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"80% das empresas nacionais continuam a preferir a 'cunhazita'"

A aposta num recrutamento mais profissional é uma das "batalhas" de Mário Costa no Grupo Select/Vedior
07.12.2006


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Cátia Mateus e Marisa Antunes Mário Costa, o homem-forte do Grupo Select-Vedior, líder em Portugal no sector do Trabalho Temporário, defende uma maior fiscalização nesta área de actividade como forma de credibilizar o mercado e potenciar a competitividade económica do país. Ao Expresso, o responsável defendeu uma maior contenção por parte dos sindicatos e um combate cerrado à ‘cultura da cunha' através de uma crescente profissionalização do recrutamento nas empresas portuguesas.


Que avaliação faz do mercado de trabalho temporário em Portugal?
O nosso país precisa muito do trabalho temporário, porque cria emprego. Achamos estranho que às vezes o Estado e as autoridades não entendam isto. Andamos há três anos a querer que a legislação saia. Quando alteraram o Código do Trabalho, foram buscar algumas partes, como a cedência ocasional de trabalhadores, ao projecto de lei para o Trabalho Temporário. Prometeram que passados seis meses sairia a Lei do Trabalho Temporário. Ainda hoje estamos à espera. No grupo Select temos 24 mil trabalhadores. Os contratos duram, em média, quatro a seis meses. Por ano, se calhar, criamos 50 ou 60 mil postos de trabalho. Mais de um terço dos nossos trabalhadores temporários ficam nas empresas. Devia haver da parte das autoridades uma maior abertura e atenção ao trabalho temporário, e sentimos que não há. O grupo Select tem crescido e, na minha maneira de ver, houve recentemente um reforço da fiscalização que fez melhorar o mercado. Há uma tendência por parte das autoridades fiscais e da Segurança Social a terem um pouco mais de cuidado e tentarem trabalhar com empresas mais transparentes.

Essa lei que quer ver aprovada, o que iria alterar exactamente?
A lei que estamos a tentar fazer visa equiparar o trabalho temporário aos contratos a prazo. Consideramos que é a mesma coisa. São duas formas de contratar. Portanto, uma das coisas que queremos é que o contrato temporário, em vez de um ano, possa ter uma duração de três anos, como o contrato a prazo. Se o país quer ir para a frente tem de aumentar a sua produtividade e, para isso, as empresas necessitam de elevar o padrão de qualidade dos seus trabalhadores. Não podemos continuar eternamente sem mudar as coisas. O mercado mudou e nós também temos de mudar. As autoridades têm de ver a mudança de forma positiva. Não deveria haver grandes críticas quando se quer mudar a lei. Por qualquer coisa os sindicatos falam. Temos de ajudar as pessoas a encontrar emprego, mas entre os trabalhadores também tem de haver uma mudança de atitude. Tem de haver objectivos e as pessoas têm de produzir. Esses recibos verdes que andam por aí... Isso é que está errado. O recibo verde não é nada. Só serve para fugir à Segurança Social. É essa transparência que quero ver no mercado com a nova lei. Tem de haver bom senso entre sindicatos, patronato e trabalhadores, com o objectivo comum de ganhar mais, produzir mais, ser mais competitivo.

O Governo tem falado muito em adoptar o conceito de ‘flexisegurança'. Acha que seria praticável? Temos primeiro que ver o país onde estamos. Não se pode comparar a nossa educação com a da Finlândia, Noruega ou Dinamarca, onde as pessoas são muito mais objectivas. O nível de formação é outro. É a formação que conta e que torna mais fácil alcançar a produtividade. A ‘flexisegurança' que existe na Dinamarca e na Finlândia é possível porque já estão noutro nível. Temos de importar os conceitos e o que acho bom neste Governo é que está a querer mudar. Os outros tinham as ideias, mas não basta isso. É necessário implementá-las. Isso é o mais difícil. Temos os sindicatos, que por tudo e por nada fazem barulho. Tenho mais de seis mil operadores de «call-center» que trabalham em campanhas que podem variar entre um, dois ou três meses. Para os sindicatos estas pessoas têm de ser efectivas. Quem é que vai efectivar estas pessoas? São estudantes universitários que estão ali para ganhar uns trocos e comprar a moto. O nosso problema é que as pessoas não querem ver que isto tudo mudou. Nós não queremos ver que temos um mercado aberto e que temos de ser competitivos. Temos direitos, mas também temos obrigações. Os patrões também têm direito a ter funcionários produtivos.

