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ARMINDO MONTEIRO, presidente da ANJE: «Faltam empresários com visão estratégica»

22.08.2003


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Cátia Mateus

QUATRO meses depois de assumir a liderança da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE), Armindo Monteiro promete já uma revolução na ala empresarial mais jovem do país


Uma aposta clara na formação nas áreas da estratégia e da internacionalização. Na mira do empresário lisboeta está a criação da Escola de Negócios ANJE e da Escola Europeia de Empreendedores.

Madrid conhecerá ainda este ano o espírito de iniciativa "Made in Portugal" com a criação de uma incubadora de empresas por aquela associação.

EXPRESSO - Como caracteriza o empreendedorismo em Portugal?

ARMINDO MONTEIRO - Entendo o empreendedorismo como um conceito mais lato, o da "força" que contraria toda a inércia de um país e onde os valores da ética e da consciência social são sagrados.

Quando as notícias vão todas para a Casa Pia, escândalos conexos à área social e fraudes, o empreendedor deve ter um papel dinâmico e exemplar na sociedade.

No entanto, há uma parte do empreendedorismo que é, para mim, negativa. Transparece a ideia de que ser empresário é um mar de rosas e que esta é a forma mais fácil de enriquecer. Mentira!

É urgente contrariar a ideia do empresário a quem "tudo é devido", que só exige proveitos e não comporta custos.

EXP. - Essa é a imagem dominante do empresário no nosso país?

A.M. - Não diria a dominante, mas é uma ideia que é preciso expurgar do tecido empresarial. Isto não é empreendedorismo.

O empreendedor é aquele que sabe que uma actividade empresarial tem proveitos, mas também custos para quem quer triunfar. Está no ADN da ANJE mostrar que vale a pena ser empresário mas não a todo o custo, fazer entender que esta é uma actividade que carece de grande investimento pessoal.

A nossa meta é ajudar a enraizar a ideia de que empreender é acima de tudo uma atitude própria de quem consegue sempre fazer mais e melhor, de quem tenta diariamente superar-se a si próprio.


"Há que ensinar a distinguir estratégia de táctica"


EXP. - Falta-nos essa visão?

A.M. - Falta a Portugal uma classe que concretize. Ideias há muitas mas é preciso conduzir os empreendedores rumo à sua concretização. Queremos fazer um "upgrade" ao conceito de empreendedorismo pela via da materialização das ideias.


"O empreendedor português tende a dimensionar o seu negócio em função de um só cliente"


EXP. - Mas essa sempre foi a bandeira da ANJE. Considera que isso não tem sido feito?

A.M. - Ainda estamos no primeiro estádio: as ideias. Não podemos ficar por aqui. Há que filtrar as boas ideias e passar às boas práticas.

EXP. - O que é que realmente precisamos?

A.M. - Ousadia. Somos muito bons até à concepção da ideia, mas a sua materialização exige ousadia e determinação para fazer frente aos inúmeros entraves que encontramos.

EXP. - A que entraves se refere?

A.M. - A burocracia é sem dúvida o principal.

EXP. - Não considera que essa ideia do entrave burocrático também serve de refúgio à falta de iniciativa imputada aos portugueses?

A.M. - Não. A burocracia é de facto um calvário, principalmente se pensarmos que na altura de criar um negócio tudo é incerto. Depois há a excessiva carga tributária.

Os Pagamentos Especiais por Conta são um péssimo enquadramento para quem cria uma empresa. Trata-se de uma filosofia de presunção de rendimentos que não faz qualquer sentido para uma empresa em início de actividade que ainda não começou a facturar.

Há também o entrave da falta de capacidade financeira e da ausência de posicionamento estratégico. O empreendedor português tende a dimensionar o seu negócio em função de um cliente ou de uma oportunidade. É arriscado. Se isto falha o negócio cai por terra. Há muito caminho a percorrer rumo à materialização das nossas ideias.

EXP. - Por onde começaria?

A.M. - Pelo sistema de ensino. As universidades portuguesas não preparam empresários, preparam funcionários. Quando saí do curso de gestão nunca ninguém me explicou que havia outro caminho além de trabalhar por conta de outrem. É necessário fazer chegar às universidades o conceito de empreendedorismo.

EXP. - A ANJE tem algum projecto nesse sentido?

A.M. - A formação é a nossa grande prioridade. Há muito que a ANJE percebeu a lacuna existente entre a universidade e o conceito de empreendedor e temos vários projectos para estreitar este relacionamento.

Em fase de aprovação está a criação da Escola Europeia de Empreendedores - que formará e promoverá o intercâmbio de potenciais empresários europeus tendo como meta a internacionalização - e já este ano vamos arrancar com a criação de uma escola de negócios.

Trata-se de uma estrutura que foge ao ensino académico concebido em prol da certificação e que tem como meta fornecer aos empresários um conhecimento que funcione como um valor acrescentado e, numa fase mais avançada, ajudá-los na gestão dos seus projectos.

EXP. - Em que moldes decorrerá essa formação?

A.M. - A formação incidirá no domínio da estratégia. Hoje para definir uma política de internacionalização é fundamental compreender como funciona o mundo, onde se posiciona Portugal e como poderemos tirar partido da nossa situação.

Queremos ensinar os potenciais empresários a distinguirem estratégia de táctica, sempre com uma vertente de internacionalização. A crise que afecta o país só será ultrapassada se formos mais exportadores e arriscarmos a nível internacional.

EXP. - Quer dizer que os nossos empresários são mais nacionalistas?

A.M. - (risos) Um empresário de Valença do Minho continua a achar que é mais natural vender em Faro do que na Galiza. Se considerarmos a Península Ibérica como tabuleiro de jogo, nós ficamos sempre na nossa metade do campo enquanto os espanhóis atravessam o meio-campo, vêm à grande área e fazem golo! Nós não passamos da nossa metade e com esta postura não se ganham jogos.

EXP. - O que nos limita?

A.M. - Uma fronteira cultural. Ainda não interiorizámos que a expansão internacional tem de começar pela nossa fronteira natural que é a Península Ibérica. Não é razoável para uma empresa que se queira internacionalizar ignorar o mercado espanhol.


"A nossa expansão internacional tem de começar pela fronteira natural: a Península Ibérica"


EXP. - É por isso que a ANJE vai "atravessar" a fronteira e criar em Madrid uma incubadora de empresas?

A.M. - O projecto que estamos a desenvolver tem como grande meta inverter a tendência de quem se internacionaliza "à sorte", como quem compra uma cautela para ver se dá prémio.

O nosso objectivo com a incubadora de empresas que teremos a funcionar até ao final do ano é ajudar os jovens empresários a prepararem um programa de internacionalização sustentado.

Forneceremos o espaço (dimensionado para 12 empresas), toda a informação legislativa e serviços de consultoria.

EXP. - A ideia é minimizar o fracasso dos nossos projectos no país vizinho...

A.M. - Sim, é evitar que as nossas empresas façam incursões fracassadas e desperdicem oportunidades. A nossa caminhada para Espanha tem de ser assumida como um desígnio nacional e já desafiamos o primeiro-ministro a apoiar-nos nesse sentido.

A exportação tem de ser vista como uma bandeira e há muito trabalho a fazer nas nossas empresas rumo a este objectivo. Não podemos ir para um mercado mais competitivo que o nosso sem estarmos preparados sob pena de deitarmos por terra uma boa oportunidade. Portugal tem de ir para ganhar!





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