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À espera do 'choque'

Plano do Governo divide especialistas irá o choque tecnológico agravar o desemprego não qualificado?
20.05.2005


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Cátia Mateus e Paula R. Santos

A BANDEIRA do «choque tecnológico» está hasteada e o Governo promete para Junho a criação de mil empregos nesta área. Mas, numa altura em que a criação de emprego tecnológico parece ser a prioridade, as opiniões dos especialistas sobre o impacto que este programa governamental terá sobre a sociedade são cautelosas. Há quem acredite que o futuro do país passa por aqui, mas há também quem alerte para o impacto negativo que o «choque» pode vir a ter entre os trabalhadores menos qualificados.


António Brandão Ferreira, coordenador do Centro de Investigação em Inovação Empresarial e do Trabalho, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, acredita nos bons resultados do plano governamental. Mas salienta a necessidade de as empresas darem também o seu contributo, investindo fortemente nesta área.

O especialista explica que «a aposta no emprego mais qualificado arrasta consigo também um aumento de emprego menos qualificado». E exemplifica: «Se eu investir num novo laboratório, vou ter de investir em equipamento, instalações e pessoal altamente qualificado. E quem faz a manutenção mais simples? Quem organiza a limpeza? A introdução de dados? Não é o pessoal altamente qualificado».

Para o investigador, a falta de investimento nesta área será sinónimo de mais desemprego, pois «as empresas serão deslocalizadas para outras regiões, com melhores infra-estruturas humanas e económicas, o que, a nível europeu, são praticamente todos os países, incluindo os do alargamento recente».

O especialista em sociologia do trabalho, Rui Moura, concorda com o efeito de «arrasto» que a criação de emprego tecnológico pode provocar na procura de mão-de-obra não-qualificada. Contudo, lembra que é fundamental que o Estado estabeleça um conjunto de «políticas activas que assegurem a coesão social» a médio e longo prazo. «É essencial que se invista também na reconversão profissional dos trabalhadores não-qualificados. Pessoas que hoje estão na casa dos 30 e possuem baixas qualificações, dentro de dez anos poderão estar no desemprego se não passarem por essa reconversão», defende o presidente da Associação Portuguesa de Sociologia Industrial das Organizações e do Trabalho.

Uma opinião partilhada pelo economista Eugénio Rosa, que só admite «resultados palpáveis» do plano tecnológico se o Governo «adoptar medidas que aumentem o nível de escolaridade da população empregada portuguesa». O economista refere que «cerca de 73% dos trabalhadores portugueses têm o ensino básico ou nem isso e, a nível de qualificação profissional, apenas 3% participam anualmente em acções de formação, quando a média na União Europeia é três vezes superior».

O especialista teme mesmo que o tão propagado plano tecnológico acabe por «iludir as características do desemprego actual em Portugal», onde se assiste «à destruição de postos de trabalho associados a profissões de baixa escolaridade».
«O plano tecnológico não se dirige a estes trabalhadores - com baixa escolaridade e qualificação profissional - que estão a ser mais atingidos pelo desemprego em Portugal, esquecendo-os completamente», remata o economista.

Já Ana Luísa Teixeira, «managing partner» da empresa de «executive search» MRI World Wide, não considera que este enfoque que o Governo está a dar ao emprego tecnológico possa - numa lógica de causa/consequência - conduzir a um aumento do desemprego nos sectores não-tecnológicos. A responsável acredita que o plano definido é positivo e poderá potenciar a criação de novos postos de trabalho nestas áreas e noutras menos qualificadas.

Semelhante opinião tem Jaime Ferreira da Silva, director da TecMinho, o centro de inovação da Universidade do Minho. O especialista defende que «o emprego tecnológico é um indutor de emprego não-tecnológico». Razão pela qual acredita que esta medida potenciará a criação de emprego também em áreas menos especializadas. Até porque, refere, «a dinâmica de desenvolvimento económico-social faz-se através de empresas de base tecnológica e não das outras».

Segundo o Eurostat, a indústria de alta tecnologia emprega apenas 5% da população portuguesa, quando a média da UE 15 é de 11%. Uma percentagem justificada pela carência de empresas de base tecnológica no país, mas também pela baixa qualificação académica da população activa. A mesma população que terá de se qualificar para receber o «choque tecnológico».

Empresas à margem

AS EMPRESAS portuguesas pouco investem na investigação e no domínio tecnológico. A principal fatia do investimento continua a sair dos cofres estatais. «É sobretudo o Estado português que financia a I&D com 61% do total de investimento, enquanto que na Europa são sobretudo as empresas que o fazem (55,8% do investimento). Essa média sobe consideravelmente quando se trata dos casos norte-americanos (66,2%) ou japonês (72,3%)», sublinha o investigador António Brandão Moniz.

Também nas despesas em I&D, Portugal demarca-se, pela negativa, da tendência verificada nos restantes países da União Europeia (UE). «Continua a ser o ensino superior o sector que mais gasta em I&D. Mas a nível europeu, o panorama é completamente diferente. Assim, em média, na UE quase dois terços das despesas são realizadas pelas empresas. Esse valor ultrapassa os 70% nos casos da Suécia, Finlândia, Alemanha ou Irlanda, ou seja, nos países de maior produtividade industrial», aponta o docente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.





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