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Trabalhar
o espírito
Na qualidade de monja budista, Emília
Marques Rosa chama-se Tsering Paldron e dá orientação
religiosa na Escola do Budismo Tibetano Nyingma, na Rua do Salitre, em Lisboa.
De sorriso aberto, Tsering emana paz ao falar e levanta o véu sobre
o mundo do trabalho visto de uma maneira diferente - de quem vive a vida
tendo como pano de fundo o Budismo.
Expressoemprego:
Qual a perspectiva budista perante o mundo
do trabalho?
Tsering Paldron: O Budismo é uma religião que tem
como objectivo ajudar-nos a encontrar a felicidade que todos procuramos.
Numa perspectiva materialista, a felicidade encontra-se nas coisas, em
seguir uma carreira e ter uma boa situação material. O Budismo
não nega, de maneira alguma, que isso seja uma fonte de bem-estar.
É legítimo que todos queiram ter meios para subsistir ou
para viver confortavelmente. Mas, por outro lado, o facto de termos tudo
isso não nos dá serenidade nem tranquilidade e a prova está
à vista: os países mais desenvolvidos, como os países
escandinavos ou o Japão, são os que têm as mais altas
taxas de suicídio e de depressões. Isso deveria chegar para
nos mostrar que a simples obtenção do bem-estar material
não chega!
A prática do Budismo é um treino constante, ou seja, tudo
aquilo que fazemos, incluindo o trabalho, é uma oportunidade para
aprendermos a lidar com as situações da vida. São
elas que nos permitem trabalhar sobre as emoções negativas
(o orgulho, a inveja, a cólera, etc.), geradoras de conflitos interiores
que se alastram a tudo o que nos rodeia. A perspectiva espiritual budista
visa transformar o nosso próprio espírito de forma a tornar-nos
mais aptos à felicidade e à paz, graças a uma atitude
interior positiva.
EE: Mas
na nossa sociedade a felicidade passa muito pelo sucesso profissional,
sobretudo para as gerações nascidas nas últimas três
décadas, que cresceram sob a pressão de entrar para a faculdade.
O consumismo cria, mesmo nas crianças, um enorme apego ao que é
material. Esse desvirtuar do materialismo não é fácil...
TP: Sim, não digo que seja fácil,
as últimas gerações encontram-se face a uma perspectiva
de vida muito angustiante. Vivemos num turbilhão de solicitações
e somos literalmente bombardeados por todo o tipo de informação
e de publicidade. A maioria das pessoas nem tem tempo para reflectir sobre
quem é ou o que está a fazer. É o resultado da forma
como a sociedade está orientada e das prioridades sobre as quais
assenta. O grande objectivo é ganhar dinheiro, o aspecto humano
é, muito frequentemente, secundário.
De qualquer maneira, para quem procura uma alternativa, o Budismo oferece
uma perspectiva em que o trabalho, como tudo o resto na nossa existência,
é um campo de aplicação, por excelência, de
toda a filosofia de vida budista!
EE: Não
considera então que trabalho e espiritualidade sejam mundos opostos?
TP: De maneira nenhuma! Inclusivamente,
acho que seria muito útil incluir algumas noções
da psicologia e da prática budista em cursos de gestão de
recursos humanos, por exemplo! Ensinar às pessoas como se comportar
em situações de responsabilidade, de trabalho de equipe
ou de chefia de um grupo de pessoas...
EE: Como
é possível conciliar a busca espiritual com as exigências
profissionais que nos deixam tão pouco tempo?
TP: Eu pessoalmente nunca tive esse tipo
de experiência, mas tenho amigos que trabalham em cargos de responsabilidade
e partilham o mesmo tipo de busca interior. Não penso que seja
inconciliável, é uma questão de opção
pessoal, de prioridades. As pessoas investem no trabalho para terem mais
dinheiro e para se afirmarem a nível social e pessoal. Há
também aquelas pessoas que trabalham só porque não
têm mais nada! Trabalham para não pensar, porque se pensarem
entram em depressão.
O facto das nossas prioridades serem de ordem espiritual não nos
impede de nos investirmos no trabalho e dá-nos mesmo outras razões
para o fazermos de forma mais responsável. Não sendo escravos
da ambição material, podemos manter um equilíbrio
entre o espiritual e o material. Nesta opção de vida a busca
espiritual e a vida profissional são aspectos complementares que
se dinamizam mutuamente.
EE: A
nossa sociedade vive para o trabalho? Na sua opinião, o crescente
interesse do ocidente pelo Budismo passa por esse sentimento de vazio?
TP: Penso que sim. No meio da confusão
em que vivemos há cada vez mais pessoas que sentem necessidade
de algo mais. Para muitas pessoas aquilo que as vai movendo são
as urgências. Quando acordam na segunda de manhã o que é
que as faz sair da cama? São coisas do tipo "Tenho que me
encontrar com tal pessoa, fazer isto e aquilo, depois de amanhã
tenho que pagar a prestação do carro, no fim-de-semana vou
com os amigos para o Algarve...". As pessoas vivem em função
de prazos! E são eles que vão criando a ilusão de
que a vida tem um sentido, mas é apenas uma ilusão! Quando
algo acontece que abala o nosso mundo, descobrimos subitamente que nada
disso faz sentido!
Num mundo como o nosso, tão destituído de valores espirituais,
é normal que as pessoas que procuram algo mais se interessem pelo
Budismo, sobretudo quando se apercebem que ele possui uma abordagem inteligente,
uma psicologia avançada, um sentido prático imbatível
e uma tolerância exemplar!
EE: Quais
são as vantagens práticas da meditação na
vida activa?
TP: A meditação permite-nos lidar com o
nosso próprio espírito, entrar em contacto com ele e ver como funciona.
Aperceber-nos que a irritação, o pânico, a angústia, etc, são, em grande
parte, construídos por nós próprios! A meditação ensina-nos a descontrair
mesmo em situações de stress e o resultado é que somos muito mais felizes!
Seja numa situação de trabalho ou em qualquer outra situação da vida,
somos muito mais eficazes se pudermos manter uma certa serenidade.
EE: Que
conselho daria a uma pessoa viciada no trabalho?
TP: Que faça uma cura de desintoxicação
(risos)! Que experimente ir para um sítio tranquilo durante um
dia ou dois, resista à tentação de se ocupar e olhe
para o seu espírito para se aperceber que o trabalho não
é uma solução. Quando envelhecemos e morremos temos
que enfrentar o que está cá dentro a "borbulhar".
É desde já que temos que nos preparar para esse momento.
Se quiser saber mais sobre Budismo...
www.uniaobudista.com
TM