“Quer trocar o escritório cinzento por uma secretária à beira-Tejo? Está a pensar em mudar de ares e gerir o negócio a partir da Tailândia? Escolha o destino que nós tratamos do resto.” Se o mundo ainda estivesse agarrado às televendas, as frases promocionais das agências do momento poderiam ser estas. Mas é a rota da virtualidade, da computação em nuvem e da economia da partilha que está a acelerar o crescimento da comunidade de trabalhadores-viajantes e a fazer com que à sua volta nasçam negócios de apoio à instalação de trabalhadores.
Se, por um lado, o número de portugueses a trabalhar como nómadas ainda não é muito expressivo, por outro, há cada vez mais estrangeiros a escolher Portugal como ‘posto de trabalho’. A startup NomadX acaba de se instalar em Lisboa, os espaços de trabalho partilhados proliferam e a capital prepara-se para um dos maiores encontros internacionais dedicados ao tema, a DNX Global (ver caixa ao lado). Em hotéis e escritórios da capital, os nómadas juntam-se regularmente para trocar contactos e experiências. Chegam a ser entre 80 e 90 pessoas.
Uma revolução
Para Steven Allen, cofundador da NomadX, o que está a acontecer tem nome: revolução. O empreendedor escolheu Lisboa para sediar uma startup cujo negócio é apoiar os trabalhadores remotos nas suas deslocações. Assim que um nómada escolhe o destino e a duração da estada, a empresa trata do resto, desde comprar cartões de telemóvel até encontrar alojamento e introduzir os trabalhadores em comunidades relevantes para a área de negócio ou simplesmente que partilham o espírito de viagem. O primeiro grupo — cerca de 25 nómadas digitais de 11 países — chegou à cidade no dia 1 de agosto.
Portugal “encontra-se na posição perfeita para capitalizar a revolução que aí vem no mundo do trabalho remoto”, acredita Steven Allen. “A infraestrutura tecnológica, o reduzido custo de vida [comparativamente a outros países europeus], o clima e o Governo acolhedor” são os fatores destacados. Por outro lado, há muito empreendedorismo e a mobilidade “pode representar uma oportunidade para as empresas com falta de estrutura financeira mas que podem compensar de outras formas”, analisou a empresa dedicada ao emprego tecnológico, Landing. Jobs, que se debruçou recentemente sobre o tema. Num inquérito a 379 portugueses, 93% assumiram ter interesse pelo trabalho remoto. Ainda assim, dois terços preferiam fazê-lo sob a égide de uma organização estrangeira (assume-se que devido aos salários praticados).
Oportunidade ?de desenvolvimento
Para a maior parte destes profissionais, no entanto, o nomadismo não é para sempre. “É uma oportunidade para o desenvolvimento pessoal e profissional”, diz o norte-americano Nicholas Major, que, há dois anos, tinha “um trabalho das nove às cinco, um bom apartamento, um bom carro e fazia um bom dinheiro” em Salt Lake City. Largou tudo em troca da ideia da liberdade e hoje tem os carimbos tailandês, vietnamita e português no passaporte.
“Um dia, num encontro de empreendedorismo, conheci um tipo que trabalhava e viajava ao mesmo tempo.” A história fê-lo questionar o modelo de vida. Comprou um bilhete de ida para a Tailândia — Chiang Mai é uma das bases mais populares entre os nómadas digitais — e foi ver no que daria ser trabalhador por conta própria. “Desenvolvi o meu lado empreendedor e consegui ter, finalmente, tempo para me dedicar a projetos pessoais”, como o desenvolvimento de páginas de internet e aplicações eletrónicas para comercialização. Por outro lado, saber que existe uma comunidade em torno deste movimento deu-lhe força para romper com o passado corporativo.
Em Portugal, a Digital Nomads foi criada para “fazer crescer esta rede através da partilha de experiências de vida, trabalho, viagens, para aprender com aqueles que já tenham escapado da rotina de escritório”. Sérgio Fernandes, cofundador da plataforma, admite que, no país, o interesse sobre o tema está a crescer mais visivelmente nos últimos dois anos. Também ele trabalhou de fato e gravata e, quando quis “dar a volta” , encontrou uma barreira: “Procurava ofertas de trabalho remoto e não encontrava nada.” Entretanto, criou uma ligação forte com o Reino Unido, onde vai a cada dois meses para reunir com clientes, fala com o Expresso a partir do Algarve e a insegurança não lhe passa pela secretária. “Hoje, 80% do trabalho e 60% das pessoas podem funcionar remotamente, com tempo para buscar os filhos ou ir ao ginásio e mais qualidade de vida”, analisa.
Este não é, porém, um estilo de vida exclusivo aos especialistas do mundo informático e virtual. Contabilistas, jornalistas, fotógrafos, técnicos comerciais e gestores já se juntaram à rede. É o caso de Bo Irik, que deixou a Holanda quando era criança para viver no Algarve, assumiu Lisboa como base laboral e experimentou trabalhar seis meses na Tailândia. Tem uma empresa que organiza passeios de barco e trabalha “muito”, sob a responsabilidade de fazer crescer o negócio. “Não tenho tempo para férias”, sublinha. Foi esse o motor da pergunta: “Porque não pego no computador e vou uns tempos para a Ásia?” Se a questão seguinte é se alguém consegue ser produtivo numa praia idílica da Tailândia, Bo interrompe: “Lá, estava isolada e, por isso, ainda mais focada. Queria provar que é possível trabalhar a partir de um destino tropical, e é”, relata. “É por isso que não podemos ir com viajantes de férias. Para eles, o objetivo é divertirem-se. Para nós, é trabalhar.”