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«Juízes não interiorizaram a sua responsabilidade social»

25.06.2004


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Ruben Eiras

OS MAGISTRADOS portugueses precisam de interiorizar a responsabilidade social da sua profissão e apostar na formação permanente. Esta é a posição defendida por Mário Mendes, director do Centro de Estudos Judiciários.


EXPRESSO - Qual o estado da formação de magistrados em Portugal?

MÁRIO MENDES - Em termos de formação técnica, é boa. Seguimos em Portugal o modelo francês, que também é seguido pelos espanhóis. Estamos a falhar é no recrutamento. Há que rever muitos critérios.

EXP. - Quais os critérios a serem revistos?

M.M. - O leque de provas dos candidatos deverá ser mais abrangente. Não se deve focalizar tanto na parte técnico-jurídica. O actual leque de provas fora deste âmbito consiste apenas numa composição, que é um exame de cultura geral, e num exame psicológico, que consiste numa entrevista oral de 30 minutos. Não é um exame psicotécnico. É um diagnóstico que só permite apurar as psicopatias evidentes, ou seja, as situações de algum distúrbio do ponto de vista psicológico. Mas não permite avaliar a adequação da personalidade daquele candidato para o exercício de funções com as responsabilidades de ser magistrado.

EXP. - E que tipo de novos testes seriam necessários?

M.M. - Testes de resistência ao stresse, à pressão, de capacidade de decisão, de capacidade de auto-responsabilização e da sensatez do candidato.

EXP. - E porque é que não são introduzidos? Por resistências do sistema judicial?

M.M.
- Em 1998, quando foi aprovada a actual lei de recrutamento e formação dos magistrados, a primeira versão previa a aplicação de exames para a avaliação do perfil psicológico do magistrado. Houve pressão de alguns sectores da Assembleia da República contra esta medida, com o argumento de se estar a criar um "padrão" de magistrado. Creio que não é dentro da magistratura que se encontram as maiores resistências. O receio encontra-se mais no campo político, por causa das questões relacionadas com a padronização do perfil de magistrado.

EXP. - Mas isso não será benéfico? Se em grandes empresas se fazem testes psicotécnicos aos candidatos a gestores de topo, os quais, em muitos casos, têm que agir como juízes em determinadas situações, porque não se aplica o mesmo método aos magistrados?

M.M.
- Pois é. Às vezes, um gestor de topo tem responsabilidades tão grandes quanto as de um juiz. Por exemplo, não se compreende por que é que existe este tipo de testes na Polícia Judiciária, e não se aplica a magistrados e a oficiais de justiça. Não há razão para isto continuar assim. Os exames psicotécnicos deviam ser obrigatórios.

EXP. - Outra crítica veiculada no meio judicial é a baixa faixa etária dos candidatos a magistrados. A juventude é sinónimo de falta de experiência e bom senso?

M.M.
- Será um sinal de alguma falta de experiência de vida, mas não de bom senso. Quem é insensato em jovem, é insensato em velho. O problema estará na experiência de vida, do conhecimento da realidade social e económica, que hoje em dia é indissociável da profissão de juiz.

EXP. - E porque não se orienta o recrutamento para pessoas que possuam mais experiência profissional?

M.M.
- Tenho algumas dúvidas sobre esse campo de recrutamento. Uma pessoa que saia aos 24 anos da faculdade e conquista uma situação profissional estável e rentável, já não quer mudar. Então o campo de recrutamento restringe-se às pessoas que falharam nesse período. Há uma fatia pequena de candidatos que estão bem preparados e que escolheram esta profissão como vocação. Mas actualmente, a maior parte dos candidatos fazem parte de 2000 a 3000 licenciados de direito que andam à procura do primeiro emprego, e que falharam numa série de experiências profissionais.

EXP. - Portanto, a base de recrutamento é de má qualidade.

M.M. - É. Nós não podemos olhar este problema de dentro para dentro. O problema é o destinatário. A justiça faz-se para os cidadãos. Não podemos submeter a vida dos cidadãos a pessoas que não têm o mínimo de competência profissional. Isto é extremamente grave.

EXP. - Então qual é a solução?

M.M. - Primeiro, temos de rejeitar a ideia de que a raiz dos males é a juventude. Por exemplo, os auditores da escola nacional francesa de magistratura têm uma média etária bastante mais baixa do que a nossa, entre os 22 e 23 anos. Nós situamo-nos na média dos 27, 28 anos. Outra medida é criar no fim da formação de magistrado um período experimental, de observação, já sob o controlo dos órgãos de gestão da magistratura. Os candidatos não terão que integrar imediatamente os quadros definitivos das magistraturas, como agora acontece. Isto servirá para ver se a pessoa tem vocação ou não. É que, no actual período de estágio, o candidato já ganha um vínculo à magistratura. Já só pode ser afastado por via de uma inspecção ou de um processo disciplinar.

EXP. - Então a avaliação é um processo meramente formal...

M.M. - Pois é (ironiza). É preciso uma pessoa queimar um processo dentro de um tribunal, porque em outras circunstâncias a avaliação não tem nenhum impacto. Isto não pode ser assim!

EXP. - Concorda com o alargamento da formação a ciências auxiliares do direito, como a sociologia e a psicologia? Essa lacuna de formação dos juízes não pode ser colmatada com formação contínua? O que está ser feito neste âmbito?

M.M.
- Pouco. Hoje cada vez menos podemos ter a pretensão de saber tudo e poder compreender as novas realidades sócio-jurídicas com a mera leitura de alguns artigos. Há necessidade de uma constante actualização por parte dos magistrados. Mas fazem-na pouco. Isto porque a formação permanente não é obrigatória.

EXP. - E devia ser?

M.M. - Sim. A formação permanente não tem neste momento qualquer relevância para a progressão da carreira. Para mudar, o Conselho Superior de Magistratura tem que criar normas de natureza estatutária que definam quais são as implicações na carreira de se ter formação permanente ou não. Não se compreende que um magistrado possa concorrer ao tribunal de trabalho ou ao de família e de menores, sem ter tido uma acção de formação na área. É a mesma coisa que um médico: não vai para cardiologista quem não tenha especialização na área. A formação permanente tem que ser credenciada para efeitos de carreira e certificada.

EXP. - Podemos ter confiança nos magistrados que temos?

M.M. - Sim, em termos de qualidade humana e técnica são bons. Mas está nas mãos deles fazerem-se e terem bom senso.

EXP. - Quer dizer que a responsabilidade social inerente à profissão de magistrado ainda não está interiorizada por quem a exerce?

M.M.
- Não, não está. Repare que as pessoas encaram a entrada no CEJ como uma concretização de um desejo profissional. Ao assumirem plenamente as suas funções, têm que fazer um apelo muito grande a si próprias para as exercerem capazmente.





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