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«Mestrados não devem ser exclusivamente para licenciados»

29.10.2004


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Ruben Eiras

UMA pessoa, sem licenciatura, mas com um currículo profissional relevante deverá poder ingressar num mestrado, se assim o desejar. É o que defende e prega João Ferreira de Almeida, presidente do ISCTE. Esta universidade, em conjunto com a Escola Superior de Comunicação Social, avançou com um mestrado em jornalismo, avaliando muitos dos candidatos com base num sistema de reconhecimento de competências adquiridas no trabalho.


EXPRESSO — Comecemos pelo Processo de Bolonha. Acha que esta reforma «à força» do ensino superior português irá ser benéfica para o aumento da empregabilidade dos diplomados?

João Ferreira de Almeida — Isso poderá acontecer se a Europa e as universidades começarem a levar a sério a aprendizagem ao longo da vida. As pessoas saem da universidade, vão trabalhar e depois voltam à escola para se actualizar. Esta é uma tendência que está a acentuar-se cada vez mais.

EXP. — Essa cultura de aprendizagem ao longo da vida não existe nas universidades?

J.F.A. — Não existe nas universidades, nem nas pessoas, porque as duas dimensões estão interligadas. Mas existe menos nas universidades do que nas pessoas, porque estas estão mais disponíveis para isso. O sintoma desta tendência é a procura enorme de pós-graduações.

EXP. — Que medidas se deverão tomar para modificar esta situação?

J.F.A. — Tem que se maleabilizar todo o sistema. Há pessoas que querem fazer mestrados, nos quais se pede uma dissertação. Para um profissional muito empenhado, a dissertação é algo que não lhe interessa muito fazer. A dissertação é muito mais adequada para quem está ligado ao ensino e à investigação, em sentido estrito. Pelo contrário, se se multiplicarem as especializações e pós-graduações, com formatos e duração diferenciados, está-se a facilitar a aprendizagem ao longo da vida. Mas é crucial uma grande atenção às necessidades do mercado.

Orientação profissional é prioridade

EXP. — Esse investimento da universidade na formação ao longo da vida não tem que ser acompanhado de um reforço na orientação profissional? Encara a universidade como um centro de construção de carreiras?

J.F.A. — Sim, sem dúvida. Fazemos isso no ISCTE através dos estágios. Por exemplo, no caso da gestão, temos cadeiras de projecto, em que a grande preocupação é a aplicabilidade empresarial dos conhecimentos leccionados. No plano da carreira, os professores têm que ser pedagogos não só relativamente à transmissão de matérias, mas também deverão ajudar o aluno a progredir na carreira, adaptando o seu ensino a esta necessidade.

EXP. — Por outro lado, a quebra demográfica diminuiu o número de candidatos às licenciaturas. Portanto, a formação ao longo da vida também é tábua de salvação financeira para as universidades…

J.F.A. — É verdade, mas também temos um défice face à captação de novos públicos: pessoas que já acabaram a licenciatura, que abandonaram o ensino superior, que desistiram no ensino secundário. Em relação a estes dois últimos públicos, estamos a avançar para o reconhecimento das competências adquiridas como meio de acesso ao ensino superior. Por exemplo, num programa de mestrado e de doutoramento em parceria com a Escola Superior de Comunicação Social (ESCE), defrontamo-nos com um problema básico — muitos dos jornalistas mais conceituados em Portugal não têm formação académica formal. Não tem sentido que se interprete a lei de uma forma estrita — porque não tem licenciatura, não pode fazer mestrado. Tem de haver esse reconhecimento de competências. Fizemos pressões junto do Ministério da Ciência e do Ensino Superior, juntamente com a ESCE, para avançarmos com o reconhecimento de competências para este programa de formação avançada em jornalismo. O MCES já o reconheceu.

EXP. — E como funciona?

J.F.A. — Reúne-se um júri de análise curricular dos candidatos, fazem-se testes a este respeito e é feita a validação da candidatura. Além disso, temos que ter uma aproximação cada vez maior às associações profissionais e científicas, para acabar com a sobreposição de competências a este nível.

EXP. — É a favor da criação de um sistema informal de reconhecimento de competências específico para o ensino superior?

J.F.A. — Sem dúvida. Já há 30 anos que o sistema de ensino francês funciona assim. Porque é que o nosso deveria ser diferente?






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