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"Liderar é apoiar o trabalhador"

14.11.2003


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Ruben Eiras

PARA competir no mundo moderno, a elite empresarial tem que adoptar uma gestão democrática que estimule a participação dos trabalhadores, estando sempre disponível para apoiá-los. É o que defende Fernando Pinto, CEO da TAP, na segunda entrevista ao EXPRESSO sobre a competência das elites. O gestor salienta que o líder tem que actuar "como a base da pirâmide e não o topo".



EXPRESSO - Quais são os factores críticos de sucesso de uma elite com fortes competências de liderança?

FERNANDO PINTO - O primeiro é a visão, porque é fundamental para a capacidade de definir caminhos. É também muito importante saber comunicar com eficácia para concretizar a visão, criar transparência e motivar as pessoas.

EXP. - Em concreto, como se processa essa comunicação eficaz?

F.P. -Tem que ser objectiva, simples, prática e deve passar primeiro por uma "peneira", para filtrar o que é acessório. Deve-se focar a comunicação nos pontos importantes. Mas isto não significa esconder informação. Há que sempre ser transparente - escolhemos as questões mais críticas e transmitimo-las, para eliminar ruídos de comunicação, a informal que se realiza muitas vezes nos "corredores".

EXP. - E como é que aplicou essa metodologia na TAP?

F.P. - Temos um contacto regular e permanente com os sindicatos, fomos ao fundo dos problemas da empresa, definimos com mais clareza a situação do mercado dos transporte aéreo e o seu futuro. Fizemos conferências, seminários e "workshops" para comunicar aos trabalhadores o panorama do sector.

Mostramos quais os vários caminhos que tínhamos para seguir - havia alguns perigosos e difíceis, e outros em que era mais fácil de sobreviver. E aí sim, através de uma comunicação sistemática e permanente, com todos os trabalhadores, quadros, comissões de trabalhadores e sindicatos, mantemos toda a gente actualizada.

EXP. - Fala directamente com os trabalhadores?

F.P.- Temos uma equipa de vice-presidentes que transmite as orientações. Mas fazemos reuniões gerais em que apresentamos os resultados a todos os trabalhadores da empresa, mas às vezes falhámos. Não somos infalíveis... O processo de comunicação é o seguinte: antes de fazermos a apresentação dos resultados para a imprensa, divulgamo-la aos quadros da empresa, que se encarregam de transmitir essas mesmas informações aos seus subordinados.

Além disso, também fazemos apresentações periódicas aos sindicatos. E de seis em seis meses, mais ou menos, realizamos uma apresentação directa dos resultados aos trabalhadores. E aí comunicamos directamente a grupos grandes, entre 500 e 1.000 pessoas. A apresentação dura uma meia hora e os restantes 40 minutos são para sermos questionados directamente pelos trabalhadores.

EXP.- Quando surgem perguntas "incómodas", responde-as?

F.P. - O objectivo é esse - é melhor que as façam a nós, do que as considerem como verdades. Então fazendo directamente até nós fica mais fácil a transparência. Se existe um problema sobre o qual não estavámos a par, respondemos: "Não sabíamos disso, vamos pesquisar e dar resposta em tempo útil".

Eu sempre fiz assim e não sei fazer de outro jeito. Na minha gestão das quatro empresas que estive à frente até hoje, sempre pratiquei total transparência. E sempre usei muito a comunicação para que as pessoas soubessem qual é o caminho que tinham de seguir. Isto é, não é só impor o caminho, mas negociá-lo.

Se existirem outras escolhas para o futuro da empresa, mostrar através da comunicação e da transparência que não há outras razões senão aquele que é o melhor caminho para a empresa. E assim motiva-se as pessoas.


EXP. - Isso é quase a democracia na empresa

F.P.-É verdade. O mundo hoje é mais democrático e acho que a gestão também o deverá ser. O gestor tem que ser mais democrático e participativo para que as pessoas tenham mais motivação.


EXP. - E os gestores portugueses, daquilo que tem observado, pautam por uma liderança democrática?

F.P.-Eu acho que aí temos escolas diferentes. Eu vim de uma escola que é brasileira (Fundação Getúlio Vargas), mas que tem fortes influências da escola americana. A escola europeia, no seu todo, é influenciada pela realidade do relacionamento sindical.

Há um histórico de vários embates e conflitos, que criou um certo distanciamento entre trabalhadores e empresários. E isso prejudica a abertura em termos de conversação, negociação e de acompanhamento. Eu diria que só vindo de uma outra escola neutra nisso, é que foi possível quebrar esse gelo e iniciar um relacionamento diferente.

EXP. - A nível da formação dos empresários, que caminhos se deveriam tomar para criar uma cultura mais dialogante e de participação?

F.P.-Essa é uma mudança que vem acontecendo naturalmente com o tempo. É uma questão de sobrevivência. É verdade que em Portugal não se encontra muitos empresários com um alto nível de formação, mas que possuem um alto nível de qualidade de gestão. São empreendedores de grande sucesso, o que mostra que muitas vezes um alto nível de formação não é fundamental.

Mas é claro que o somatório dos dois é muito bom. E quanto mais profissionalismo for incutido na gestão, através de uma maior ligação da escola com a empresa e o próprio Estado, vamos conseguir pessoas com uma formação mais específica para os desafios concretos que temos hoje à nossa frente.

EXP. -Voltemos à questão da liderança. Costuma dizer que "o líder é a base de uma pirâmide". O que quer dizer com isto?

F.P.- A mentalidade que imperava era chegar ao topo da pirâmide, sentar-se no trono e dizer: "Agora tenho o domínio". Muitos até se achavam intocáveis. Isso vem mudando, especialmente nas empresas de serviços, como a nossa, onde a pirâmide está invertida - os líderes têm que suportar a pirâmide.

Ou seja, têm que dar suporte, apoio às pessoas mais importantes, aquelas que têm trato directo com o cliente. Esta inversão de mentalidade é crucial para competir com qualidade.

EXP. -Sente-se reconhecido pelo trabalho que fez na TAP?

F.P.-Acho que sim. Há muitos reconhecimentos importantes, mas o maior é o do próprio trabalhador. Já reconhece o trabalho feito pela nossa equipa e isso é o mais valioso para nós.








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