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Quem quer ser político?

10.12.2004


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Maribela Freitas e Ruben Eiras

A MAIOR abertura do sistema partidário ao recrutamento de políticos não profissionais e uma sociedade civil mais exigente na avaliação de desempenho dos agentes políticos são os caminhos a seguir para formar uma classe política mais competente. Estas são as principais conclusões do painel de especialistas que o EXPRESSO consultou sobre a renovação das elites políticas.


Segundo João Salgueiro, presidente da SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social), o problema da qualidade dos agentes políticos centra-se, sobretudo, no baixo nível de exigência do «mercado político» português. «Em geral, os portugueses são maus ‘consumidores' do sistema político. Isto é, votam, mas a seguir desinteressam-se completamente das instituições e da vigilância permanente do poder político quanto ao cumprimento das promessas eleitorais», refere. «Por exemplo, o incumprimento da lei é tolerado e não há acção cívica forte e sistemática contra esta realidade», esclarece.

Outro elemento da sociedade civil que tem contribuído para uma diminuição da qualidade do desempenho dos políticos é, segundo Vítor Bento, presidente da Sociedade Interbancária de Serviços, a ausência de regulação deontológica da comunicação social. «Esta situação tem estimulado o rebaixamento dos padrões éticos», salienta.

Para aquele responsável, este nivelamento «por baixo» nos padrões editoriais da maioria dos «media» tem favorecido «os instintos, as paixões, a mediocridade e o relativismo moral» e menosprezado «a racionalidade, a qualidade e a hierarquia de valores, com inevitáveis consequências na degenerescência do próprio processo de avaliação democrática e no inevitável afastamento dos melhor qualificados».

Uma posição corroborada por Manuel Meirinho Martins, docente em ciência política no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade Técnica de Lisboa: «o grau de avaliação por parte dos órgãos de comunicação social é de tal maneira lancinante, diário e mediatizado que há uma tendência castradora na avaliação da classe política — agigantam-se muito os defeitos e minimizam-se as qualidades».

Quanto aos critérios de recrutamento dos políticos, a opinião dos vários especialistas contactados pelo EXPRESSO é unânime: os partidos estão fechados sobre si próprios e é crucial que se abram aos políticos não profissionais. «A profissionalização da classe política, uma tendência normal nas democracias consolidadas, não ajudou na qualidade da democracia portuguesa», observa António Costa Pinto, investigador em ciência política no Instituto de Ciências Sociais (ICS).

Isto porque, tanto na situação de governo, como na oposição, os partidos reduzem o seu recrutamento «ao núcleo duro profissionalizado» na carreira política, embora muitas vezes «tentem atrair independentes».

Com efeito, a experiência política a nível partidário e electivo é o critério utilizado com maior frequência no recrutamento de deputados. Prova disso é o estudo conduzido por André Freire, docente no ISCTE, sobre a profissionalização dos deputados portugueses.

Em 2002, cerca de 80% dos deputados tinham experiência em cargos directivos partidários. «Ou seja, a partir da IV legislatura a abertura do sistema parlamentar a novos políticos situa-se à volta de 20%. Isto aponta para uma muito fraca abertura do sistema político à renovação das elites dirigentes e é um indício do fechamento do sistema político a outros círculos da sociedade», comenta.

Para inverter esta situação, João Salgueiro sugere que uma das linhas de acção seja a constituição de uma intervenção cívica mais forte e sistematizada. «Os movimentos de utentes não se podem restringir apenas a casos pontuais — é necessário uma intervenção permanente e que abranja todo o sistema. Além disso, os cidadãos devem envolver-se activamente nas associações de pais e nas juntas de freguesia dos bairros, por exemplo. As pessoas têm de perceber que o Estado não pode cuidar de tudo sozinho», argumenta.

Por sua vez, Vítor Bento defende que se deverá aumentar a remuneração da actividade política a nível executivo, por forma a que as pessoas de qualidade possam encontrar mais oportunidades de «realização material e profissional» no mundo político.

Para quebrar o fechamento partidário e diversificar a base de recrutamento de deputados, António Costa Pinto propõe que os partidos devem aumentar a possibilidade de acesso a cargos electivos das pessoas que estão fora do «núcleo duro» profissionalizado, estabelecendo cotas experimentais para representantes de «causas fortes» na sociedade civil, «próximas da área política de cada partido».

Vítor Bento concorda com esta perspectiva, preconizando uma maior abertura institucional à participação da sociedade civil nas funções políticas, «reduzindo o monopólio partidário», ao que o investigador do ICS acrescenta a necessidade de encontrar «estruturas de ligação à ‘sociedade civil das elites', mais próximas da competência técnica e do mundo profissional».

 

Como renovar a elite política

1 – Aumentar o salário e as condições de trabalho dos Deputados e outros lugares onde se refugiam os «políticos profissionais», nomeadamente as Câmaras Municipais

2 – Encontrar fórmulas de financiamento mais transparentes para os partidos, diminuindo a corrupção e o risco inerente que o facto comporta para a elite política, sobretudo para o segmento que concorre a cargos electivos

3 – Funcionamento eficaz do sistema de Justiça, por forma a que as pessoas difamadas possam em pouco tempo restabelecer a sua credibilidade e a sua integridade publicamente percebida e os difamadores sejam severamente punidos, por forma a desincentivar a corrupção

4 – Maior reconhecimento social devotado à dedicação à causa pública

5 – Estabelecer cotas experimentais nos partidos para representantes de «causas fortes» na sociedade civil, próximas da sua área política

6 – Abrir um pouco mais as estruturas de decisão política a sectores altamente profissionais que têm a capacidade de aconselhar e apresentar soluções do ponto de vista técnico

7 – É muito importante para quem governa saber dominar os impulsos da exposição mediática

8 – Reforma do sistema eleitoral, funcionando com dois círculos eleitorais: um nacional e outro uninominal, de forma a que este último crie um «caciquismo responsável»

9 – Regulação da comunicação social por forma a assegurar elementares princípios deontológicos: as pessoas de qualidade têm relutância em se expor a um circo mediático sem regras, onde se sujeitam a ser moralmente maltratadas e violentadas

Fontes: António Costa Pinto, João Salgueiro, Manuel Meirinho, Vítor Bento

 






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