Se no final do verão de 2016 um economista antecipasse uma descida da taxa de desemprego em Portugal de dois pontos percentuais no espaço de um ano seria apelidado de muito otimista. Mas a realidade ter-lhe-ia dado razão. Entre agosto de 2016 e igual mês deste ano, a taxa de desemprego caiu de 10,9%, para 8,9% — o valor mais baixo observado em Portugal desde novembro de 2008 —, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE). O ritmo de descida tem surpreendido. E, não deve ficar por aqui. Os economistas apontam para a continuação da queda da taxa de desemprego nos próximos meses e ao longo de 2018. Com uma condição: que a conjuntura internacional da economia portuguesa se mantenha favorável. “A taxa de desemprego vai continuar a descer”, considera Paulino Teixeira, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Com indicadores positivos na confiança dos empresários e ao nível do investimento, tudo aponta para a continuação da tendência positiva de criação de emprego, que tem sustentado a descida do desemprego. João Cerejeira, professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, José Maria Brandão de Brito, economista-chefe do Millennium bcp, e o Departamento de Estudos Económicos do BPI apontam no mesmo sentido. A questão é até onde pode descer a taxa de desemprego. A maioria dos economistas ouvidos pelo Expresso aponta para 8% até meados de 2018. Um valor que corresponde, precisamente, à previsão do BPI para o conjunto do próximo ano. “A minha expectativa é que a taxa de desemprego se vá aproximando dos 8%, atingindo esse patamar pelo segundo trimestre do próximo ano”, aponta, por sua vez, João Cerejeira. Pode cair ainda mais? A resposta é indissociável do conceito de taxa de desemprego natural, ou seja, a taxa de desemprego associada ao funcionamento da economia em linha com o potencial. Ora, no artigo “Boom, Slump, Sudden Stops, Recovery and Policy Options. Portugal and the Euro”, os economistas Olivier Blanchard e Pedro Portugal defendem que a taxa de desemprego natural aumentou em relação a antes da crise, mas é muito mais baixa do que aquela que está implícita nos textos do Fundo Monetário Internacional, da Comissão Europeia ou da Organização para a Cooperação Económica e o Desenvolvimento, e não deverá exceder os 7% a 8%. Assim, “atingir-se-á a taxa de desemprego natural quando o output gap [diferencial do produto em relação ao potencial] for fechado”, diz Pedro Portugal, economista do Banco de Portugal e professor da Nova School of Business and Economics. Um diferencial que o mesmo artigo estima em 5% a 7%. João Cerejeira aponta para uma taxa de desemprego natural ainda mais baixa, entre os 6% e os 6,5%. E considera: “Podemos chegar aí pelo final de 2018.” Uma opinião partilhada por Paulino Teixeira: “A taxa de desemprego ainda está muito acima dos valores mínimos atingidos no passado não assim tão distante, e não vejo motivo para não voltar a atingir esse patamar, se a conjuntura externa se mantiver relativamente favorável. Neste quadro, acho possível uma taxa inferior a 6,5% no final de 2018.” 219 mil empregos em dois anos A descida da taxa de desemprego em Portugal tem sido sustentada na criação de emprego. No espaço de um ano (entre agosto de 2016 e de 2017), a população empregada aumentou em 124,5 mil pessoas, mostram os dados do INE. Número que sobe até às 218,6 mil pessoas se considerarmos os últimos dois anos (desde agosto de 2015). O aumento do emprego foi até superior à redução da população desempregada (menos 97,7 mil pessoas desde agosto de 2016 e menos 167,3 mil pessoas desde agosto de 2015), sinalizando que se foi buscar pessoas que estavam fora do mercado de trabalho, seja inativos (por exemplo, “desencorajados” que tinham desistido de procurar trabalho), imigrantes estrangeiros que entraram em Portugal ou emigrantes portugueses que regressaram. Onde está a ser criado este emprego? Os dados do INE relativos ao segundo trimestre de 2017 (últimos disponíveis com este detalhe) apontam claramente, no último ano, para o sector do turismo. Entre o segundo trimestre de 2016 e o segundo trimestre de 2017, o emprego no alojamento, restauração e similares aumentou em 55,7 mil pessoas. O reverso