Acha então que se os sindicatos não interferissem tanto haveria condições para criar mais postos de trabalho?
Não só os sindicatos. Se os nossos políticos não tivessem tanto medo... Lá fora o sindicalismo já vai mais à frente, já compreende a importância, por exemplo, da formação. Por cá, ainda temos os sindicalistas do antigamente. Há muitos jovens gestores com vontade de avançar, mas os sindicalistas são os mesmos. Isto acabará por mudar. No entanto, também concordo que há áreas onde tem de haver interferência dos sindicatos. Mas não pode ser ‘chapa 5'. Essa intervenção tem de ser feita caso-a-caso, avaliando o que está mal e traçando formas de acção diferenciadas.

Na altura do grande «boom» do trabalho temporário, referiu que era necessário haver uma filtragem das empresas a operar no mercado, porque nem todas cumpririam os requisitos legais. Entende que essa filtragem já se fez?
O mercado está melhor. Mas há problemas ainda em muitos sectores de actividade. Por exemplo, na hotelaria, aqui em Lisboa, há alguns anos a concorrência era toda ilegal. Este trabalho de fiscalização que as Finanças fizeram foi óptimo para filtrar o mercado. Mas, no Porto, não tenho hotelaria. É tudo ilegal. No Algarve igualmente. Até estou a pensar fechar. Não consigo fazer nada. É tudo ilegal. Outro sector é o da construção. Se calhar vou fechar o meu escritório de Sines porque não posso trabalhar, já que é também tudo ilegal. O meu grupo é muito grande e qualquer coisa que aconteça vão logo para os jornais. Tenho 24 mil trabalhadores. Por ano, tenho 100 a 120 casos que vão a tribunal. Com 24 mil trabalhadores, acha que não durmo descansado? Durmo! Desses 100, a maioria resulta da cessação de contratos e dos acertos necessários. Por vezes até pagamos sem ter de pagar para evitar a burocracia e as deslocações.

Ainda há então muita precariedade?
Há muita coisa que não está a ser bem acompanhada. Nas obras é quase tudo ilegal. Eu cheguei a facturar 13 ou 18 milhões neste sector e agora mandei cancelar aquilo. Este ano facturei oito milhões, porque a regra do mercado é a ilegalidade. Saímos fora dessa área. Se tivéssemos uma fiscalização como deve ser era muito melhor para o Governo, porque facturavam e a Segurança Social era paga. A agricultura é uma área onde queremos entrar. Temos bastante desemprego cá e vamos buscar gente à Roménia e à Bulgária para fazerem este trabalho. É isso que queremos, esta ilegalidade?

Isso poderia ser alterado com mais inspecção...
Mais inspecção. A inspecção não custa muito. Na hotelaria, a ausência de fiscalização custou ao Estado muito dinheiro. Já melhorou um pouco. Na França ou na Holanda também há mercado paralelo, mas é 10% ou 15%, aqui é 25 ou 30%. Não pode ser. Eu pago todos os meses Segurança Social e andam sempre em cima de mim com inspecções. Porquê? Porque tenho 40 escritórios. Andam sempre a inspeccionar-me e a fiscalizar-me. Acho ridículo quando há empresas que abrem e daí a cinco anos fecham para abrir outra. É assim que funciona e eles sabem. O tempo que eles demoram a investigar estas situações dá para a ilegalidade continuar.

Quais são as áreas onde há mais oferta em termos de trabalho temporário?
Os «call-centers», onde devo ter cinco ou seis mil trabalhadores. Depois, o sector industrial também tem muita gente. Estamos divididos por áreas. Das obras vou sair porque é tudo ilegal e não vale a pena. Toda a gente paga com ajudas de custo. E da hotelaria também devo sair.

Vai abandonar essas áreas já ou a médio prazo?
Estou a reduzir. Obviamente, temos alguns clientes que querem trabalhar como deve ser e esses mantenho. Na hotelaria do Algarve impera também a ilegalidade. Não há inspectores para fiscalizar e eles continuam a agir paralelamente, seguros de que nada acontece. Não compensa continuar.

Pode então dizer-se que a estratégia da Select passa por reduzir ao nível da hotelaria no Algarve?
Sim. No Algarve e no Porto.

Há mais alguma área específica, além destas duas, onde pense desinvestir?
Eventualmente, o «merchandising». Temos uma boa operação de «merchandising», crescemos muito e é um bom negócio, mas eu diria que muitas das empresas que existem já mudaram de nome uma ou duas vezes. Porque será? Eu não consigo entrar nalguns clientes porque há mercado paralelo. É uma área grande, com muita procura, mas tem de se pôr as coisas como deve ser. Mesmo para os trabalhadores. Investi na formação porque costumo dizer que, quando queremos pessoal indiferenciado, temos muito. Mas é preciso consciência de que a produtividade não é tão boa como a outra. Temos de investir na formação para termos pessoas melhores.

