Notícias

Trabalhar a meio tempo? Só se for lá fora

Part-time Número de profissionais diminuiu. ?Salários baixos são a principal desmotivaçãoPart-time Número de profissionais diminuiu. ?Salários baixos são a principal desmotivação.

28.08.2017 | Por Rute Barbedo


  PARTILHAR



Há casos de trabalhadores a tempo parcial a quem exigem disponibilidade completa, devido à rotatividade de horários. Há quem assine contratos de cinco horas diárias que, na prática, chegam a sete, sem que a remuneração acompanhe este aumento. Trabalhar ao fim de semana ou à noite nem sempre conhece compensações neste grupo, e ter um part-time cujo ordenado dê para pagar as contas é quase uma utopia. São nuances que não emergem das estatísticas, que, por sua vez, traçam o retrato da seguinte forma: em Portugal, o empregado a tempo parcial é jovem, mulher, aufere um rendimento médio mensal de €393 e trabalha na área de serviços. Mas são poucos os que se enquadram neste grupo por opção, sobretudo à luz do quadro europeu (ver gráfico ao lado). De acordo com os dados do segundo trimestre do Instituto Nacional de Estatística (INE), das 554,8 mil pessoas a tempo parcial, 210,1 mil preferiam trabalhar mais horas.

Quem consegue ?conciliar dois empregos?

Apesar do aumento de €335 para €393 entre o primeiro trimestre de 2011 e o segundo deste ano, os salários reduzidos são a principal contrariedade para que este segmento não tenha expressão no mercado nacional, segundo várias fontes ouvidas pelo Expresso. A evolução no mesmo período mostra, aliás, que há menos 111,7 mil trabalhadores a tempo parcial, sendo que a percentagem de subemprego (profissionais que preferiam trabalhar mais horas) dentro do grupo aumentou de 32% para 37,9%.

Mas o salário não é o único entrave. José Costa, funcionário de uma entidade pública que atua no campo artístico (prefere não revelar qual), recebia entre €500 e €600 quando cumpria 20 a 25 horas semanais. Por não ser suficiente para suprir as suas despesas (e porque tinha outros interesses para lá de um trabalho das nove às cinco), começou a procurar fontes de rendimento paralelas. Mas “era quase impossível” conciliar atividades. Ao mesmo tempo, detetou falta de clareza ou de conhecimento no tratamento da ‘situação part-time’. “Não me estavam a dar o subsídio de alimentação. Diziam que, pelo facto de não fazer uma paragem para almoçar, não tinha direito a ele. Tive de lutar bastante, de me informar, de pedir aconselhamento jurídico”, relata ao Expresso. Ao fim de um ano, o empregador reconheceu que José tinha razão e regularizou a situação (com efeitos retroativos).

O estudo ?e as telecomunicações

“Por norma, o trabalho em part-time é encarado como uma forma de estar no mercado de trabalho, mas por falta de alternativa”, resume Paulo Pereira de Almeida, professor e investigador do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, na área de Sociologia do Trabalho. Do outro lado da norma estão os jovens que optam por este modelo para poderem conciliar a vida laboral com os estudos, afirma Ana Castro Dias, consultora sénior da empresa de recursos humanos Michael Page.

Olhando para esta realidade por sectores de atividade, a responsável sublinha que estão em causa “tarefas que sejam, de algum modo, baseadas na repetição e que não exijam uma complexidade muito elevada”. Especificando, “não podemos falar de part-time sem mencionar o mundo dos contact centers [centros de contacto com o cliente] ou da hotelaria”, refere, indicando que “outro dos sectores onde se tem verificado o acréscimo da necessidade de recrutamento em part-time é o dos centros de serviços partilhados, área que cresce a olhos vistos no nosso país”, com a entrada em campo de marcas como a Fujitsu ou a Altran, por exemplo. Mas também o retalho recorre a esta modalidade, chama a atenção Carla Marques, diretora-geral de Staffing e Outsourcing da Randstad.

Parcialmente ?no papel

O ‘problema’ não está no conceito de tempo parcial em si — que é, aliás, muito popular em países com economias consistentes, como a Holanda, a Alemanha ou os Estados Unidos — mas na nuvem de precariedade que por vezes paira sobre ele e em situações de trabalho a tempo inteiro pagas como contratos de tempo parcial. A partir do contacto com casos reais e de relatos de sindicatos de trabalhadores, Paulo Pereira de Almeida garante que “há multinacionais que pagam salários a níveis absolutamente miseráveis, e, aí, já não estamos a falar de um pequeno empresário sujeito às tensões de mercado e a elevados riscos”. Por outro lado, “muitas vezes é pedido a estas pessoas que fiquem mais horas, transformando o caso quase numa situação de trabalho a tempo completo”, expõe o professor.

Por que razão, então, este modelo funciona e é popular na Europa do Norte? “Porque lá há a questão da opção, que remete para um período da vida [muitas vezes coincidente com a paternidade ou a maternidade] em que se pode trabalhar a tempo parcial para depois regressar ao horário completo. Essa situação, em Portugal, seria muito mais difícil, para não dizer impossível”, considera o investigador do ISCTE.

Além do número reduzido de ofertas de emprego em part-time, observando a vontade do trabalhador, este tipo de regime “ainda não é muito popular em Portugal”, por “sermos um povo genericamente conservador”, observa Ana Castro Dias, da Michael Page. Para que o trabalho a tempo parcial seja uma realidade mais comum, acrescenta Carla Marques, da Randstad, não basta mexer nas estruturas laborais. “É também necessário flexibilizar o ecossistema pessoal dos trabalhadores, como acontece na Holanda, em que, por exemplo, a mensalidade da creche permite uma redução se a mãe trabalhar em part-time e se for buscar o filho mais cedo todos os dias, ou, caso ela opte por não trabalhar um dia por semana, o colégio não fatura esse dia”, ilustra.

A Holanda figura no topo da tabela da União Europeia no que diz respeito ao trabalho a tempo parcial — em 2015, a percentagem de mulheres neste regime superava os 70%, segundo o Eurostat — e, em paralelo, tem sido consecutivamente considerado um dos países com melhor qualidade de vida do mundo.



OUTRAS NOTÍCIAS
Quem vai cuidar de 2,8 milhões de idosos?

Quem vai cuidar de 2,8 milhões de idosos?


Daqui a 63 anos, Portugal terá 7,478 milhões de habitantes, 2,8 milhões dos quais idosos, segundo as projeções do Instituto Nacional de Estatística. Se a demo...

A quem o consulta ele diz: “A tecnologia é o negócio”

A quem o consulta ele diz: “A tecnologia é o negócio”


O universo não-profissional de Luís Pedro Duarte cruza a infância terna do “Cinema Paraíso” (de Giuseppe Tornatore) com a ironia queirosiana de “Os Maias&r...

‘Cotrabalha-se’ cada vez mais em Portugal

‘Cotrabalha-se’ cada vez mais em Portugal


Em 2013, Portugal era o 12º país com maior número de espaços partilhados de trabalho, numa lista de 80 países. Existiam 42 locais de coworking, de acordo com o Global ...



DEIXE O SEU COMENTÁRIO





ÚLTIMOS EMPREGOS