da medalha é a queda na produtividade (ver caixa “Produtividade em queda”). “A criação de emprego nos últimos trimestres tem superado o crescimento do PIB, o que significa que estamos a criar emprego em sectores ou empresas de menor produtividade face à média”, alerta João Cerejeira. O peso da hotelaria e restauração na criação de emprego no último ano “ajuda a perceber esta queda”, afirma. Para José Maria Brandão de Brito, “o sector ainda não teve tempo de se adaptar a este surto de turismo. Mantém-se uma estrutura atomística, tornando mais difícil a otimização de recursos”. Ao mesmo tempo, é dos sectores que pior paga na economia, com grande incidência do salário mínimo (ver texto ao lado). Mas, “abre a porta do mercado de trabalho a pessoas com baixas qualificações, menos empregáveis”, aponta, pela positiva. Seguiu-se, em termos de criação de emprego, a construção, com mais 30 mil pessoas, as atividades de informação e comunicação, com um acréscimo de 18,5 mil pessoas, e as atividades imobiliárias, com mais 13,2 mil pessoas. Sectores que, tudo indica, continuarão numa dinâmica de criação de emprego nos próximos meses. “O crescimento do sector do turismo não se tem limitado a Lisboa e ao Algarve, e esse é um aspeto novo na nossa economia e que está a fazer toda a diferença em relação a recuperações económicas do passado. A atual recuperação económica parece ter mais pernas para andar”, destaca Paulino Teixeira, apontando que “a construção também ajudará a marcar o passo. Nesta fase do ciclo político, o Governo não deixará de dar um estímulo às obras públicas”. Já a dinâmica das atividades de informação e comunicação está muito associada à criação de startups tecnológicas, criando emprego qualificado, num sector que “paga mais 80% do que a média nacional”, destaca José Maria Brandão de Brito. Certo é que a maioria dos empregos criados no último ano passam por entradas nos quadros, ao contrário do que aconteceu numa primeira fase de recuperação do mercado de trabalho, muito assente em contratos precários. Entre o segundo trimestre de 2016 e igual período de 2017, o número de trabalhadores por conta de outrem com contratos sem termo aumentou 4,9% (141,7 mil pessoas), enquanto o número com contratos a termo subiu 2,2% (15,6 mil pessoas). “À medida que a taxa de desemprego desce, é mais difícil para as empresas contratarem trabalhadores, fazendo rotação entre contratos a prazo. Desta forma, há maior retenção”, salienta João Cerejeira. E remata: “A melhor forma de melhorar contratos e salários é reduzir o desemprego”. Produtividade ?em queda As boas notícias na economia portuguesa não se estendem ?à produtividade. “A queda da produtividade por trabalhador ?tem sido um dos traços marcantes da recuperação da atividade económica em Portugal iniciada ?em 2014”, lê-se no Boletim Económico de outubro do Banco ?de Portugal, divulgado esta semana. Mais ainda, verificou-se uma inversão de trajetória: “Depois ?de uma trajetória ascendente entre 2009 e 2013, a produtividade ?por trabalhador em Portugal, medida pelo rácio entre o VAB ?e o emprego, tem sido caracterizada por um perfil decrescente.” Assim, entre 2014 e o primeiro semestre ?de 2017, o Valor Acrescentado Bruto (VAB) por trabalhador (que mede ?a produtividade) registou ?uma redução de 2,3%. Explicação? ?O Banco de Portugal avança que ?“em termos agregados, esta evolução reflete um crescimento ?do emprego superior ao do VAB”. Entre 2014 e o primeiro semestre deste ano, o emprego total cresceu 8,1%. No mesmo período, o aumento do VAB ficou pelos 5,6%. O comportamento da produtividade por trabalhador não foi uniforme ?no conjunto da economia ao longo deste período. No sector ?dos chamados bens e serviços transacionáveis, verificou-se ?um ligeiro aumento (1%). Isto apesar de, em alguns destes sectores, como o comércio, os transportes, ?e o alojamento e restauração, ?“o aumento significativo do VAB neste período ter sido, ainda assim, inferior ao crescimento do emprego, traduzindo-se numa queda ?da produtividade”, assinala o Banco de Portugal. Já no sector dos bens ?e serviços não transacionáveis (excluindo administrações públicas ?e atividades imobiliárias) houve ?uma queda de 6%.