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"Há que investir na inspecção laboral"

24.04.2003


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Ruben Eiras

PARA Portugal possuir um sector privado de serviços de emprego que atraia investimento estrangeiro, o Governo tem de reforçar e apostar seriamente na inspecção do mercado de trabalho. Quem o afirma é Mário Costa, director-geral do grupo Select, um dos líderes do mercado de trabalho temporário nacional, em entrevista ao EXPRESSO. Aquele responsável defende ainda a criação de uma parceria entre o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) e as empresas de RH para formar a população desempregada.

 

 



EXPRESSO - Portugal é o país da UE onde o desemprego subiu mais depressa no último trimestre. Como é que a nossa economia chegou a este ponto?

MÁRIO COSTA - A culpa não é só da crise internacional, mas também das que criamos internamente. Por exemplo, todo o dinheiro que veio do Fundo Social Europeu (FSE) para ser investido em formação a sério foi utilizado indevidamente. Esses recursos são normalmente entregues aos sindicatos ou à banca, mas quem precisava mesmo desse dinheiro eram as PME, a fim de aproximar a formação das necessidades reais destas empresas. Pelo contrário, o que se tem feito é adequar a formação à teoria e não à prática. O mercado precisa de cursos rápidos e práticos, orientados para as tarefas. Para concretizar este objectivo, os subsídios europeus não funcionam. Mas não é só em Portugal, na Alemanha acontece o mesmo. É só para ter as pessoas ficticiamente a ter formação e baixar a taxa de desemprego. Será que isto vale alguma coisa para o país?

EXP. - Então a forma como foi aplicado o FSE na formação reforçou os desequilíbrios de formação entre as grandes e as pequenas empresas?

M.C. - Sim. E a política do governo de formação é sempre para tapar buracos, sem estratégia e sem planeamento. Há três anos, no pico do "boom" económico (que afinal foi uma ilusão), não conseguíamos encontrar pessoas para trabalhar nas TI e em outras funções. Então propus ao IEFP que autorizasse as empresas de recursos humanos e de trabalho temporário (TT) a explorarem as suas bases de dados de desempregados para lhes dar formação, porque havia falta de mão-de-obra. Mas negaram o acesso.

EXP. - E porquê?

M.C. - Porque dizem que nós somos privados. O IEFP não queria estar bem com as empresas do sector de emprego.

EXP. - Com a mudança de Governo, houve alguma evolução na relação entre o serviço público e privado de emprego?

M.C. - Até agora, as orientações de cima são para colaborar com as empresas. Mas a máquina burocrática está a emperrar o processo. Temos tanta gente dentro do Estado, que não podemos levar a mal que criem burocracia para se defenderem. Assim, esta guerra vai exigir o dobro do esforço.

EXP. - Como é que a articulação entre as entidades privadas e públicas no sector laboral poderá ajudar a corrigir as disfuncionalidades do nosso mercado de trabalho?

M.C. - De muitas formas. Recentemente estive a discutir com os directores da segurança social no sentido de criar parcerias entre a segurança social e a Associação Portuguesa de Empresas de Trabalho Temporário. Isto para perceberem bem os problemas de que o sector sofre e como nos podem ajudar. As mesmas conversações estão a decorrer com a Inspecção do Trabalho (IGT).

EXP. - Mas como é que se faria uma parceria de privados com a IGT a nível da inspecção do trabalho temporário? Isso não poderia influenciar a acção da entidade fiscalizadora?

M.C. - A parceria que se estabeleceria seria nos domínios da informação e da formação sobre o funcionamento do negócio do trabalho temporário. Há inúmeras variações do TT conforme a indústria onde é utilizado e os inspectores do trabalho não têm conhecimento aprofundado sobre as várias realidades nesta matéria. É que por muito que a gente queira, a IGT não tem meios, pessoas e formação para levar a cabo a sua missão. É preciso informatizar todo o sistema e os seus respectivos processos para combater as empresas de TT que não pagam segurança social. Se a ilegalidade continuar impune, não temos empresas de RH credíveis no mercado português e não se atrai investimento estrangeiro de qualidade. Nenhuma multinacional quer arranjar problemas com ilegalidades laborais. Temos que ter uma concorrência transparente com regras iguais para todos. A lei não pode ser só rigorosa e rígida para os cumpridores.

EXP. - Então a IGT não conhece o mercado que inspecciona?

M.C. - Não estou a dizer isso. Conhece o mercado mas tem falta de meios e de inspectores para conhecê-lo com maior profundidade. Sou totalmente a favor de que as grandes empresas de TT devem ser as primeiras a serem inspeccionadas para dar exemplo ao resto do sector, mas há que ir às outras empresas também. Por exemplo, em Alqueva, há imensos trabalhadores temporários na ilegalidade. São mais baratos... Mas será que o Estado faz alguma coisa? Sabe da existência do problema, mas não faz nada, porque não tem meios. Se calhar só têm um inspector por lá... Na construção dos estádios de futebol repete-se o mesmo cenário.

EXP. - Mas se calhar o Estado também não tem interesse na detecção da ilegalidade, dado serem obras com interesse estratégico e que ficam mais baratas assim...

M.C. - Pois, porque o Estado não decidiu por um preço razoável e justo, mas sempre pelo mais baixo. Mas se uma empresa de TT não paga à segurança social, só aí corta 30% de custo! Então quem anda a fomentar este comportamento é o Estado.

EXP. - Então o Estado fomenta a fuga aos impostos sobre o trabalho?

M.C. - Mas é, não é?

EXP. - Passemos à formação. As ETT são obrigadas por lei a investir 1% em actividades formativas. A legislação é cumprida?

M.C. - A lei diz que se deve investir em formação, mas depois não diz como é que deve fazer. Por isso, ninguém faz nada.

EXP. - Mas a atitude dos empresários portugueses face à formação também é de desinvestimento...

M.C. - Acho que se poderá mudar isto através do tal esquema de parcerias entre o Estado e o sector privado de que falei há bocado. Mas têm que ser estabelecidas com boa-fé dos dois lados. Se estou a investir na formação, se pago os meus impostos, devo ter um reconhecimento do Estado por este comportamento.

EXP. - Considera o Código do Trabalho como um factor de mudança nesse relacionamento?

M.C. - Sim, embora prejudique o sector do trabalho temporário.

EXP. - Em que medida?

M.C. - Devido à colocação do TT como lei especial e não com o mesmo estatuto que as outras formas de trabalho flexível detêm, como o contrato a termo. A alternativa real para a flexibilidade nas empresas é o trabalho temporário, não o contrato a prazo. No esquema do TT, a empresa só paga a factura no final do mês e não têm que preencher mapas de segurança social e outras burocracias. O TT é um sucesso nos mercados mais desenvolvidos, porque a sua flexibilidade cria maior agressividade concorrencial às empresas. Se queremos mudar a nossa economia, temos que ir por este caminho.

EXP. - Mas a flexibilidade em Portugal vem quase sempre acompanhada de precariedade...

M.C. - Mas isso, mais uma vez, isso é uma questão de fiscalização para combater a concorrência desleal e o "dumping" de preços do TT.

EXP. - Como avalia os sinais que o Governo tem dado nesta matéria?


M.C. - Têm sido positivos. Escutam as nossas preocupações, mas vamos ver... É crucial um reforço por parte das inspecções. Há que injectar sangue novo nos corpos inspectivos e dar formação a sério a estes profissionais.



 





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