito mais difícil, para não dizer impossível”, considera o investigador do ISCTE.
Além do número reduzido de ofertas de emprego em part-time, observando a vontade do trabalhador, este tipo de regime “ainda não é muito popular em Portugal”, por “sermos um povo genericamente conservador”, observa Ana Castro Dias, da Michael Page. Para que o trabalho a tempo parcial seja uma realidade mais comum, acrescenta Carla Marques, da Randstad, não basta mexer nas estruturas laborais. “É também necessário flexibilizar o ecossistema pessoal dos trabalhadores, como acontece na Holanda, em que, por exemplo, a mensalidade da creche permite uma redução se a mãe trabalhar em part-time e se for buscar o filho mais cedo todos os dias, ou, caso ela opte por não trabalhar um dia por semana, o colégio não fatura esse dia”, ilustra.
A Holanda figura no topo da tabela da União Europeia no que diz respeito ao trabalho a tempo parcial — em 2015, a percentagem de mulheres neste regime superava os 70%, segundo o Eurostat — e, em paralelo, tem sido consecutivamente considerado um dos países com melhor qualidade de vida do mundo.