Vítor Andrade
UMA hora e meia depois de ter chegado à repartição,
a mulher de criança ao colo viu finalmente o número da sua
senha ser pronunciado pelo funcionário. Avançou para o guichê,
sentou-se de frente para o funcionário e com alívio começou
a explicar porque estava ali. Ao fim da terceira palavra o funcionário
disse-lhe para esperar «um bocadinho» se não se importasse.
Inconformada, mas resignada, ficou ali à espera, já no guichê,
para não perder a vez.
Passaram cinco minutos, dez, quinze, vinte e, meia hora depois, com o
jornal dobrado debaixo do braço e o cigarro ao canto da boca, lá
veio o funcionário do lado da rua com ar de quem tinha ido com
toda a calma tomar o seu café. Poderia ser ficção
mas passou-se esta semana numa repartição de finanças
de Lisboa, num dos bairros fiscais mais concorridos. A mulher reclamou
pela falta de respeito e de profissionalismo mas o funcionário
considerou tudo normal e o colega do guichê ao lado concordou.