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O regresso dos 'cérebros'

Ao longo das últimas décadas Portugal assistiu à saída gradual de cérebros, que procuram lá fora aquilo que o seu país nunca lhes soube dar: oportunidades. Agora poderão estar de volta a casa, mas ainda é preciso fazer muito mais para os atrai
03.02.2006


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Cátia Mateus e Marisa Antunes
A PASSAGEM de Bill Gates por Portugal, durante esta semana, relançou a discussão sobre a importância da aposta no conhecimento. O primeiro-ministro, José Sócrates, aproveitou a deixa para anunciar 18 acordos entre o Governo e a Microsoft, mostrando que o Plano Tecnológico está a avançar. Acontece, porém, que Portugal não tem conseguido reter a saída continuada de talentos para o estrangeiro, sendo o país europeu de média/grande dimensão onde mais se sente este fenómeno. Segundo um estudo do Banco de Portugal, a saída de licenciados e profissionais qualificados para o estrangeiro ronda os 20% do total. Face a este panorama, Carlos Zorrinho, coordenador do Plano Tecnológico, defende que «Portugal não tem apenas um desafio, mas três: evitar que os nossos cérebros partam; trazer de volta os que partiram e captar para o país investigadores estrangeiros».


O responsável admite mesmo que, «para que Portugal possa pôr em prática a filosofia preconizada pelo Plano Tecnológico, o país tem de conseguir não só travar a fuga de cérebros mas também tornar Portugal atractivo para a fixação de investigadores nacionais e estrangeiros».

Pedro Pissarra personaliza a história de um «cérebro» que regressou a Portugal mas que encontrou alguns entraves no reencontro com o seu país de origem, há nove anos atrás. Licenciado em Biotecnologia e doutorado na mesma área pelo King College da Universidade de Londres, Pedro tinha a expectativa de aplicar os seus conhecimentos na indústria nacional, mas cedo compreendeu que o caminho não seria esse.

«O primeiro grande entrave foi logo quando pedi a equivalência aos meus diplomas. Achei ridícula a situação e acabei por não querer fazer mais nada relativamente ao assunto», relembra. As opções eram duas, ou voltava ao estrangeiro ou criava o seu próprio emprego. Optou pela última solução e fundou a Biotecnol.

No início, o empresário relembra que «parecia haver um sentimento de protecção do território ou um pelouro das pessoas estabelecidas». Admite que hoje possa ser mais fácil, mas mantém a ideia de que «Portugal continua muitíssimo fechado sobre si próprio».

Uma opinião partilhada por Pedro Oliveira, docente da Universidade Católica, responsável pelo Programa Avançado em Empreendedorismo e Gestão da Inovação (PAEGI): «É preciso criar em Portugal uma cultura de inovação. Apostar nas marcas próprias, incorporar novo ‘design', ter mais capacidade de concepção de novos produtos e deixar para trás o paradigma que assentava na produção de baixo custo».

Mas, além desta lacuna, Jaime Quesado, gestor do Programa Operacional da Sociedade do Conhecimento (POSC), aponta outras duas: «Não há uma envolvente suficientemente atractiva que permita aos talentos fixarem-se e evoluírem numa lógica de rede global, a partir de cá» e «as condições socioeconómicas para a captação de talentos não são atractivas».

Foi o que sentiu Gustavo Barros, licenciado em Engenharia de Produção, no National Institute of Applied Sciences de Lyon e com «master degree» em impressão de papel no French Engineering School of Paper and Printing, em Grenoble.

Fora de Portugal há 11 anos, trabalha há quatro em Estocolmo como investigador no STFI-Packforsk AB, um instituto privado de pesquisa e desenvolvimento na área da celulose e pasta de papel, «mundialmente reconhecido pela indústria gráfica».

A vontade de regressar a Portugal «está sempre presente», admite. «Mas é impossível fazer em Portugal o que faço aqui. O STFI é um dos dez locais do mundo onde se faz investigação na área da impressão de papel», acrescenta.

À falta de oportunidades profissionais à altura da sua especialização, Gustavo Barros critica ainda a forma como são tratados os investigadores no nosso país. «Existe um desrespeito económico por quem se dedica à investigação. Tenho muitos amigos nesta área que sobrevivem, em Portugal, com bolsas», reforça.

Embora concorde com este «clima hostil» à investigação, Pedro Pissarra ressalva que «os nossos cérebros não devem ser tratados como umas prima-donas. A questão não é o que pode Portugal fazer pelo seus ‘cérebros', mas o que os cérebros no estrangeiro, ao regressarem, podem fazer pelo seu país».

Telmo Valido, presidente da Assembleia Geral da Portuguese American Post-Graduate Society, uma associação que reúne portugueses que se estão a especializar academicamente nos EUA, acrescenta: «Deve existir um maior incentivo ao empreendedorismo e à utilização de capitais de risco para empresas tecnológicas, além de uma maior desburocratização na criação de empresas».

Contudo, para Carlos Zorrinho, é ainda fundamental «aumentar o número de bolsas de investigação e potenciar a criação de parcerias com instituições de referência, nacionais e estrangeiras, para que os investigadores possam, a partir de Portugal, trabalhar a uma escala global».

A estas medidas Jaime Quesado acrescenta a necessidade de uma aposta em projectos mobilizadores que apelem à criatividade e inovação dos nossos «cérebros», «e isso o Plano Tecnológico tem obrigação de cumprir». O gestor do POSC salienta ainda que «a fixação de ‘cérebros' não pode restringir-se a Lisboa e ao Porto. É fundamental criar ‘clusters' de inovação em todo o país».

Medidas urgentes

Criar uma cultura de inovação e alterar a mentalidade dos empresários portugueses de forma a que invistam mais no desenvolvimento de novos produtos e conceitos de gestão, trazidos por estes profissionais altamente especializados;

Desburocratizar ainda mais os processos de criação de empresas e de utilização de capitais de risco para incentivar o empreendedorismo dos emigrantes qualificados;

Apostar forte no risco com perspectivas de retorno a longo prazo;

Promover parcerias entre o Governo, empresas e instituições académicas em Portugal e no estrangeiro para criar oportunidades;

Aumentar o número de bolsas de investigação;

Apostar no desenvolvimento de projectos mobilizadores em território nacional;

Estabelecer parcerias com empresas de referência para os investigadores trabalharem a partir de Portugal, mas a uma escala global;

Fazer de Portugal uma plataforma de adequação internacional no domínio da investigação;

Incentivar a criação de «clusters» de inovação, não apenas nas grandes cidades mas também nas cidades de média dimensão.





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