Quanto gasta em formação?
Só para o meu pessoal vou gastar meio milhão de euros em formação, no relançamento da Psicoforma e do nosso projecto de formação ‘5 Sentidos'. Este programa decorre até Abril do próximo ano e, depois, deverei continuar com o modelo, procurando vender ao mercado estes cursos que testámos internamente. A ideia a transmitir é que só com formação e espírito de liderança as coisas avançam.

Falou há pouco nas áreas onde vai desinvestir. Perguntava-lhe, por contraponto, quais as áreas de investimento futuro para a Select?
Todos os anos tentamos apostar em novas áreas. Para a semana vou a Inglaterra, com dois dos meus directores. Costumo dizer que nós não temos de inventar nada. Lá fora já fizeram muita coisa e nós temos de aprender. Eu aproveito estas reuniões internacionais para ver o que está a acontecer no estrangeiro. Há três ou quatro anos, tentei trazer para cá um modelo, com muito sucesso em Londres, de colocação de professores reformados em «part-time». Lá, quando um professor está de baixa, os alunos não ficam duas semanas sem aulas. São colocados estes professores temporários. Quando tentei fazer isso em Portugal, não foi possível. Os sindicatos, mais uma vez, disseram que não era boa ideia. Os sindicatos e o Ministério da Educação não são feitos para os alunos, são feitos para os professores, e este é um modelo que não interessa.

Mas neste momento vão avançar?
Provavelmente, vamos. Se lá fora tem sucesso, será que nós somos mais espertos? É melhor este abandono escolar que nós temos? Depois queremos inventar que somos um país de tecnologia, quando se calhar nem há professor de matemática.

Neste momento quais são as áreas em que vocês estão de facto a apostar?
Nos «call-centers», por enquanto também no «merchandising», a área administrativa… Nós crescemos muito porque estamos sempre a investir em novos sectores. O «merchandising», por exemplo, abriu há seis anos atrás, cresceu muito. E porquê? Porque também apostamos muito, dentro da especialização do produto nas empresas. Temos pessoal específico só para aquilo. E quanto mais especialização, melhor. E o mercado, está a caminhar para essa direcção? Lá fora, o trabalho temporário é visto de uma maneira positiva e aqui não é. Porquê? Porque os sindicatos colaram o rótulo ao trabalho temporário de que é ilegal. O trabalho temporário como deve ser cria emprego. Basta ver o sucesso do nosso grupo. Nós criamos mais de 50 mil postos de trabalho por ano. Temos mais de 24 mil trabalhadores todos os meses, rodando duas vezes por ano. Cada vez mais, com a abertura do mercado para a Europa, as empresas que querem competir com as outras têm de ter melhor pessoal. Temos de concorrer com a China, com a Índia, lá não há efectivos. Há é produtividade e mais nada.

E essa produtividade depende de um bom recrutamento?
Hoje em dia, é muito mais fácil e rentável pedir a uma empresa de recursos humanos que faça a selecção. É assim que fazem as multinacionais. Mas em 80% das empresas portuguesas continuam a preferir a ‘cunhazita'. Mas, depois, custa um ano e tal de ordenado a asneira que fizeram, porque passado três ou quatro meses o primo não serviu, meteu-se o primo na rua, depois ele mete o tio em tribunal. No fim, o custo daquilo (só para não pagarem os 1500 ou 2000 euros do recrutamento) acaba por ser dez vezes mais. É preferível colocar dois ou três jovens temporários na empresa e, passados seis meses ou um ano, um ou dois ficar.

O Estado é cliente da Select?
Sim, para várias áreas. No nosso departamento de saúde já temos alguns projectos nos hospitais, depois nas câmaras, ao nível dos administrativos e informáticos. Representa cerca de 2 ou 3% do nosso pessoal, num total aproximado de 200 trabalhadores.

Quais as profissões com maior dificuldade de colocação?
Temos muitos jovens advogados, centenas mesmo. E faz pena, são pessoas formadas, que se fartaram de estudar. Há também muitos professores e licenciados em História. Onde é que arranjam emprego?

Quanto cresceu a Select no último ano?
Temos crescido todos os anos, no mínimo 10%, mas este ano andou à volta dos 12%. Em 2000, a nossa facturação era de 80 milhões de euros. Em 2006, vai ser de 240 milhões de euros.





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