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Crise gera negócios

01.07.2005


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Cátia Mateus

ESCREVEU Nietzsche que «o que não destrói, fortalece». A prática dá-lhe a razão. Portugal atravessa uma conjuntura económica desfavorável e enfrenta a mais alta taxa de desemprego de sempre. Mas é neste momento de crise que a necessidade fomenta a iniciativa. Mesmo sem que as anunciadas medidas governamentais de fomento ao empreendedorismo tenham ainda dado frutos, o país está perante uma mudança de mentalidade. A crise colocou a capacidade de iniciativa na ordem do dia.


Quando se pensava que os portugueses — por natureza avessos aos risco — se tornariam mais prudentes que nunca na criação de novos negócios, é quando o conceito de empreendedorismo ganha particular dinâmica no país. Ainda que seja cedo para contabilizar o número de novas empresas que a crise ajudou a criar, uma mudança é já visível.

A necessidade de empreender deixou de ser uma bandeira das associações empresariais para se tornar uma causa comum a toda a comunidade, assumindo-se como uma resposta possível ao desemprego. Pelo segundo ano consecutivo, Portugal aliou-se à Europa nas comemorações do Dia Europeu do Empreendedor — celebrado a 29 de Junho — e mesmo num país onde a vontade de empreender sempre foi, em muito, superior à taxa real de iniciativa empresarial, o panorama parece estar a mudar.

Armindo Monteiro, presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE) não tem dúvidas de que no último ano, em parte devido à conjuntura económica, ocorreram mudanças na mentalidade dos portugueses. «A incerteza face à economia e a subida da taxa de desemprego colocaram o empreendedorismo na agenda do dia», refere. Para o responsável, «o país cometeu sucessivamente o erro de encarar o desemprego como algo resolvido por um decreto governamental, assumindo o Estado como um pai. Finalmente percebemos que o pai está falido e que a solução passa por nós».

A consciência de que o emprego para toda a vida é um conceito ultrapassado e o «fim da lógica do funcionalismo público» estão, segundo Armindo Monteiro, a produzir efeitos benéficos na forma como os portugueses se posicionam no mundo do trabalho. O líder dos jovens empresários adianta que «a insegurança está a estimular a capacidade de iniciativa dos portugueses» e que «este é o momento ideal para o Governo acompanhar a mudança de mentalidade com acções efectivas de apoio a quem quer empreender, ajudar a criar empregos e fazer algo pela economia do país».

Armindo Monteiro vai mais longe e avança que «em vez de nos preocuparmos em arranjar fundos perdidos, deveríamos pensar em criar capital de risco e delinear uma estratégia efectiva para o país já que, chegados aqui, não nos podemos dar ao luxo de ir sem saber para onde». Para o presidente da ANJE, «em termos de medidas estruturais de apoio ao empreendedorismo, o país não sofreu grandes alterações e mesmo as que foram anunciadas ainda não tiveram resultados práticos, à excepção do decreto que visa a criação de empresas num só dia que agora avançará a título experimental».

Uma ideia corroborada por Márcia Trigo, directora da Escola de Gestão & Negócios da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL). Para ambos os responsáveis, as principais mudanças verificadas foram impulsionadas pela própria comunidade. Universidades, autarquias, associações regionais têm vindo a chamar a si a responsabilidade de fomentar o espírito de iniciativa entre os portugueses e multiplicam-se pelo país vários projectos de vulto neste campo (ver caixa).

Para Márcia Trigo, «o empreendedorismo não integra ainda os quadros mentais e as práticas correntes dos portugueses, mas está já instalado no discurso nacional». Da parte do Governo, a docente universitária não encontra um verdadeiro e sistemático plano de apoio ao empreendedorismo. Mas destaca como iniciativas positivas «o programa Contacto Internacional, a possibilidade de criar uma empresa num único dia, a criação de uma via rápida e não burocrática para aprovação e financiamento de projectos de elevado interesse nacional».

Contudo, para Márcia Trigo — que implementou uma cadeira de empreendedorismo em cada um dos 11 MBA e 10 pós-graduações da EG&N da UAL — «estas medidas são ainda tímidas e desarticuladas, passando ao lado do que não custa dinheiro, designadamente: tornar obrigatório, desde o primeiro ciclo do ensino básico, até à universidade, as metodologias de resolução de problemas ao invés do tradicional modelo de ensino».

Em suma, o Governo está a deixar passar esta mudança de mentalidade sem que consiga canalizá-la para benefício do país e da economia. Na opinião de Márcia Trigo, «enquanto for mais fácil, lucrativo, confortável e seguro viver pendurado na segurança social, no serviço de saúde, nos gabinetes ministeriais, câmaras municipais ou receber o vencimento de um qualquer serviço público onde não se prestou nenhum serviço relevante, qualquer conjuntura será sempre desfavorável ao empreendedorismo».

Fomentar o auto-emprego

AS INICIATIVAS de fomento ao empreendedorismo somam-se pelo país, na maior parte das vezes tendo como promotores autarquias e entidades privadas, a braços com uma realidade onde o desemprego domina. Só esta semana, foram anunciadas várias medidas de apoio a quem quer empreender.

A PME Portugal é um exemplo. Com o seu programa «Empreendedoras PME», a instituição já ajudou a criar 20 novas empresas e segundo o seu presidente, Joaquim Cunha, «este programa dirigido a mulheres empreendedoras vai criar mais 300 empregos até ao final do ano em Braga, Bragança, Vila Real, Porto, Aveiro, Coimbra e Leiria».

Na capital do país, a Agência para a Modernização Económica de Lisboa (AMBELIS) anunciou esta semana a criação de um fundo de capital de risco de dez milhões de euros destinado a apoiar a a criação de micro-empresas em Lisboa. O Fundo de Apoio ao Empreendedorismo, resulta de uma parceria do banco Efisa e destina-se a apoiar projectos de criação de empresas, mas também expansão de empresas já existentes.

A norte, a Câmara de Vila Verde criou um Gabinete de Apoio e Promoção do Investimento (GAPI), destinado a captar novos investimentos e orientar empresários para áreas prioritárias.

A Sul, a vila alentejana de Mértola anunciou que vai integrar uma rede luso-espanhola de ninhos de empresas que visa a troca de experiências, informações, criação de novas empresas e emprego nas regiões envolvidas.





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