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Trabalhar o espírito



01.01.2000



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Trabalhar o espírito

Na qualidade de monja budista, Emília Marques Rosa chama-se Tsering Paldron e dá orientação religiosa na Escola do Budismo Tibetano Nyingma, na Rua do Salitre, em Lisboa. De sorriso aberto, Tsering emana paz ao falar e levanta o véu sobre o mundo do trabalho visto de uma maneira diferente - de quem vive a vida tendo como pano de fundo o Budismo.

Expressoemprego: Qual a perspectiva budista perante o mundo do trabalho?

Tsering Paldron: O Budismo é uma religião que tem como objectivo ajudar-nos a encontrar a felicidade que todos procuramos. Numa perspectiva materialista, a felicidade encontra-se nas coisas, em seguir uma carreira e ter uma boa situação material. O Budismo não nega, de maneira alguma, que isso seja uma fonte de bem-estar. É legítimo que todos queiram ter meios para subsistir ou para viver confortavelmente. Mas, por outro lado, o facto de termos tudo isso não nos dá serenidade nem tranquilidade e a prova está à vista: os países mais desenvolvidos, como os países escandinavos ou o Japão, são os que têm as mais altas taxas de suicídio e de depressões. Isso deveria chegar para nos mostrar que a simples obtenção do bem-estar material não chega!
A prática do Budismo é um treino constante, ou seja, tudo aquilo que fazemos, incluindo o trabalho, é uma oportunidade para aprendermos a lidar com as situações da vida. São elas que nos permitem trabalhar sobre as emoções negativas (o orgulho, a inveja, a cólera, etc.), geradoras de conflitos interiores que se alastram a tudo o que nos rodeia. A perspectiva espiritual budista visa transformar o nosso próprio espírito de forma a tornar-nos mais aptos à felicidade e à paz, graças a uma atitude interior positiva.

EE: Mas na nossa sociedade a felicidade passa muito pelo sucesso profissional, sobretudo para as gerações nascidas nas últimas três décadas, que cresceram sob a pressão de entrar para a faculdade. O consumismo cria, mesmo nas crianças, um enorme apego ao que é material. Esse desvirtuar do materialismo não é fácil...

TP: Sim, não digo que seja fácil, as últimas gerações encontram-se face a uma perspectiva de vida muito angustiante. Vivemos num turbilhão de solicitações e somos literalmente bombardeados por todo o tipo de informação e de publicidade. A maioria das pessoas nem tem tempo para reflectir sobre quem é ou o que está a fazer. É o resultado da forma como a sociedade está orientada e das prioridades sobre as quais assenta. O grande objectivo é ganhar dinheiro, o aspecto humano é, muito frequentemente, secundário.
De qualquer maneira, para quem procura uma alternativa, o Budismo oferece uma perspectiva em que o trabalho, como tudo o resto na nossa existência, é um campo de aplicação, por excelência, de toda a filosofia de vida budista!


EE: Não considera então que trabalho e espiritualidade sejam mundos opostos?

TP: De maneira nenhuma! Inclusivamente, acho que seria muito útil incluir algumas noções da psicologia e da prática budista em cursos de gestão de recursos humanos, por exemplo! Ensinar às pessoas como se comportar em situações de responsabilidade, de trabalho de equipe ou de chefia de um grupo de pessoas...

EE: Como é possível conciliar a busca espiritual com as exigências profissionais que nos deixam tão pouco tempo?

TP: Eu pessoalmente nunca tive esse tipo de experiência, mas tenho amigos que trabalham em cargos de responsabilidade e partilham o mesmo tipo de busca interior. Não penso que seja inconciliável, é uma questão de opção pessoal, de prioridades. As pessoas investem no trabalho para terem mais dinheiro e para se afirmarem a nível social e pessoal. Há também aquelas pessoas que trabalham só porque não têm mais nada! Trabalham para não pensar, porque se pensarem entram em depressão.
O facto das nossas prioridades serem de ordem espiritual não nos impede de nos investirmos no trabalho e dá-nos mesmo outras razões para o fazermos de forma mais responsável. Não sendo escravos da ambição material, podemos manter um equilíbrio entre o espiritual e o material. Nesta opção de vida a busca espiritual e a vida profissional são aspectos complementares que se dinamizam mutuamente.


EE: A nossa sociedade vive para o trabalho? Na sua opinião, o crescente interesse do ocidente pelo Budismo passa por esse sentimento de vazio?

TP: Penso que sim. No meio da confusão em que vivemos há cada vez mais pessoas que sentem necessidade de algo mais. Para muitas pessoas aquilo que as vai movendo são as urgências. Quando acordam na segunda de manhã o que é que as faz sair da cama? São coisas do tipo "Tenho que me encontrar com tal pessoa, fazer isto e aquilo, depois de amanhã tenho que pagar a prestação do carro, no fim-de-semana vou com os amigos para o Algarve...". As pessoas vivem em função de prazos! E são eles que vão criando a ilusão de que a vida tem um sentido, mas é apenas uma ilusão! Quando algo acontece que abala o nosso mundo, descobrimos subitamente que nada disso faz sentido!
Num mundo como o nosso, tão destituído de valores espirituais, é normal que as pessoas que procuram algo mais se interessem pelo Budismo, sobretudo quando se apercebem que ele possui uma abordagem inteligente, uma psicologia avançada, um sentido prático imbatível e uma tolerância exemplar!


EE: Quais são as vantagens práticas da meditação na vida activa?

TP: A meditação permite-nos lidar com o nosso próprio espírito, entrar em contacto com ele e ver como funciona. Aperceber-nos que a irritação, o pânico, a angústia, etc, são, em grande parte, construídos por nós próprios! A meditação ensina-nos a descontrair mesmo em situações de stress e o resultado é que somos muito mais felizes! Seja numa situação de trabalho ou em qualquer outra situação da vida, somos muito mais eficazes se pudermos manter uma certa serenidade.


EE: Que conselho daria a uma pessoa viciada no trabalho?

TP: Que faça uma cura de desintoxicação (risos)! Que experimente ir para um sítio tranquilo durante um dia ou dois, resista à tentação de se ocupar e olhe para o seu espírito para se aperceber que o trabalho não é uma solução. Quando envelhecemos e morremos temos que enfrentar o que está cá dentro a "borbulhar". É desde já que temos que nos preparar para esse momento.

Se quiser saber mais sobre Budismo...

www.uniaobudista.com


TM






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