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Profissão: político

20.02.2004


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Ruben Eiras

O DEPUTADO português é licenciado, tem como profissão a advocacia, a docência ou a economia e praticamente não possui experiência no sector privado. Este é o "retrato-robô" dos representantes do povo na Assembleia da República (AR) eleitos pelos portugueses para a actual legislatura.


O perfil foi construído com base na análise das biografias dos deputados disponíveis para consulta no sítio do Parlamento (www.parlamento.pt).

Em termos gerais, cerca de 85% dos representantes do povo possuem uma licenciatura, sendo a qualificação média a habilitação do segundo grupo mais representado.

O grupo profissional com maior assento na AR é o dos docentes (sobretudo do ensino secundário e superior), com uma média na ordem dos 27% do total dos lugares parlamentares.

Segue-se o dos advogados e juristas, com uma média próxima dos 26% e, em terceiro lugar, situam-se os economistas, na ordem dos 10%.

De acordo com António Costa Pinto, sociólogo político e investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e co-autor de um estudo comparativo das elites ministeriais no Sul da Europa, a profissão de advogado é uma "marca genética" do parlamentarismo.

"É uma das áreas que mais se presta à actividade profissional parlamentar, que se baseia em muito na competência legislativa", explica.

E acrescenta que, além disso, sendo a advocacia uma profissão liberal e das mais compatíveis com a profissão parlamentar, é natural que a maioria dos políticos profissionais provenha desta área de conhecimento.

"Uma profissão acaba por ganhar com a outra - são duas áreas de actividade em que se podem fazer muitas sinergias", observa com ironia.

Quanto aos docentes, António Costa Pinto refere que o peso deste segmento profissional na AR é um legado do salazarismo na cultura parlamentar portuguesa.

"Salazar era professor universitário e trouxe muitos docentes para o Parlamento e funções ministeriais. Com efeito, sempre tivemos mais ministros 'professores' do que em Espanha ou França", sublinha aquele especialista.

O perfil de qualificações dos deputados portugueses

Uma tradição que se mantém até hoje, devido também à escassez de quadros com competência técnica significativa que caracterizou o país ao longo do século XX.

"Por isso, os professores desempenham uma função mais importante na nossa democracia do que noutras europeias - a diversificação profissional no nosso Parlamento é um fenómeno recente", esclarece António Costa Pinto.

As outras classes profissionais mais representadas são os economistas, os funcionários públicos, os engenheiros, os bancários e os jornalistas.

Um segmento profissional em emergência no PSD é o dos farmacêuticos, com 4% do total de assentos ocupados por este partido.

Em contraste, as profissões relacionadas com a actividade empresarial são residuais em todos os partidos - os gestores situam-se numa média de 6% e os empresários não ultrapassam os 3%.

Além disso, do total de deputados com assento na AR, só 20% a 30% é que possuirão alguma experiência de trabalho no sector privado.

Ressalve-se que nesta análise não é possível obter uma informação totalmente exacta, devido à informação das biografias disponíveis no sítio do Parlamento não ser totalmente exaustiva. Como tal, este valor deve ser tomado apenas como uma estimativa.

Para António Costa Pinto, a profissionalização da política é um processo inevitável do aprofundamento do sistemas democráticos.

"Os deputados são escolhidos pelos partidos e é natural que estes se profissionalizem na actividade parlamentar - o mesmo processo também aconteceu em democracias mais avançadas como a Inglaterra e a França", considera.

Por outro lado, aquele investigador também refere que, em Portugal, a actividade parlamentar não é atractiva, devido à lei de incompatibilidades, à fraca estrutura salarial e à pressão da opinião pública, que é negativa face à imagem dos políticos.

"O resultado é a não atracção dos melhores talentos para a vida parlamentar e um ciclo vicioso de afastamento da sociedade civil", reitera.

Para colmatar o excesso de profissionalização do Parlamento, António Costa Pinto sugere que a opção pela criação de uma segunda câmara, que representasse as "forças vivas da sociedade civil" - como os sindicatos, as organizações patronais, as associações de consumidores e as profissionais, por exemplo - seria uma via para obter um parlamento mais representativo dos vários interesses existentes no país.

"Quanto mais o parlamento ficar ligado à sociedade civil, mais ganha o país", remata.

Uma marca de elitismo

O FACTO de mais de 80% dos deputados possuírem o grau de licenciatura é um sinal de que a sociedade portuguesa cultiva o elitismo.

"A licenciatura continua a ter um valor simbólico muito forte de ascensão social e de poder na nossa sociedade, que é uma característica de praticamente todos os países do Sul da Europa", refere António Costa Pinto.

Nas nações do Norte da Europa, porém, uma fatia de 30% dos deputados não possui formação superior.

"Estas democracias foram reforçadas na altura dos movimentos trabalhistas e socialistas das décadas de 30 a 40, dos quais provinham muitos deputados operários e do mundo do trabalho. Isto criou uma cultura política forte nestes segmentos profissionais", explica.

Contudo, esta tendência está a inverter-se um pouco por todo o continente europeu, devido à democratização social do acesso à licenciatura dos últimos 20 anos. "Mas não deixa de ser uma marca de elitismo", conclui António Costa Pinto.





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